12 Horas / Gone

Nota: ★★½☆

12 Horas, no original Gone, thriller do cinemão americano, de 2012, parte de uma premissa interessante. Quando sua irmã desaparece, uma jovem tem a certeza de que ela foi levada por seu sequestrador – o mesmo homem que, um ano antes, a havia mantido presa num buraco no meio de uma floresta.

A questão – e esta é a bela sacada da história – é que os policiais simplesmente não acreditam em nada do que diz a moça, Jill (o papel de Amanda Seyfried, com aqueles imensos olhões claros). Porque, um ano antes, quando Jill foi encontrada na floresta toda suja, à beira da morte por hipotermia, com hematomas, e contou ter sido sequestrada, a polícia fez uma cuidadosa procura pelo lugar, e não encontrou absolutamente nada, nenhum sinal de sequestrador. E então os policiais ficaram absolutamente convencidos de que tudo não passou de uma alucinação da moça – que, depois de resgatada na floresta, foi internada num instituição para doentes mentais, e lá passou um bom tempo.

Esse é o ponto de partida da trama – e é sem dúvida interessante. É uma criação de Allison Burnett, autor da história e do roteiro.

Para mim, para nós, brasileiros, Gone tem uma atração especial: foi dirigido pelo pernambucano Heitor Dhalia, o realizador de Nina (2004), O Cheiro do Ralo (2006), À Deriva (2009), Serra Pelada (2013).

É muito bom um realizador brasileiro ser chamado por produtores do cinemão comercial americano para trabalhar em Hollywood. Sem dúvida alguma, é muito bom. Confesso que não sabia que Dhalia tinha conseguido esse tento. Veio juntar-se a uma lista ilustríssima que tem Hector Babenco, Bruno Barreto, Walter Salles, Fernando Meirelles, José Padilha.

Saiu-se bem Heitor Dhalia. 12 Horas/Gone não chega a ser um grande filme, mas é um thriller interessante, que funciona, prende a atenção do espectador.

Jill tenta descobrir o lugar em que ficou presa

O filme abre com a protagonista da história, essa Jill interpretada por Amanda Seyfried, andando numa densa, bela, mas também um pouco assustadora floresta. Vão rolando os créditos iniciais, com calma, enquanto a jovem vai caminhando no meio da mata. Há ali um belo riacho de águas claras – e depois de algum tempo a moça se senta a uma mesa rústica dentro ainda da floresta, certamente usada para famílias fazerem piquenique.

Ela tira de sua mochila um grande mapa daquele lugar – é visível o nome “Florest Park” –, e passa uma caneta vermelha em um trecho dele. A câmara mostra que outros trechos do parque já foram percorridos pela moça, e foram igualmente marcados em caneta vermelha.

Chega a seu carro, estacionado perto de uma bela estrada estrada, e dirige, enquanto vemos agora tomadas aéreas, maravilhosas, da estrada que corta a floresta, o carro passando por ela solitário, sem qualquer outro por ali.

Quando surge o último letreiro dos créditos iniciais, o que diz “directed by Heitor Dhalia”, a tomada aérea é esplendorosa – mostra a floresta, em primeiro plano, e, lá ao longe, uma cidade. O espectador ficará sabendo que é Portland, Oregon – o nome de Portland vai aparecer muitas, muitas vezes ao longo dos 94 minutos do filme.

A moça toma banho – e, quando sai, a câmara focaliza em close a parte do alto da cortina do boxe, a mão da moça abrindo a cortina. É uma homenagem de Heitor Dhalia à famosérrima cena do chuveiro de Psicose.

A irmã dela, Molly (o papel de Emily Wickersham, atriz jovem e bem bonita), está estudando – veremos que terá uma prova ao meio-dia do dia seguinte. Jill tenta puxar papo, Molly diz que só depois da prova. Mas em seguida olha para a irmã e diz: – “Você foi ao parque, não foi? Não é para você ir ao parque.” Jill responde algo como “não consigo me impedir”, e Molly retruca: – “E se eu viesse bêbada para casa?”

No meio do diálogo, surge um flashback, o primeiro de muitos. É uma tomada bem rápida, rapidíssima: um homem está tapando a boca de Jill com uma grossa fita isolante.

Os primeiros minutos de filme já deixam claro que Jill vai constantemente ao Forest Park, esquadrinha trecho por trecho dele. Não vai demorar para sabermos que ela foi sequestrada e levada para lá, para um grande buraco existente lá – e portanto as idas dela ao parque são para ela tentar encontrar o lugar exato onde ficou em cativeiro. E fica claro também que Molly, agora uma estudante dedicada, já teve problema sério com bebida, apesar de tão nova.

(Não se mencionam as idades das duas irmãs, mas o fato é que elas são muito, muito jovens. Para se ter uma idéia, Amanda Seyfried, de 1985, estava com 27 em 2012, o ano de lançamento do filme. Emily Wickershamm, de 1984, estava com 28.)

