Estrelas de Cinema Nunca Morrem / Film Stars Don’t Die in Liverpool

Nota: ★★★½

Quando, em 1979, o jovem ator iniciante Peter conheceu Gloria Grahame, numa casa londrina em que a proprietária alugava quartos, não tinha qualquer noção de quem ela era. É até difícil acreditar nisso – mas é o que mostra o filme baseado no livro de memórias dele. E é, de alguma maneira, a chave para se compreender o relacionamento entre os dois.

A landlady, a dona da casa, vê quando Peter pára no corredor diante um dos cômodos da casa e lá dentro há uma mulher dançando e fazendo exercícios vocais – bonita, atraente, uns 50 e tantos anos. A landlady diz para o rapaz, que obviamente já vivia ali há algum tempinho, que a nova inquilina é uma atriz. “Famosa, até – ou era. Fazia sempre a biscate. Fez sucesso nos filmes preto-e-brancos, mas não tanto nos coloridos.”

Meu Deus, que frase! “Fez sucesso nos filmes preto-e-brancos, mas não tanto nos coloridos.” Billy Wilder seguramente poria esta frase em Crepúsculo dos Deuses/Sunset Boulevard, se tivesse realizado sua obra-prima ali por 1980, e não em 1950, quando a imensa maioria dos filmes de Hollywood era em preto-e-branco.

Peter pergunta à dona da casa como a atriz se chama, e, diante do nome Gloria Grahame, diz: – “Nunca ouvi falar”.

Protestei contra o que mostrava, ali no seu comecinho, o filme – Film Stars Don’t Die in Liverpool no original, Estrelas de Cinema Nunca Morrem no título brasileiro, produção inglesa de 2017. Falei com a Mary: como é possível que em 1979 Peter, ele mesmo um ator, nunca tivesse ouvido falar em Gloria Grahame? Como é possível que, não conhecendo, não tivesse feito uma pesquisa sobre ela?

OK, os jovens acham que o mundo começou quando eles nasceram – embora Peter já não fosse um adolescente, e estivesse ali com 28 anos. OK, não havia Google; OK, ele trabalhava pra cacete para se manter, não tinha tempo de ir a uma biblioteca.

Mesmo assim é estranho que um jovem inglês, em 1979, jamais tivesse ouvido falar em Gloria Grahame.

Mas assim é a vida, que é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida, como dizia Vinicius e como a história de Gloria e Peter mais uma vez comprova, e então os dois – o jovem inglês de 28 anos aspirante a ator e a americana de 50 e tantos anos e dezenas de filmes como protagonista – vão ficando próximos. Ela o convida para dançar no quarto dela, ensaiar uma dança. Saem juntos, vão a um pub – e aí o sujeito atrás do balcão, um senhor mais velho, pergunta para ele, num momento em que ela vai ao banheiro: – “Ei, mas ela não é a Gloria Grahame?”

Gloria encontrou conforto na família de Peter

Estrelas de Cinema Nunca Morrem/Film Stars Don’t Die in Liverpool, o filme que conta a história real dos três últimos anos da vida de Gloria Grahame e sua relação com o jovem Peter Turner, é extremamente belo, rico, sensível – e danado de triste. Triste a não mais poder. Uma beleza de filme, uma imensa tristeza.

Fala dessa coisa estranha que é uma pessoa ser uma estrela, uma figura famosa, de imensa projeção, e em algum momento perder a fama, a glória. E dessa coisa mais maluca, doida, desvairada ainda que é uma estrela de Hollywood, ou ex-estrela, vá lá, de repente estar na casa de uma família simples, working class, de uma cidade inglesa.

De uma certa forma, maluca, doida, desvairada, Film Stars Don’t Die in Liverpool é uma versão dramática, tristíssima, da alegre fantasia imaginada em Um Lugar Chamado Notting Hill (1999), em que um inglês absolutamente comum, dono de uma livraria, fica conhecendo a atriz mais famosa de Hollywood.

Seguramente a imensa maior parte das pessoas que viram a comedinha romântica com Hugh Grant e Julia Roberts ficou pensando: uau, mas que sujeito de sorte! De repente cai sobre ele aquela Julia Roberts toda!

Na história real de Peter Turner e Gloria Grahame, a sorte foi também dela. O jovem inglês não se apaixonou por uma grande atriz de Hollywood, e sim por uma senhora solitária, distante de casa, distante de todos os conhecidos – e que, como logo se revelaria, estava muito doente.

Peter e a família dele foram uma bênção para os últimas anos de vida dela.

