Nunca aos Domingos e Phaedra


Nota: ★☆☆☆

Anotação em 2008, com base em outras de 2004: Nunca aos DomingosNever on Sunday, de 1960, e Profanação/Phaedra, de 1962. Os dois filmes de Jules Dassin são elogiadíssimos, faladíssimos, badaladíssimos, clássicos. Nunca aos Domingos teve cinco indicações ao Oscar, levou o de canção (a de Manos Hadjidakis), fora outras oito indicações importantes – Cannes, Bafta, Globo de Ouro. Phaedra teve indicações ao Oscar, ao Globo de Ouro, ao Bafta. E, no entanto, achei os dois filmes ruins, muito ruins.

Os dois são daqueles filmes dos quais ouvi falar muito entre os 11 e os 14 anos, no começo dos anos 60, quando foram feitos, e que não pude ver na época por causa da censura de faixa etária.

Vi os dois, pela primeira vez, na mesma semana, em julho de 2004. Primeiro vi Phaedra, a adaptação de Dassin da história da Grécia clássica para a moderna Grécia da época em que o filme foi feito. Melina Mercouri, a legendária atriz, então casada com o diretor, faz a Phaedra do título original, que tem uma das paixões mais proibidas de todo o gênero humano, uma das essências da tragédia grega, a tragédia grega em si: a paixão de uma mulher pelo filho, aqui suavizada para a paixão pelo filho do marido.

O marido da Phaedra moderna de Dassin, interpretado por Raf Valone, é um milionário armador grego – teria Dassin se calcado na figura de Aristóteles Onassis? O filho dele é feito por Tony Perkins, então no auge da fama, depois de Sublime Tentação, um imediato clássico de William Wyler com Gary Cooper, de1956, Até os Fortes Vacilam/Tall Story, uma simpática comedinha de Joshua Logan com a  iniciante Jane Fonda, em 1960, e no mesmo ano, Psicose.  

Enquanto via Phaedra, me lembrava do meu irmão Geraldo me contando com os mínimos detalhes a história do filme que eu não podia ver porque seria barrado na portaria por ter menos de 14 anos. A narrativa dele nunca me saiu da cabeça – eu ficava imaginando Tony Perkins correndo no carro esporte em uma estrada perigosa ao som de Bach e berrando contra o destino: “Até aqui você me persegue, Johann Sebastian?”

 Ao final do filme, visto 40 anos depois da época em que deveria ter visto, conclui: o filme não é bom. Na verdade, o filme é muito ruim. E me perguntei: mas então era um mito? O Dassin não era bom, afinal de contas?

Depois de ver Nunca aos Domingos, anotei:

De novo, como o anterior, um filme do qual sempre ouvi falar, e que nunca tinha visto. E de novo uma decepção. O filme é ruim. É bobo – toda a trama, um filósofo amador americano que tenta tirar a puta grega da profissão ensinando a ela a grandeza da sabedoria – é boba, pueril, ingênua, naîf. E que não se venha dizer que é preciso colocar o filme na época, entender a perspectiva da época – Billy Wilder fez um brilho de filme sobre puta que é feliz com o que faz na mesma década de 60; Irma La Douce é inteligente, sagaz, irônico, irreverente, debochado. E não perde nada, a cada nova revisão.

Melina Mercouri overacts o tempo todo. O próprio Dassin, no papel do filósofo americano, é um péssimo ator, faz tudo exagerado; não é à toa que não saiba dirigir atores.

Chocado, fui aos alfarrábios, e o Jean Tulard me dá razão, diz que o Dassin, depois de ter feito bons filmes noir, nos anos 40 e 50, perdeu a mão, especialmente na fase grega; e em algum lugar há a confirmação de que Melina Mercouri pode ter sido boa para comédias (e funciona bem em Topkapi, por exemplo), mas em uma tragédia, como Phaedra, é uma lástima.

Para me consolar um pouco mais da heresia, vejo agora, em 2008, o que Pauline Kael diz de Nunca aos Domingos: “Melina Mercouri, como a puta feliz que só vai para a cama com homens de que ela gosta, na fábula desajeitada sobre as alegrias da amoralidade e e a estupidez da virtude. Insignificantes ironias à la George Bernard Shaw e uma heroína exaustivamente robusta, mas um grande sucesso”. Pauline não destila seu veneno sobre Phaedra: o filme não está entre os 2.848 que ela critica no livro 5001 Nights at the Movies.

Um ponto alto dos dois filmes, que não pode deixar de ser mencionado: as trilhas sonoras. Jules Dassin teve o privilégio de contar com os dois maiores compositores gregos nas trilhas sonoras. A de Nunca aos Domingos, como já se citou, é de Manos Hadjidakis. A de Phaedra é de Mikis Theodorakis. Não importa se foi porque na época ele era casado com Melina Mercouri, a estrela dos dois filmes e um imenso ícone da Grécia da segunda metade do século XX. É uma honra grandiosa, gigantesca.  

Nunca aos Domingos/Never on Sunday/Pote tin Kyriak

De Jules Dassin, Grécia-EUA, 1960.

Com Melina Mercouri, Jules Dassin, George Foundas

Argumento e roteiro Jules Dassin

Música Manos Hadjidakis

93 min, P&B

e

Profanação/Phaedra

De Jules Dassin, EUA-França-Grécia, 1962.

Com Melina Mercouri, Anthony Perkins, Raf Valone

Roteiro Margarita Lymberaki e Jules Dassin

Baseado na tragédia de Eurípides (não creditada)

Música Mikis Theodorakis

116 min, P&B

9 Comentários para “Nunca aos Domingos e Phaedra”

  1. Caro Sérgio Vaz: Nunca aos Domingos tambémn é uma boa dica para não ler sua crítica sobre esse filme. Foi uma decepção, e um choque que me deixou agitado (em pleno domingo),ver que você desqualifica um filme cujo nome soou nos meus ouvidos durante esses quase cinqüenta anos. Nesse tempo todo, sempre que surgia o nome da fita, em algum jornal, eu me prometia: não morro sem ver isso. E, como soe acontecer, nunca vi. Agora, depois de sua crítica, o que faço: busco um DVD perdido no Submarino, ou esqueço esse assunto de uma vez?
    Achei logo de cara que você não estava dando desconto para a época – o que você rechaça. Quando assisti a “A moeda falsa”, em mil novecentos e nada, adorei. Será que acharia o mesmo, hoje? Será que, se você tivesse penetrado naquele cinema, com seus onze anos, não teria adorado o filme? Que, revisto mais tarde, o decepcionaria? Pense nisso, senhor crítico.

  2. Sérgio, Sérgio, não fale assim de Nunca aos Domingos! Eu, como sou mais velho do que você, vi à ocasião do lançamento e… adorei. Tinha dezoito anos. É uma comédia gostosíssima sobre um puritano que tenta sublimar seu impulso sexual, transferindo seu desejo para os baluartes da cultura ocidental, que nasceu na Grécia. E para isto não hesita em vender a alma para o diabo. Dizem que Hanna Schygulla, nos filmes de Fassbinder, representa a Alemanha. Acho que Melina, nesse filme, representa a Grécia moderna, distante de seu passado de glória, prostituta no porto do Pireu. Será que eu entendi o filme direitinho?
    Está certo que Dassin não é nenhum desses mostros do cinema, esses Midas da estética, que transformam em ouro puro tudo aquilo que tocam. Mas ele tem uma boa envergadura, digamos, uma envergadura assim como a de… Billy Wilder.
    Ih! lá vem pedrada!

  3. Caríssimos Jorge e Valdir, estou hoje feliz como menino que ganhou bola de futebol nova: graças à Nilze, minha irmã, estou aqui com meu mais novo alfarrábio, o Guide des Films do Jean Tulard, sexta edição, em três volumes maravilhosos de mais de 1.200 páginas cada. Comecei a folhear, maravilhado, e fui dar em Phaedra. “Adaptação moderna de Phaedra bastante ridícula. É preciso ouvir Melina Mercouri dizer a Anthony Perkins: ‘Se você me chamar de mamãe, eu te mato’.
    Aí fui correndo ver Nunca aos Domingos: “Consternadora versão de Pigmalião. Dessa comédia insuportável, não restou hoje mais que uma canção, ‘As crianças do Pireu’.”
    Cada cabeça, uma sentença – e ainda bem que é assim. Mas devo dizer a vocês, amigos caríssimos, que me senti reconfortado com o que disse o guia do Tulard. Fiquei com aquela boa sensação assim de que não estava louco, quando achei os dois filmes de Dassin uma grande merda. No mínino, no mínimo, estou bem acompanhado.
    Baita presente bom, esse Guia do Tulard. Vou usá-lo muito.
    Abração.
    Sérgio
    PS: Ih, eu já havia usado o dicionário de diretores do Tulard para me apoiar nas críticas aos filmes. Mas tudo bem: gostei de ver assertivas tão claras no novo guia. A verdade dos fatos é esta: nem tudo que reluziu quando a gente era jovem é ouro.
    Cacilda: esta é uma bela frase… Preciso me lembrar dela para usar em outras ocasiões…

  4. Engraçado como um filme dito tão ruim ainda provoque discussões. Também passei a juventude ouvindo falar do filme. E ouvindo as tias cantarolar a música. Finalmente em 86 tive oportunidade de assisti-lo. Um filme lendário numa sala igualmente lendária, o velho cine Paissandu. Na época me enchi de nostalgia e adorei… Discuti acaloradamente com alguns críticos. E o tempo passou. Estou neste preciso instante assistindo de novo em DVD. A verdade é que é naïf, realmente… Mas inegavelmente é deliciso também… Talvez por ser assim tão… naïf. Além da música, há a Grécia, sempre cenário deslumbrante, independente de atores e direção. Nenhuma obra prima. Provavelmente, nem mesmo uma obra de arte. Mas divertido… ah… isso sim.

  5. Sérgio Vaz, sua resenha é interessante para questionar se você inconscientemente não teria se incomodado com o tal personagem intelectual, que a pretexto de falar de cultura e querer redimir a prostituta, no fundo só pretende sublimar a questão sexual. Será que não foi isso que te incomodou, para fazer com que via racional desqualificasse esse filme magnífico?

    Você acha isso uma comédia insuportável? Você fala como se você certamente poderia te-la feito melhor, livre das falhas.

    Veja que você é vítima de suas próprias circunstâncias: queria ter visto o filme quando não tinha idade, empolgado com que falavam dele, aí grande decepção: ao assistir achou que tudo estava errado ali.

    O que te incomodou realmente?

    Teria sido o discursinho politicamente correto que você mesmo denúncia ” fábula desajeitada sobre as alegrias da amoralidade e e a estupidez da virtude “. Foi isso ?

    Ms e se você tivesse visto o filme quando garoto, antes de ler as recomendações ao filme, antes de ficar adulto, azedo, que problema se você tivesser gostado, não? Teria que renegar um filme tão cheio de sensações, não é mesmo.

    “Nem tudo que reluziu quando a gente era adolescente é ouro”, diz você então nos diga o que falta neste filme, já que a Melina Mercouri melhor que ninguém encorporava a personagem, a história escrita pelo seu marido para ela mesma. Pura musice ! Quem teria feito melhor o filme? Quem teria escrito melhor a história? Quem teria interpretado melhor o papel do intelectual bobo, escravo da filosofice?

    Conte-nos amis de você: quando se tornou iconoclasta? Sim, iclonoclasta, porque este é o mote de sua crítica.

    Veja …

    A iconoclastia costuma acontecer com povos de religiões diferentes, mas é freqüentemente o resultado de disputas entre facções de uma mesma religião. um termo que passou a ser aplicado a qualquer um que quebra dogmas ou convenções estabelecidas ou as desdenha. Já contrariamente iconófilos são os que continuam adorando ídolos: no caso a legião de fãs de Nunca ao Domingos, claro, turminha supimpa que não vale o prestígio do Tulard.

    Quer dizer: todo mundo se delicia com este filme estupendo, a net esta coalhada de vídeos sobre tudo quanto é parte do filme, e você diz que só a música subsistiu.

  6. Caro Roberto, eu tenho muitos assuntos para tratar com o analista, mas o fato de ter achado “Nunca aos Domingos” uma droga não é um deles.
    Você adora o filme. Legal, cara! Muita gente adora o filme. Eu acho uma coisa ridícula. É assim que é a vida.
    Eu poderia ser a única pessoa no mundo a achar o filme ridículo – e seria tudo certíssimo.
    Mas nem sequer estou sozinho: Jean Tulard está comigo!
    Lembrando o que ele disse: “Consternadora versão de Pigmalião. Dessa comédia insuportável, não restou hoje mais que uma canção, ‘As crianças do Pireu’.”
    Agora, cá entre nós, Roberto: alguma vez na sua vida já ocorreu que outras pessoas tenham o direito de pensar de forma diferente de você?
    Ou você é petista?

  7. Servaz!
    Valdir!
    Ao vê-lo pela terceira vez, na noite de ontem, depois de 70 (ditadura militar na Grécia), 90 (a Grécia na União Européia), sinto que a obra é permonitória. Melina está a Grécia de hoje, enganada pelos poderosos, enganando seus patrícios. Que arrepio!
    Saudações saudosas,
    Moacyr Castro

  8. Sou mais um que não gostou do seu texto… Mas não por conta do “Nunca aos domingos” (vi mas não me marcou; acho que gostei, mas não me lembro bem), mas sim por “Profanação” (o título em português de “Phaedra”).
    Acabei de assisti-lo e, entusiasmado, vim aqui dar uma olhada. Não reconheci no seu texto o filme que assisti. Nunca tinha ouvido falar dele e vim dar uma pesquisada justamente porque fiquei absolutamente surpreso com o filme: não o considerei um filmaço (há tropeços), mas muito próximo disso.
    Na grande maioria das vezes, concordo com suas abordagens sobre os filmes. De vez em quando não…

  9. Never on sunday! Sou de 83…assisti esse ano. Amei…já assisti umas 4 vezes e apresentei para meus amigos…ainda continua sendo o filme que convido meus amigos para assistir. E o interessante é que por ser grego e legenda inglês….percebo mais originalidade. Eu adorei tudo..a questão da prostituição suave…a alegria…a questão do não ter problema com sua moral…achei show!

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