A irmã desaparece, e Jill sabe que ela foi sequestrada

É início da noite, e Jill sai de casa. Percebe que não pode sair – o carro da irmã está parado atrás do seu. Ela volta para casa, diz que Molly precisa tirar o carro dela, e Molly, rapidamente, joga para a irmã a chave do seu carro.

Corta, e Jill está numa academia de artes marciais. Seu sparring a derruba no chão. Jill consegue se desvencilhar dele, fica por cima e o esmurra ferozmente. Um instrutor corre para separar os dois.

Assim, na terceira sequência do filme, já ficamos sabendo que Jill é dada a explosões irracionais de violência. Típico de quem sofre de problemas pós-trauma sérios.

Depois da academia, a moça vai para o trabalho. Trabalha no turno da noite de uma lanchonete, só sai no final da madrugada. Na lanchonete, ela tem uma amiga, talvez sua única amiga – uma colega de trabalho chamada Sharon (o papel de Jennifer Carpenter).

Quando Jill chega em casa, de manhãzinha, mal terminada a madrugada, Molly não está.

Jill percorre todos os lugares da casa, examina a mesa em que a irmã estudava – os livros estão todos lá –, examina as roupas da irmã – ela não havia tirado o pijama que vestia quando Jill saiu de casa no início da noite.

Vai à delegacia de polícia – e logo fica óbvio que todos ali a conhecem muito bem. Faz-se uma reunião: o tenente Ray (Michael Paré), a patente mais alta do grupo, o detetive Powers (Daniel Sunjata), o que tinha sido encarregado do caso um ano antes, quando Jill foi encontrada na floresta, mais a policial Erica (Katherine Moennig), mais um policial novato, Peter Hood (Wes Bentley). Todos ouvem o relato de Jill – mas ninguém, a não ser o novato, acreditam em coisa alguma do que ela fala.

Depois que Jill sai da delegacia cuspindo fogo e dizendo que eles serão responsáveis pela morte de Molly, vemos um diálogo entre o detetive Powers e o novato Peter Hood. O veterano conta para o novato – e para o espectador, é claro – como foi a história de um ano atrás. Como a polícia percorreu o Forest Park e não achou nenhuma evidência que pudesse comprovar o relato de Jill. Como a moça foi internada para tratamento psiquiátrico.

O autor e roteirtista Allison Burnett fez um belo trabalho nesse início de filme: com uns 10, 12 minutos, todas as bases da trama foram muito bem apresentadas para o espectador.

A partir daí, Jill vai sair em busca do homem que a sequestrou um ano atrás e agora sequestrou sua irmã. A polícia ficará sabendo de suas primeiras andanças, com um revólver na mão – e começará uma busca pela moça desequilibrada mentalmente que está andando pela cidade armada e poderá fazer mal aos outros ou a si mesma.

Haverá… Diacho, é um thriller do cinemão americano, não tem jeito. Mesmo que dirigido por um brasileiro, escrito com talento, não tem jeito: haverá perseguições de carro.

Será que há estudos de psiquiatras procurando compreender por que as platéias americanas têm essa fixação por perseguições de carro?

Só uma atriz muito famosa no elenco

Antes mesmo de procurar informações sobre o filme, gostaria de fazer três observações.

* São interessantes o trabalho do pessoal do casting e a decisão dos produtores de ter apenas uma atriz de grande fama no filme. Afora Amanda Seyfried, não há astro algum no elenco deste 12 Horas/Gone. A única pessoa do elenco que eu conhecia além da atriz principal é Jennifer Carpenter (na foto abaixo), que fez Debbie, a irmã de Dexter na série sobre o policial serial killer.

Jennifer Carpenter é uma atriz interessante. Creio que tem menos bons papéis do que mereceria.

* Meu lado idiota da objetividade – o gosto por coisas lógicas, que tenham explicação racional – se incomodou com a situação sócio-econômica das irmãs Jill e Molly. Eis aí duas moças na faixa dos 20 e tantos anos, uma que estuda, uma que trabalha como garçonete – e, diacho, como elas são bem de vida! Cada uma tem seu carro, e são belos carros; moram numa casa bastante ampla, confortável, em bairro bom. E, quando sai à procura do sequestrador da irmã, Jill pega um maço grande de notas para as despesas que aparecerem.

Meio esquisito – para dizer o mínimo.

Tá, os pais das moças podem ter deixado a casa e uma boa herança para elas. Podem. É. Então tá.

* Uma floresta densa, bela, imensa – e um tanto apavorante. Interessante como esse elemento tem estado presente em thrillers desta segunda década do século XXI. Me lembrei de La Trêve, a série belga de 2016, em que uma floresta, um grande bosque, tem importância fundamental na trama. E, claro, de O Bosque/La Forêt, a série francesa de 2017 que tem floresta no próprio título original.

