Sem Medo de Morrer / Fearless


Nota: ★★★★

Anotação em 1995, com complemento em 2008: Este filme me deixou chapado. Me pareceu uma daquelas obras maiores, de contestação completa de todo o sistema, de toda a escala de valores da sociedade capitalista tipo Movidos pelo Ódio/The Arrangement, do Kazan, ou Um Estranho no Ninho, do Milos Forman.

É também, de uma maneira muito interessante, e absolutamente sem ser piegas, uma crítica fortíssima à falta de maiores valores morais, ao apego ao material, à falta de crença em algo maior. Um filme brilhante, poderoso, bem feitíssimo, com um uso magistral do flashback.

afearless1 A abertura do filme é daquelas de tirar o fôlego: o avião em que viaja o protagonista (Jeff Bridges, careteiro mas muito bom, como sempre) se espatifa no solo, e ele é um dos poucos sobreviventes. A partir daí, ele vai estranhar e questionar toda a sua vida de muito conforto, e até mesmo o casamento com uma mulher de beleza esplendorosa (Isabella Rossellini, numa fase em que esteve parecida demais com a mãe, Ingrid Bergman).  

A trilha sonora – assim como a de Truman Show – é absolutamente extraordinária. Tem temas originais, compostos para o filme pelo veterano Maurice Jarre, e traz peças eruditas modernas. Uma das peças me impressionou muitíssimo; fui atrás e descobri que é o Primeiro Movimento da Sinfonia nº 3 de Henryk Górecki, um compositor que eu, é claro, desconhecia totalmente. Ele é polonês, nascido em 1933 – tinha seis anos, portanto, quando seu país foi invadido pelas tropas nazistas. O Primeiro Movimento escolhido para entrar na trilha sonora, uma das coisas mais profundamente tristes e belas que já foram feitas na música, na minha opinião, é perfeita para dar o tom deste filme fora do normal.

Acho que Peter Weir, australiano nascido em 1944, é um dos melhores cineastas em atuação nos anos 80 e 90. É do estilo Milos Forman, o contrário do estilo Woody Allen: cria poucas obras. Sua filmografia é pequena, mas de muita qualidade, muita densidade. Aborda os temas importantes – as questões básicas, quem sou, onde estou, para onde vou. Trumam Show é um dos grandes filmes dos últimos tempos. Sociedade dos Poetas Mortos tem muito sentimentalismo, mas defende os bons valores. Gallipoli é um grande, forte, belo panfleto pacifista. E A Testemunha é um belo thriller, que retrata com carinho e sensibilidade o choque cultural do encontro de um policial com a comunidade amish.

Não precisava fazer um filme por ano, todo ano, sem faltar um, como o Woody Allen. Mas poderia fazer um pouco mais, esse Weir.  

Não era necessário, mas fui conferir outras opiniões. Leonard Maltin diz, no final de sua resenha: “Roteiro e atuações superiores, com Bridges (bom como sempre) igualado por Rossellini (em sua melhor atuação até agora, como sua mulher) e Perez”. Boa, Maltin.

A crítica no AllMovie dá uma informação que eu não tinha e fala de forma inteligente da música: “Apesar de não ter sido um sucesso de bilheteria nos Estados Unidos, este drama subestimado garantiu ao diretor Peter Weir um merecido aplauso da crítica. (…) A justaposição feita por Weir de música clássica suave durante um flashback com o terrível acidente aéreo, quando a maioria dos diretores teria feito a seqüência como a de um filme de ação, resulta na culminação perfeita do clima geral de estranha transcendência”.  

Sem Medo de Morrer/Fearless

De Peter Weir, EUA, 1993.

Com Jeff Bridges, Isabella Rossellini, Rosie Perez, John Turturro, Tom Hulce, Benicio Del Toro

Roteiro Rafael Yglesias, baseado em sua novela

Música original de Maurice Jarre

Cor, 122 min.

Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *