Bob Roberts


Nota: ★★★★

Resenha na coluna O Melhor do DVD, no site estadao.com.br, em 2001: Pode parecer exagero, mas Bob Roberts é, talvez, a estréia mais talentosa de um diretor americano desde que Orson Welles fez Cidadão Kane. Como Welles, que fez praticamente tudo em Cidadão Kane, o jovem Tim Robbins é o autor do argumento, escreveu o roteiro, dirigiu, atuou e ainda fez as músicas do filme, juntamente com o irmão, David.

Conseguiu reunir, em participações especiais, a maioria como âncoras ou repórteres de TV, um bando de astros famosos ou de prestígio – James Spader, Peter Gallagher, Fred Ward, John Cusak, Helen Hunt, David Strathairn, além de sua mulher na vida real, Susan Sarandon. Escolheu Jack Black (um sucesso fantástico no recente Alta Fidelidade, do inglês Stephen Frears), ele próprio um músico, para fazer uma ponta como o filho do prefeito cujo fanatismo por Bob Roberts beira ao mesmo tempo o fascismo e a loucura. Colocou o inglês Alan Rickman, excelente ator, mais tarde um diretor sensível, como o chefe da campanha do personagem título; e, sobretudo, convenceu ninguém menos que o escritor e historiador Gore Vidal a interpretar o senador Paiste.

O mais ferino e violento crítico do establishment americano, autor de diversos roteiros de filmes brilhantes, de De Repente, no Último Verão a Ben-Hur, Gore Vidal na verdade mais interpreta a si próprio, recitando frases brilhantes, tanto na forma quanto no conteúdo, sobre as mazelas do Império e seu sistema político. Sua análise sobre a participação americana no que resultaria na Guerra do Golfo, sozinha, já valeria o filme. 

O roteiro é inteligente, fascinante. Toda a narrativa é um filme dentro do filme, um documentário feito por um inglês, Terry Manchester, a respeito de um fenômeno político, Bob Roberts, um cantor folk que de repente vira candidato ao Senado na Pennsylvania. A câmara do filme é, portanto, a câmara do documentarista, sempre na mão, sempre inquieta, às vezes tremendo, balançando, no meio das multidões, invadindo a campanha do candidato, sendo guiada pelos colaboradores do candidato, mas negando-se a ser desligada nos momentos que revelam o verdadeiro Bob Roberts sob a máscara do sorriso eterno de vitorioso – e mentiroso. Nada melhor que uma câmara de mão para mostrar uma campanha eleitoral que é decidida pelas imagens que as câmaras de TV captam, e que estão em geral perigosamente longe da verdade.

Claro que não é preciso gostar de música americana dos anos 60 ou conhecer um pouco dela para ver com prazer Bob Roberts, a estréia de Tim Robbins na direção. Mas quem curtir Bob Dylan, Woody Guthrie e um pouco da música folk vai seguramente se divertir muito mais. Tim Robbins brinca com símbolos, inverte tendências, faz um jogo de gato e rato entre a música folk e o personagem de Bob Roberts. O folk virou mania no final dos anos 50, início dos 60, e foi uma arma fundamental na transformação da sociedade recém saída do macarthismo, na campanha pelos direitos civis, nas lutas pelo fim da  segregação dos negros, e depois na campanha contra o envolvimento americano no Vietnã. Woody Guthrie era uma espécie assim de paizão inspirador de tudo; Dylan começou a carreira imitando Guthrie em tudo por tudo, até se transformar na figura mais importante da música americana da década de 60 e das seguintes.

Pois bem: Bob Roberts é um cantor folk, só que cantando a contra-revolução, a reação a tudo que os anos 60 significaram. Canta a ganância, a anti-solidariedade, o individualismo, o orgulho de se ser rico e poderoso, a glória do yuppismo. No seu documentário sobre o fenômeno Bob Roberts, o documentarista fala do primeiro disco do cantor, The freewheelin’ Bob Roberts, e mostra a capa – uma capa idêntica à do segundo disco de Dylan, The freewheelin’ Bob Dylan. Depois mostra o segundo disco, The Times Are Changin’ Back, os tempos estão voltando atrás – uma cópia do terceiro disco de Dylan, The Times They A-Changin’, o hino de uma geração, que avisava sobre a mudança dos tempos. Depois haveria ainda Bob on Bob – uma referência explícita a outro disco de Dylan, Blonde on Blonde. Para exagerar na brincadeira, no jogo torcido com a verdade, aparece o clipe de uma música de Bob Roberts – que é uma cópia exata de um clipe famosérrimo (entre os fãs) de Dylan, em que ele vai apresentando cartazes com trechos da letra que está cantando, e jogando-os ao chão. Esse clipe de Dylan, o original, está na abertura de um filme cult, Don’t Look Back, um documentário dirigido por D.A.Pennbaker, que mostra a turnê do compositor pela Inglaterra, em 1965, e que teve forte influência sobre diversos outros documentários de rock e pop.

O estilo da câmara do documentarista fictício Terry Manchester também é profundamente calcado no estilo de Pennbaker; há seqüências idênticas, como as em que a câmara persegue Bob Roberts e sua equipe em escadas e mais escadas sinuosas de um prédio, e como aquela em que a mulher de um prefeito apresenta o filho e seus amigos ao cantor. Todo esse conjunto emaranhado de citações, esse imenso brinquedo com a realidade da obra de Dylan e com o documentário de Pennbaker levou alguém da distribuidora Versátil, que lançou o DVD no Brasil, a escrever o seguinte samba do crioulo doido: “A cena na qual Bob Roberts encontra a mulher e filhos do prefeito da cidade é um pastiche da canção Don’t Look Back, de Bob Dylan”.

Sobre textos no DVD, há ainda um aviso a ser dado a quem ainda não viu o filme. Na seqüência final…

Pode ficar tranquilo: não se vai, aqui, contar o desfecho da história, é claro. Mas é o seguinte: na seqüência final, há um detalhe de extrema, fundamental importância que aparece no canto inferior da tela, exatamente no lugar em que ficam as legendas. Se não ficar claro o que é esse detalhe, se ele não for visível, por causa das legendas, a sugestão é: volte um pouco o DVD, tire fora a legenda, e reveja a cena.

Bob Roberts

De Tim Robbins, EUA-Inglaterra, 1992.

Com Tim Robbins, Alan Rickman, Gore Vidal, Giancarlo Esposito, James Spader

Argumento e roteiro Tim Robbins

Música David Robbins e Tim Robbins

Cor, 102 min.

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