Dhalia diz que todas as decisões são dos produtores

12 Horas/Gone foi o quarto longa-metragem que Dhalia dirigiu, depois de Nina (2004), O Cheiro do Ralo (2006) e À Deriva (2009) – este último apresentado na mostra Un Certain Regard, no Festival de Cannes. E foi o primeiro que o pernambucano apenas dirigiu, sem ter participado da criação do roteiro.

Eis trechos de uma entrevista de Dhalia à repórter Mayra Dias Gomes, da Rolling Stone brasileira, sobre sua experiência de trabalhar em Hollywood:

* “Foi uma experiência interessante. Você tem que tentar tornar seu o material que você recebeu pronto. Achar um ângulo pessoal de alguma maneira. Fiz um filme de estúdio, com uma visão muita clara, por parte do produtor, do que o filme deveria ser. No entanto, tentei ajudar a achar um ângulo interessante dentro dos limites do filme e do gênero.”

* “Não ter o controle é desconfortável. Mas ter o controle também. Você carrega toda a responsabilidade, todas as decisões estão sobre seus ombros. Prefiro ter o controle criativo do processo e pagar o preço das minhas escolhas. Mas acho que sobrevivi bem à pressão de um filme de produtor.”

* “O processo todo foi muito controlado pelos produtores. Na montagem, isso fica ainda pior. Eu participei, sim, até entregar o ‘director’s cut’ (versão do diretor). Depois, o produtor decide como vai ser a montagem final. Participei das discussões, mas a decisão final é do produtor. Hollywood é único lugar no mundo onde ‘ownership’ é igual a ‘autorship’. Ou seja: o filme é de quem paga por ele – com a exceção de alguns grandes diretores, que encontraram um caminho autoral mesmo trabalhando na indústria. Isso é uma coisa que tem que ser conquistada e negociada. De preferência, em contrato, que é o que vale por lá.”

* Sobre as diferenças entre fazer um filme no Brasil e nos Estados Unidos: “Duas diferenças básicas. Um: nos Estados Unidos, você tem um sistema de produção muito mais eficiente, tanto pelo dinheiro quanto pela força de uma indústria constituída. Você tem tudo o que precisa para realizar o filme. Dois: você não tem o controle criativo do processo. Você não pode exercer plenamente uma visão de diretor. Mas vale ressaltar que essa foi a minha experiência. Nem todo filme é assim, e não significa que se eu fizer de novo vai ser dessa maneira.”

A pior coisa do filme é o apoio à Lei do Talião

Leonard Maltin deu 2.5 estrelas em 4 para Gone: “Embora este seja um material de gênero, um thriller, o forte retrato de Seyfried de uma moça tentando desvendar a verdade e deixar seu passado para trás faz a filme andar. Umas duas interessantes reviravoltas e um final excitante fazem deste drama sobre sequestro um filme satisfatório, embora esquecível.”

No site AllMovie, Jeremy Wheeler escreve: “Gone não é incompetente, mas também não é necessariamente tão ambicioso assim. Basicamente, o filme repousa sobre o território padrão da mulher-em-perigo, embora seja um pouco mais drama/mistério do que um thriller tradicional.” Mais adiante, registra que a Amanda Seyfried é dada a tarefa ingrata de parecer histérica durante todo o filme; que muitos outros personagens, os policiais, são assustadores e alguns – como o de Jennifer Carpenter – nem chegam a ser desenhados a ponto de poderem ser chamados de personagens.

Para mim, a pior coisa do filme é a mensagem de apoio à Lei do Talião, o olho por olho dente por dente. E não – não acho que Amanda Seyfried esteja bem. Nem ela, nem qualquer dos outros atores.

Anotação em setembro de 2019

12 Horas/Gone

De Heitor Dhalia, EUA, 2012

Com Amanda Seyfried (Jill)

e Daniel Sunjata (detetive Powers), Jennifer Carpenter (Sharon Ames, a colega de Jill), Sebastian Stan (Billy, o namorado de Molly), Wes Bentley (policial Peter Hood), Nick Searcy (Mr. Miller), Socratis Otto (Jim), Emily Wickersham (Molly, a irmã de Jill), Joel David Moore (Nick Massey), Katherine Moennig (policial Erica Lonsdale), Michael Paré (tenente Ray Bozeman), Sam Upton (policial McKay), Ted Rooney (Henry Massey), Erin Carufel        (policial Ash), Amy Lawhorn (Tanya Muslin)

Argumento e roteiro Allison Burnett

Fotografia Michael Grady

Música David Buckley

Montagem John Axelrad

Casting Deborah Aquila e Tricia Wood

Produção Summit Entertainment, Lakeshore Entertainment, Sidney Kimmel Entertainment.

Cor, 94 min (1h34)

**1/2

Título na França: Disparue. Em Portugal: Gone – 12 Horas Para Viver.

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