Robin e Marian / Robin and Marian

Nota: ★★★☆

Robin e Marian, que Richard Lester dirigiu em 1976, é um bom filme de aventuras e batalhas, mas é, sobretudo, uma esplêndida, maravilhosa história de amor – o reencontro de dois amantes após 20 anos de separação. A magnífica, gloriosa oportunidade do reencontro quando os amantes já estão bem longe da juventude – e são interpretados, meu Deus do céu e também da Terra, por um Sean Connery de barba grisalha e uma Audrey Hepburn que havia desaparecido das telas de cinema por longos nove anos, desde Um Clarão nas Trevas, de 1967.

Audrey, que havia encantado o mundo a partir de A Princesa e o Plebeu/Roman Holiday, de 1953, aos 24 aninhos, estava com 47, quando interpretou Maid Marian. Jovem demais, ainda, e bela demais, e charmosa demais – mas já não mais uma garotinha que nem Sabrina, que interpretou quando tinha 25.

Tinha história, tinha passado – e tudo, no filme, faz questão de demonstrar isso.

Depois de Robin e Marian, Audrey faria apenas mais três filmes. No último de todos, Além da Eternidade/Always (1989), de Steven Spielberg, interpretaria um anjo.

Jamais houve outra atriz tão perfeita para interpretar um anjo. Bem, mas também jamais houve outra atriz tão perfeita para interpretar a mulher que havia sido Maid Marian, quando jovem, e agora, quando a ação se passa, é a madre superiora da Abadia de Kirklees, no interior da Inglaterra da Idade Média, no século XII.

Assim como também não haveria ator mais perfeito para fazer aquele Robin exausto de tantas lutas, de tantos anos nas Cruzadas, servindo ao Rei Ricardo Coração de Leão, que deseja finalmente poder voltar para seu lar, a floresta de Sherwood, e enfim rever, 20 anos depois, a sua Marian, do que Sean Connery, aquele senhor escocês tão exausto quanto Robin. Bem, não propriamente por ter lutado nas Cruzadas, mas por tanto tempo ter feito papel daquele sujeito emproado, metido a besta, Bond, James Bond.

Atores elegantérrimos em roupas andrajosas

Emproado. O adjetivo é bom para qualificar Bond, James Bond.

Aquela figura que Sean Connery criou na tela, e que nenhum dos vários atores que vieram depois dele conseguiu suplantar. Aquele personagem que não tem nada a ver com um ser humano – é sobre-humano, sobrenatural, super-homem.

E emproado. Sempre com o mais perfeito black-tie. Tem um dos filmes em que Sean Connery-Bond, James Bond sai de debaixo do mar, tira a roupa de mergulho – e por baixo da roupa de borracha estava trajando um mais que perfeito black-tie!

O Robin Hood que Sean Connery faz no filme de Richard Lester é, claro, um herói. Ué, é Robin Hood, cacete! É um herói, admirado, glorificado por montes de working people, cantado em canções que se espalharam pelo país, por muito mais que apenas a região da Floresta de Sherwood – mas não é auper-homem, não é sobre-humano, supernatural feito o espião empertigado, emproado, criado por Ian Fleming.

O Robin Hood de Robin e Marian é um homem cansado, exausto – e sujo, e nada elegante, em suas roupas medievais horrorosas e velhas, puídas, encardidas.

Fiquei imaginando, depois de rever Robin e Marian agora, para escrever sobre o filme para o 50 Anos, poucos dias depois da morte de Sir Sean Connery, aos 90 anos de idade, com que imenso prazer aquele escocês rebelde, tempestuoso, anti-Establishment, deve ter vestido aquelas roupas andrajosas, pavorosas de Robin Hood velho e cansado, depois de ter usado tantos ternos e black-ties perfeitos nos filmes de James Bond.

Essa coisa ficou de fato pipocando na minha cabeça, depois que revi o filme: parece de propósito, parece uma diabólica, safada, irônica, deliciosa decisão dos realizadores de botarem Sean Connery e Audrey Hepburn – dois dos atores mais elegantes da História do cinema – para usar aquelas roupas horrorosas nos papéis de Robin e Marian, ali na Floresta de Sherwood, na profunda Idade Média!

Depois de tanto Yves Saint Laurent, My Fair Lady foi acabar no Irajá, não, perdão, nos trapos da Floresta de Sherwood!

Será que Audrey e Connery, astros imensos, reunidos ali para fazer essa aventura de época, conversaram sobre essa coisa fantástica? Essa deliciosa brincadeira de eles, símbolos absolutos da elegância, estarem parecendo mendigos de fim de feira?

Diálogos maravilhosos nas vozes de Audrey e Connery

Quem escreveu esta bela história de amor foi James Goldman (1927-1998), americano de Chicago, que, parece, era um apaixonado pela História da Inglaterra medieval. Goldman escreveu a peça The Lion in Winter, que ele mesmo roteirizou para o filme de mesmo título lançado em 1968, dirigido por Anthony Harvey, sobre o rei Henrique II e seus três filhos – um deles, interpretado por Anthony Hopkins, Richard, que passaria para a história como Richard I ou Richard the Lionheart, Ricardo Coração de Leão.

E escreveu ainda uma novela, Myself as Witness, em que é personagem o irmão mais jovem de Richard, e que o sucedeu, John. John aparece em uma sequência de Robin e Marian, interpretado por Ian Holm.

Para Robin e Marian, James Goldman – que assina sozinho o roteiro – escreveu maravilhosos diálogos. Nas vozes de Audrey Hepburn e Sean Connery, as belas frases ficam ainda melhores.

Estão os dois à noite, sentados junto a uma árvore, na floresta de Sherwood.

Marian: – “Deixe eu ver você.”

Robin (abrindo a camisa) : – “Só uns inchaços e machucados”.

Marian se espanta com a quantidade de cicatrizes feias, toca gentilmente no peito dele: – “Tantas… Você tinha o corpo tão doce quando foi embora. Duro, e nenhuma marca. E você era meu. Quando você foi embora eu pensei que iria morrer. Até tentei. Caminhei pela floresta, me deitei num riacho e me cortei. Algum imbecil apareceu, me levou para a abadia. (E, depois de uma pausa: ) Chega de cicatrizes, Robin. Seria demais perder você duas vezes.”

Robin: – “Nunca beijei uma pessoa do clero antes. Seria pecado?

E Marian, com aquela absoluta elegância de Audrey Hepburn, retira o manto de freira da cabeça.

Quando o filme se aproxima do final, Marian faz uma absoluta profissão de fé no amor por Robin:

– “Eu amo você. Mais do que tudo o que você sabe. Eu amo você mais que as crianças. Mais que os campos que plantei com minhas mãos. Eu amo você mais que as preces da manhã ou a paz ou a comida. Eu amo você mais que a luz do sol, mas que a carne ou a alegria ou um dia a mais. Eu amo você mais que Deus.”

O filme não teve grande sucesso

Robin e Marian não teve o sucesso que eu acho que mereceria – nem de público, nem de crítica. Creio – é só um chute, uma teoria, uma conjetura – que isso aconteceu porque quem gosta de histórias de amor pode não ter gostado de ver tantas batalhas, tantas lutas, e quem gosta de filmes de batalhas e lutas pode não ter gostado de ver tanta história de amor.

Leonard Maltin deu 2.5 estrelas em 4: “Robin Hood de meia-idade volta à Floresta de Sherwood depois de anos no exílio, reacende o romance com Maid Marian e enfrenta o desafio final contra o arqui-inimigo xerife de Nottingham. Filme árido, não envolvente, tira toda a magia dos personagens amados. Roteiro ‘revisionista’ de James Goldman.”

Todo mundo tem direito à sua opinião, é claro, e é preciso respeitar as opiniões contrárias às da gente – mas fico com a impressão de Maltin não viu o mesmo filme que eu vi na época do lançamento e revi agora.

O livro The Columbia Story diz o seguinte:

“A idéia básica do roteiro de James Goldman para Robin and Marian era reunir os dois lendários amantes 20 anos depois de seu primeiro encontro. E assim Robin (Sean Connery), de volta à Floresta de Sherwood após uma longa Cruzada até a Terra Santa, tem uma barba grisalha, é menos ágil e menos motivado ao combate. Marian – Audrey Hepburn, em seu primeiro filme desde Wait Until Dark, da Warner Bros., 1967 – está visivelmente menos radiante, também, tendo tentado o suicídio depois que Robin a havia abandonado pelas Cruzadas. Dedicou-se à religião e agora é Madre Superiora. O caso de amor entre eles que é reacendido foi o elemento mais tocante numa trama que terminava com um confronto entre Robin e o xerife de Nottingham.”

Eis o que diz Pauline Kael:

“Sean Connery e Audrey Hepburn formam uma combinação inteligente, e seus olhos castanhos escuros estão cheios de vida, mas a abordagem revisionista das figuras lendárias resulta em uma série de atitudes banalizadas e poses extravagantes. Como o xerife de Notthingham, Robert Shaw faz discursos sobre a fixação de Robin Hood com a morte, e Marian (aqui a prima donna da crítica americana conta o final do filme, que eu omito). A linha entre o horror trágico e o faz-de-conta brincalhão fica manchada; o filme é tão sentencioso que fica difícil de aferir quando rir e quando ficar apavorado.”

Bem, não estou sozinho, no entanto, ao admirar o filme. Também o Guide des Films de Jean Tulard dá 3 estrelas a La Rose et la Flèche, o título que os distribuidores franceses acharam para o filme. (No que foram seguidos, mais uma vez, pelos portugueses: em Portugal, o filme é A Rosa e a Flecha.)

Diz o Guide:

“Um filme muito bonito sobre o fim de Robin des Bois. (Robin des Bois. Na França, Robin Hood é Robin des Bois; em Portugal, é Robin dos Bosques.) Tudo ali é justo, engraçado e melancólico. Sean Connery e Audrey Hepburn, rostos familiares mas envelhecidos, dão a seus personagens uma veracidade impressionante e Robert Shaw é um maravilhoso malvado. Um dos maiores êxitos de Lester.”

Que maravilha! Ainda bem que existe o Guide des Films de Jean Tulard.

Um diretor de belos êxitos nos anos 60

“Um dos maiores êxitos de Lester.”

Richard Lester, americano de Filadélfia, teve sua fase áurea nos frenéticos anos 60, quando fez vários filmes importantes na Inglaterra. Depois de Um Rato na Lua, de 1963, uma sátira escrachada sobre a Guerra Fria com a veterana Margaret Rutherford, Lester tornou-se mundialmente conhecido com o primeiro filme dos Beatles, A Hard Day’s Night (1964).

Antes do segundo imenso sucesso no cinema dos Beatles, Help!, de 1966, fez The Knack… And How to Get It, no Brasil A Bossa da Conquista, com a feiosa mais gracinha do cinema inglês, Rita Tushingham. The Knack teve seis indicações ao Bafta, o prêmio da Academia Britânica, duas ao Globo de Ouro – e deu a Lester a Palma de Ouro de melhor direção no Festival de Cannes.

Em 1967, rodou na Espanha a comédia Como Eu Ganhei a Guerra, em que John Lennon teve sua primeira e única experiência como ator interpretando um personagem fictício, e não a si mesmo. (Em 2013, o diretor espanhol David Trueba faria um filme lindo, sensível, sobre um professor de inglês beatlemaníaco que atravessa a Espanha para tentar falar com John Lennon, durante as filmagens de How I Won the War. O filme de Prueba usa no título um verso de John Lennon em “Strawberry Fields Forever’: Viver é Fácil com os Olhos Fechados.)

O IMDb faz uma interessante observação sobre os dois filmes que Lester dirigiu com os Beatles: o estilo frenético de montagem que o diretor usou em A Hard Day’s Night e Help! foi o predecessor do estilo dos vídeos musicais que viriam uma geração depois.

Richard Lester e Sean Connery voltariam a se encontrar três anos depois, em Cuba, um filme sobre o período imediatamente anterior a 1959, que mostra o país dominado por uma ditadura sangrenta e absolutamente corrupta – a de Fulgencio Batista –, que precisava desesperadamente de uma revolução para romper com tudo aquilo.

Como a jovem rainha nua, a estréia de uma novata

Antes de encerrar, um registro sobre o elenco e uma curiosidade fantástica.

Volta e meia digo aqui que, de alguma forma, Deus – ou o destino – dá uma grande ajuda na escolha final do elenco dos filmes.

Os produtores de Robin e Marian queriam inicialmente que o grande Albert Finney fizesse o papel de John, e Sean Connery o de seu companheiro fiel de todos os momentos, Little John.

Pensaram também em Paul Newman para o papel de Robin.

Felizmente, com uma ajudinha dos céus, Robin ficou a cargo de Sean Connery. Little John é interpretado por Nicol Williamson – e ele está excelente.

Audrey Hepburn, como já foi dito acima, estava afastada do cinema desde Um Clarão nas Trevas/Wait Until Dark, um belo thriller de 1967, dirigido por Terence Young – por absoluta coincidência, o realizador dos primeiros filmes de James Bond com Sean Connery – O Satânico Dr. No (1962), Moscou Contra 007 (1963), e mais 007 Contra a Chantagem Atômica (1965).

Audrey se afastou do cinema para cuidar de si, da família, da vida. No final de 1968 saiu seu divórcio do ator Mel Ferrer, com quem tinha tido um filho em 1960. Em 1969, casou-se pela segunda vez, com um médico, Andrea Dotti, e no ano seguinte teve dele um segundo filho, Luca.

Durante os nove anos longe das câmaras, recebeu diversas ofertas de papéis importantes, mas recusou todas. Teria sido por insistência de seus filhos, que queriam ver a mãe trabalhando ao lado de James Bond, que ela aceitou fazer o papel de Marian.

Deus deu outra ajudinha.

E, finalmente, uma curiosidade deliciosa.

Depois que o filme passa da metade, há uma sequência em que aparece o rei John, o que havia sucedido no trono o irmão Richard após sua morte. John, interpretado por um então jovem Ian Holm, está no alto de um promontório diante do mar, em um acampamento de campanha, com parte de seu exército. A câmara o mostra sentado em um trono, à frente da porta de sua barraca, evidentemente a maior do acampamento.

Ali ele recebe pessoas e dá despachos. Nós o vemos dando ordens para que um emissário vá até o papa e diga a ele que, se seu arcebispo pisar na Inglaterra, terá a cabeça decepada.

Chega para ver sua majestade Sir Ranulf de Pudsey (Kenneth Haigh), que vem pedir ao rei um destacamento de soldados para enfrentar Robin Hood na Floresta de Sherwood.

Depois que sai o emissário encarregado de ir ao papa, e antes que Sir Ranulf chegue até o rei, nós o vemos sentado no trono olhando para o infinito. E aí uma garotinha, uma adolescente, pouco mais que uma criança, sai da tenda real peladinha, apenas se cobrindo com um cobertor, e pergunta se ele não vai entrar para ficar com ela. – “Já limpei tudo. Quer ver?”, ela pergunta, com um jeito de quem vai abrir os braços que seguram o cobertor e mostrar como ela já havia lavado tudo para ele.

O rei John, sem jeito, diz para ela que toda a corte está ali, olhando para eles, e pede para ela voltar para a tenda.

A cena toda dura coisa de um minuto.

A garotinha que faz a rainha Isabella chamava-se Victoria Merida Roja, tinha 17 aninhos, e aquilo ali foi sua primeira aparição no cinema.

Não se passaram sequer 15 anos, e ela já era uma das atrizes mais conhecidas da Europa, estrelando filmes importantes e de grande sucesso como Ata-me (1989), de Pedro Almodóvar.

Victoria Merida Roja não demorou nada a adotar o nome artístico de Victoria Abril.

Anotação em novembro de 2020

Robin e Marian/Robin and Marian

De Richard Lester, Inglaterra, 1976

Com Sean Connery (Robin Hood),

Audrey Hepburn (Maid Marian),

Nicol Williamson (Little John), Robert Shaw (o xerife de Nottingham), Richard Harris (Richard the Lionheart), Denholm Elliott (Will Scarlett), Kenneth Haigh (Sir Ranulf de Pudsey), Ronnie Barker (frei Tuck), Ian Holm (rei John), Bill Maynard (Mercadier), Edmond Knight (o velho da sequência inicial), Veronica Quilligan (irmã Mary), Peter Butterworth (cirurgião), John Barrett (Jack), Kenneth Cranham (o aprendiz de Jack), Victoria Abril, como Victoria Merida Roja (rainha Isabella), Montserrat Julio (irmã), Victoria Hernandez-Sanguino (irmã), Margarita Minguillon (irmã)

Argumento e roteiro James Goldman

Fotografia David Watkin

Música John Barry

Montagem John Victor Smith

Maquilagem Jose Antonio Sanchez

Figurinos Yvonne Blake

Produção Denis O’Dell, Rastar Pictures, Columbia Pictures. DVD Columbia

Cor, 112 min (1h52)

Disponível em DVD.

R, ***

Título na França: La Rose et la Flèche. Em Portugal: A Rosa e a Flecha.

 

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