Gloria é interpretada por Annette Bening, essa atriz maravilhosa – que teve aqui uma das melhores interpretações de sua carreira. Jamie Bell, o ator que, aos 14 aninhos, fez o papel título do extraordinário Billy Elliot (2000) interpreta Peter.

Duas atrizes inglesas de primeiríssimo time interpretam as mães da estrela e do rapaz. Julie Walters faz Bella, a dona de casa da classe média média, working class, de Liverpool que recebe a estrela americana em sua casa e cuida dela como se fosse sua própria filha. E Vanessa Redgrave, aquele patrimônio da humanidade, faz Jeanne McDougall, a atriz inglesa que usava o nome artístico de Jean Grahame, casou-se com um arquiteto americano e teve duas filhas que trabalhariam no cinema, Gloria e Joy (no filme, feita por Frances Barber).

Bella, a mãe de Peter, aparece muito ao longo dos 105 minutos do filme. Jean, a mãe de Gloria, é vista apenas em uma longa sequência, durante uma passagem do casal por Los Angeles.

“A ícone ideal do filme noir”

“Gloria Grahame raramente interpretou uma mulher boa”, sentencia o livro 501 Movie Stars, editado por Steven Jay Schneider. Logo abaixo de seu nome e das datas de nascimento (1923) e morte (1981, aos 57 anos, o livro especifica assim as principais características da atriz:

“Beldade loura e sexy, voz rouca; sedutora voluptuosa; experiente no palco; interpretou mulheres más”;

Filha de um arquiteto e uma atriz e professora de arte dramática, nascida em Pasadena, na Califórnia, como Gloria Hallward, ela abandonou a escola secundária para atravessar o país e tentar a sorte no teatro, na Broadway – onde em 1944 foi vista por Louis B. Mayer, que a levou de volta à Califórnia com um contrato com a MGM. Ficou pouco tempo lá, no entanto, e logo passou para a RKO Pictures, em 1947, onde teve uma breve carreira como uma estrela sedutora em uma série de filmes noir.

“A ícone ideal do filme noir”. Essa definição, tão sintético e perfeita quanto aquela de 501 Movie Stars – “raramente interpretou uma mulher boa” – é do ótimo livro The International Dictionary of Films and Filmakers – Actors & Actresses, editado por James Vinson. O texto do livro sobre a atriz, assinado por Jeff Stafford, é de babar, e a vontade é de transcrever todo o longo verbete.

“Nenhuma atriz americana resume tão perfeitamente o estereótipo hollywoodiano da mulher má quanto Gloria Grahame. Com seus lábios carnudos, olhos convidativos e presença física sedutora, ela interpretou cada variação da mulher caída: a esposa infiel, a vagabunda do bar, a prostituta próxima de criminosos, a femme fatale. Foram a inteligência e a profundidade da caracterização que Grahame levava para cada uma desses aparentes papéis clichês que a permitiram transcender o estereótipo sexual de uma única dimensão.

Crossfire (de 1947, no Brasil Rancor) foi o primeiro de muitos thrillers do pós-guerra que estabeleceram Grahame como a ícone ideal do filme noir. Como Ginny, a patética recepcionista de um café que vive num mundo noturno e de encontros casuais, Grahame personificava a desilusão e o cinismo inerentes ao gênero noir. Versões mais decadentes e sexualmente agressivas de Ginny iriam aparecer mais tarde em melodramas sombrios como Sudden Fear, Human Desire e Odds Against Tomorrow.

“Em Sudden Fear (de 1952, no Brasil Precipícios d’Alma), ela incita o personagem de Jack Palance a entrar num esquema assassino e ao mesmo tempo pede que ele a aperte forte enquanto se beijam. Em Human Desire (de 1954, de Fritz Lang, no Brasil Desejo Humano), ela provoca seu marido traído com detalhes sórdidos de suas conquistas sexuais até que ele explode com ódio assassino. Em Odds Against Tomorrow (de 1959, de Robert Wise, no Brasil Homens em Fúria), como um prelúdio para o sexo com o personagem de Robert Ryan, ela implora a ele para descrever como é matar alguém. Nesses filmes, sua sexualidade é usada como uma influência corruptora e acentua o tom de fatalismo.”

No Brasil, desperdiçou-se um belo título

O texto sobre a carreira de Gloria Grahame no livro Actors & Actresses é longo, mas acho que é importante que eu transcreva mais um pouco dele.

“Possivelmente seus melhores trabalhos no ciclo de filmes noir estão em The Big Heat de Fritz Lang e em In a Lonely Place, de Nicholas Ray”, prossegue o texto. The Big Heat, de 1953, no Brasil é Os Corruptos; In a Lonely Place, de 1950, no Brasil é No Silêncio da Noite.

“No filme de Lang, Grahame dá uma interpretação inesquecível como uma prostituta esperta que é desfigurada por seu namorado bandido por ter se aproximado de um policial. Sua transformação de uma vaidosa call girl na informante marcada com a terrível cicatriz é tornada ainda mais emocionante pela compreensão que ela tem de que nunca será totalmente aceita em nenhum grupo social. Sua única salvação é a morte, completando assim a transformação de puta em mártir e confirmando mais uma vez o dito da Hollywood dos anos 50 de que a única estrada para a respeitabilidade para uma fora-da-lei sexual é o oblívio.

“Parecido com The Big Heat em sua atmosfera áspera, desprezível, In a Lonely Place também representa um universo frio e hostil em que a bondade básica nos personagens centrais é muitas vezes negada pelos seus impulsos destrutivos. Grahame dá uma performance brilhante, alternando entre a saudade apaixonada e a paranóia, como uma mulher reservada, sem ilusões românticas, que se vê próxima de um homem que pode ser um assassino (Humphrey Bogart). A tensão sexual insuportável que cresce entre Grahame e Bogart à medida em que seu romance se desmorona num pesadelo de desconfiança e futilidade é muito bem usada pelo diretor Ray, então seu marido.”

Em Estrelas de Cinema Nunca Morrem, não se fala muito da carreira de Gloria Grahame – nem, a rigor, de sua vida pessoal no passado, antes de ficar conhecendo o jovem Peter Turner em Londres, em 1978. A narrativa se concentra no período em que Peter e Gloria conviveram – o curto período entre 1978 e 1981, os três últimos anos da vida dela. O que é natural, já que se trata, como já foi dito, da adaptação para o cinema do livro que Peter Turner escreveu sobre seu relacionamento com a atriz, ao qual deu esse belo título que o filme reproduziu, Film Stars Don’t Die in Liverpool.

(Belo título que os distribuidores brasileiros desperdiçaram. Por que raios não fazer a tradução literal, Estrelas de Cinema não Morrem em Liverpool, meu Deus? Em Portugal é As Estrelas Não Morrem em Liverpool, na Espanha, Las estrellas de cine no mueren en Liverpool. Por que raios os distribuidores brasileiros têm que ser criativos, originais?)

A dona da casa em que Peter e Gloria se conhecem fala aquela frase marcante, triste – “ela fez sucesso nos filmes preto-e-brancos; nos coloridos, não”. No bar, o garçom se refere a ela como uma grande estrela.

Em algum momento, alguém diz que ela ganhou um Oscar.

Um pouco antes da metade do filme, há uma belíssima sequência em que o pai de Peter, Joe Turner (Kenneth Cranham) convida o filho para beber uma com ele, e os dois vão a um pub perto da casa da família – o diretor Paul McGuigan aproveita para mostrar, em tomadas gerais, as ruas do bairro em que a família vive, aqueles típicos sobrados da working class inglesa, provavelmente bem parecidos com aqueles em que foram criados os quatro rapazes que duas décadas antes haviam formado uma banda de rock ali em Liverpool.

Pai e filho vão então beber uns pints – e Joe conta para o filho que ele e a mulher viram vários dos filmes de Gloria Grahame, nos anos 50. Diz que era uma grande atriz. Ela – a mulher que naquele momento estava na casa da família, a maior parte do tempo na cama. No início da narrativa, depois de desmaiar no camarim, na hora de uma apresentação em um teatro na cidade de Lancaster, já em 1981, Gloria havia ligado para Peter, pedido a ajuda dele. Peter havia ido se encontrar com ela, e Gloria havia pedido para que ele a levasse para a casa da família dele: – “Bella vai cuidar de mim”, disse ela. “Eu vou melhorar.”

A irmã de Gloria demonstra imensa inveja dela

Num dado momento, antes dessa época em que Gloria doente pede para ficar na casa de família de Peter, para que Bella cuidasse dela, o casal vai a um cinema em que está passando de novo um dos antigos filmes com a estrela, Naked Alibi. Vemos os dois no cinema, e vemos também um trechinho do filme que está passando na tela. Naked Alibi é de 1954, e no Brasil teve o título de Fúria Assassina.

Há um diálogo entre os dois namorados em que Gloria conta para Peter que teve quatro maridos e quatro filhos – mas não dá detalhe algum.

O momento em que mais se fala da vida de Gloria é a sequência em que o casal visita Los Angeles, em 1979, e que acontece lá pela metade do filme. Gloria o leva para a casa que mantinha diante do mar – uma casa ampla, mas nada grandiosa, nada como aquelas mansões de astros e estrelas de Hollywood. E lá ela recebe para jantar a mãe, Jean, e a irmã, Joy (interpretadas, como já foi dito bem acima, por Vanessa Redgrave e Francis Barber).

Jean é uma senhora simpática, alegre. Recita Shakespeare para Peter ouvir. Diz que Gloria é uma grande atriz, que poderia perfeitamente ter sido tão famosa quanto aquela outra que surgiu nos anos 50, uma loura – ela não diz o nome de Marilyn Monroe.

Joy, a irmã, fica quieta por um bom tempo – até que, de uma forma grosseira, pergunta a idade de Peter. É evidente que ela quer realçar a grande diferença de idade entre eles: em 1979, Gloria Grahame estava com 56. Vinte e oito, ele responde. Joy diz que é praticamene a idade de Tim, o filho mais velho de Gloria – e em seguida joga na mesa o fato de que Gloria se casou com o filho de um de seus maridos, Nicholas Ray.

É um momento de grande tensão. Fica muito claro que Joy morre de inveja da irmã, do sucesso que a irmã teve.

Gloria diz que Anthony Ray era um homem feito, adulto, quando os dois se casaram. Ao que Joy ataca: – “É, mas e quando vocês transaram pela primeira vez?”

Aí já é demais. Gloria pede que a mãe leve embora aquela pessoa desagradável.

No final do filme, depois daqueles letreiros usuais nas obras que retratam fatos reais, que resumem para o espectador alguns fatos ocorridos após os eventos mostrados na narrativa, vemos o trecho da cerimônia de entrega do Oscar de 1952 em que são anunciadas as cinco indicadas ao prêmio de melhor atriz coadjuvante. Eram elas Colette Marchand, por Moulin Rouge, Terry Moore, por A Cruz da Minha Vida, Thelma Ritter, por Meu Coração Canta, Jean Hagen, por Cantando na Chuva, e Gloria Grahame, por Assim Estava Escrito/The Bad and the Beautiful, de Vincente Minnelli. É anunciado o nome de Gloria, ela sobe ao palco do Pantages Theatre, pega a estatueta e faz o que provavelmente é um dos menores discursos de agradecimento da história da Academia: – “Thank you!” – e se retira.

Essas são todas as informações que o filme dá sobre a carreira e a vida da atriz antes do momento em que ela fica conhecendo Peter Turner – além de algumas sobre o câncer que havia voltado, dadas numa sequência em que a vemos consultando um médico em Nova York.

Vai e volta no tempo. E tem fogos de artifício

Assim como o grande crítico Roger Ebert, em geral prefiro os filmes que contam as histórias na ordem cronológica dos fatos. Costumo achar cansativas, enfadonhas, as narrativas que vão para o passado e voltam para o presente, vão e voltam, vão e voltam, como bolas de tênis, de pingue-pongue.

O roteiro escrito por Matt Greenhalgh com base no livro autobiográfico de Peter Turner é um daqueles que derrubam, jogam fora a tese de que o melhor é uma história contada na ordem cronológica.

Ao longo dos 105 minutos de Film Stars Don’t Die in Liverpool, a ação vai e volta no tempo. Mas, definitivamente, não de forma exagerada. E alguns letreiros facilitam a vida do espectador dando o quando e o onde. Assim, vemos no início a informação “Liverpool, Inglaterra, 1981”. Em seguida, na sequência em que Peter e Gloria se conhecem, um letreiro informa “Primrose Hill, Londres, 1979”. Mais tarde há “LAX, California, 1979”. E ainda “Nova York, 1981”.

O roteiro de Matt Greenhalgh mexe com o tempo com uma habilidade de babar. As idas e vindas – que, repito, não são tantas assim – conseguem tornar ainda mais atraente, mais fascinante a história do encontro daquelas duas pessoas.

E, em algumas das passagens de uma época para outra, o roteiro de Matt Greenhalgh e a direção de Paul McGuigan criam impressionantes momentos de cinema – momentos mágicos, abençoadamente belos. A primeira delas, quando o filme está apenas aí com uns 10 minutos, é de aplaudir de pé como na ópera.

O filme abre com Gloria Grahame-Annette Bening no camarim de um teatro, sozinha, se maquiando, se preparando para entrar em cena, fazendo exercícios vocais. Uma rápida tomada de um programa nos informa que a peça que ela está representando é The Glass Managerie, de Tennessee Williams, no Brasil À Margem da Vida. Os créditos iniciais vão rolando sobre as imagens da atriz se preparando. Ela põe para tocar em um pequeno gravadorzinho uma fita cassete – e ouvimos “Song for Guy”, a canção instrumental de Elton John que fecha seu álbum de 1978, A Single Man.

A atriz termina de se aprontar, faz os últimos exercícios com a voz, levanta-se, dá um ou dois passos – e cai no chão.

Corta, e vemos um rapaz caminhando numa rua à noite – e aí surge o letreiro que informa “Liverpool, Inglaterra, 1981”.

Tudo parecia indicar que tinha havido aí um corte no tempo. Que a queda da atriz no seu camarim, pouco antes da hora prevista para ela entrar em cena, havia sido nos dias de hoje, quer dizer, nos dias em que se passa a parte da ação na atualidade. E então tinha começado um flashback, para nos contar, agora em ordem cronológica, como as coisas vieram parar naquele ponto – o que chamo de narrativa-laço.

A primeira surpresa da forma com que a história é narrada vem ai: não houve volta ao passado, o rapaz que caminha nas ruas à noite indo para casa não é um flashback. O rapaz, veremos, é Peter Turner, ator iniciante. Na sua casa, a casa de família, está havendo naquele momento uma discussão. Sua mãe, Bella (Julie Walters, como já foi dito), está reclamando porque acabou de ficar sabendo que, na volta da Austrália – onde ela e o marido vão visitar o filho Billy – terá que passar 24 horas numa escala em Manila. Estão ali falando sobre isso na cozinha da casa Bella, o marido Joe (Kenneth Craham), o filho que também é Joe (Stephen Graham) e a namorada dele, quando Peter chega.

Alguns minutos depois, toca o telefone, Joe Jr. sai para atender e volta para a cozinha dizendo para o irmão que é um diretor de teatro de Lancaster, quer falar com ele: – “É sobre a sua Gloria”.

Corta e na sequência seguinte Peter está chegando ao hotel em Lancaster onde está Gloria. O rapaz reclama com ela: – “Você está a 100 quilômetros de mim e não me avisou, não me falou nada”. Gloria pede que ele não dê bronca nela, Peter fala que ela deveria procurar um médico, ir para um hospital. Com voz fraca, Gloria diz: – “Não quero voltar para o hospital. Só quero ver sua mãe. Você pode me levar para sua casa, Peter? Bella pode cuidar de mim. Você pode me levar para Liverpool. Lá eu posso ficar melhor.”

Na sequência seguinte, Peter e Gloria estão chegando à casa dele, sendo recebidos pelo pai e pela mãe dele, sendo colocada na cama do casal. Ela se enfia embaixo do cobertor, se aninha na cama, diz que são só gases, que vai melhorar – e pede que ele traga um leite.

Peter sai do quarto – e, na mesma tomada, sai do quarto dos pais em que Gloria está deitada, doente, em 1981, e entra no corredor da casa em que morava no bairro de Plimrose Hill, em Londres, em 1979, no momento em que pela primeira vez viu a mulher que iria amar profundamente.

Um momento de magia cinematográfica. Um belo espoucar de fogos de artifício.

Costumo ser contra filmes que exageram nos fogos de artifício, nas invencionices, no criativol, assim como não gosto muito de filmes que vão e vêm no tempo. Film Stars Don’t Die in Liverpool vai e vem no tempo, entre 1979 e 1981, e tem alguns fogos de artifício como esse que descrevi. É um filme belo demais, e, diante de tanta beleza, melhor a gente jogar fora as idiossincrasias.

Anotação em outubro de 2019

Estrelas de Cinema Nunca Morrem/Film Stars Don’t Die in Liverpool

De Paul McGuigan, Inglaterra, 2017

Com Annette Bening (Gloria Grahame), Jamie Bell (Peter Turner)

e Julie Walters (Bella, a mãe de Peter), Kenneth Cranham (Joe, o pai de Peter), Stephen Graham (Joe Jr., o irmão de Peter), Jodie McNee (Jessie), Joanna Brookes (Didi), Pete Lee-Wilson (Barman), Jay Villiers (Georgie), Marina Bye (relações públicas), Pandora Colin (cirurgião), Frances Barber (Joy, a irmã de Gloria)

e, em participação especial, Vanessa Redgrave (Jean, a mãe de Gloria)

Roteiro Matt Greenhalgh

Baseado no livro Film Stars Don’t Die in Liverpool, de Peter Turner

Fotografia Urszula Pontikos

Música J. Ralph

Montagem Nick Emerson

Casting Debbie McWilliams

Produção Barbara Brpoccoli, Eon Productions, Synchronistic Pictures.

Cor, 105 min (1h45)

***1/2

Título em Portugal: As Estrelas Não Morrem em Liverpool. Na Espanha: Las Estrellas de Cine no Mueren en Liverpool.

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