Noite de Verão em Barcelona / Barcelona, Nit d’estiu

Nota: ★★½☆

São seis histórias de amor e uma única cidade. Ou, como se diz no site oficial do filme, “Sis històries d’amor i una única ciutat”. Sim – como a cidade é Barcelona, a imensa maior parte dos diálogos não é em espanhol, e sim em catalão.

Poderia ser um dos filmes daquela série Paris, Te Amo (2006), Nova York, Eu Te Amo (2008), Rio, Eu Te Amo (2014). Sim, poderia perfeitamente se chamar Barcelona, Eu Te Amo – é uma bela declaração de amor à metrópole da Catalunha, com muitas, muitas sequências em exteriores, com belas paisagens.

A diferença é que nos outros filmes citados cada pequena história é contada por um realizador diferente – são obras coletivas. E este aqui tem seis histórias diferentes contadas por um único diretor. Um garotinho que estava com 24 anos quando o filme foi lançado, em 2013.

24 anos! Deve ser um recorde mundial. Deve ser o diretor mais jovem a lançar um longa-metragem.

Dani de la Orden. Nasceu em 1989 – em Barcelona, é claro –, sete anos depois de o Brasil de Zico, Sócrates e Falcão ter sido eliminado da Copa do Mundo ali no Estádio de Sarriá. Três anos antes de a cidade sediar os XXV Jogos Olímpicos. O ano em que Carlos Saura lançou La Noche Oscura e Pedro Almodóvar chocou o mundo com Ata-me. Doze anos depois do fim da ditadura franquista e da volta à democracia.

São seis histórias de gente entre 12 e 30 e muitos anos

Além de criar seis histórias diferentes para este primeiro longa-metragem do garoto Dani de la Orden, os roteiristas Daniel González, Eric Navarro e Eduard Sola inventaram também um cometa. O elemento que une as seis histórias é um cometa que seria visível em Barcelona no final da noite de 18 de agosto de 2013 – na verdade, já de manhã, entre as 6 e as 7 horas.

As seis histórias vão sendo apresentadas simultaneamente ao espectador. Vão seguindo a ordem cronológica – a narrativa começa no final da tarde, vai avançando por toda a noite, para terminar com a passagem do cometa, de manhãzinha.

Muito compreensivelmente, só há jovens, nas seis histórias do filme. Os personagens mais velhos estão aí na faixa de uns 30 e muitos, antes de chegar aos 40: são um grupo de amigos que se reúnem para um jantar em comemoração ao aniversário de um deles, Joan (Joan Dausà).  O elemento mais importante da história desse grupo é o fato de que Joan e Judit, uma das moças presentes no jantar (interpretada pela bela Sara Espígul, na foto acima), sempre foram apaixonados um pelo outro – mas nunca sequer namoraram. Joan está solteiro – é o único do grupo que não está ali com seu par. Judit está casada com outro, Toni (Santi Ricart, também na foto acima).

Não chega a ser uma história de amor – é a história de um amor que não chegou a acontecer.

O grupo mais jovem envolve três adolescentes aí de uns 14 anos, talvez. De 12 a 14. Guillem (Francesc Colomer, na foto abaixo) é apaixonado por Sara (Miriam Planas) – e se eu estivesse na mesma escola deles também seria, porque Sara é lindinha, uma absoluta gracinha. Haverá uma festa a fantasia justamente naquela noite pré-passagem do cometa na casa de Sara, pelo aniversário da irmã mais velha dela. Mireia (Claudia Veja), a meia-irmã de Guillem, é que o convencerá a ir à festa, e, lá, insistirá para que ele converse com Sara. A lindinha parece gostar do garoto, mas ele morre de timidez.

Uma garota lésbica numa história. E, em outra, dois gays no mundo do futebol

Uma terceira história envolve quatro jovens aí na faixa dos 18, talvez 20 anos. Oriol (Bernat Saumell) aceitou dividir a casa com o grande amigo Adrián (Cristian Valencia). Naquela noite de verão, os dois vão sair com Anna (Laura Díaz), grande amiga de Oriol, e lésbica assumidérrima, que apresenta aos dois garotões sua amiga do intercâmbio, Katherine (Alba Ribas), Katherine, ou Katie, não fala nem espanhol, nem catalão, só inglês – o que dá ponto para Oriol, que fala inglês, enquanto Adrián mal consegue dizer “the book is on the table”.

Anna, safadinha, incentiva ora um, ora outro, a tentar cantar Katie. Os dois grandes amigos vão acabam partindo para a porrada, na praia, de manhãzinha, na hora do cometa. E haverá uma surpresinha (que Mary, safa, já adivinhou de cara, desde o começo da historinha desses garotos).

Uma garota lésbica em uma história, dois rapazes homossexuais em uma outra.

Marc e Jordi (respectivamente Luis Fernández e Àlex Monner são namorados firmes, e se gostam bastante, em um mundo pouco afeito à homossexualidade: são jogadores de futebol profissional. Jogam num time médio – mas Jordi acaba de ser convidado para assinar com o Barcelona, o milionário, campeoníssimo Barça. Um sujeito que parece ser o empresário que toma conta da carreira de Jordi, Artur (Mingo Ràfols), figura desagradável, antipática a não mais poder, vai aconselhar aos dois que tomem muito cuidado para que não seja revelado o caso deles, porque, se os dirigentes do Barça suspeitarem da homossexualidade do rapaz, o contrato será rescindido.

A história de Jordi e Marc é talvez a mais redondinha de todas as seis. Os dois atores são muito bons, e são deliciosos os diálogos entre eles, gozando os termos pejorativos usados para classificar homossexuais, tipo maricón, e rindo da homossexualidade enrustida de muita gente do mundo aparentemente machão do futebol.

A garota reencontra um ex-namorado, e fica dividida entre ele e o atual

É uma garota um tanto estranha a tal de Roser (Mar de Hoyo, na foto acima), personagem de uma outra história. A primeira vez em que ela aparece, está num amasso ousado semi-escondida entre estantes de uma grande livraria. O namorado, Ricard (Peter Vives), está enfiando a mão na bunda dela, através de uma fenda no vestido da moça. De repente, são surpreendidos por um rapaz que passa bem perto deles.

E aí se reconhecem: o rapaz é Albert (Marc García, também na foto acima), um ex-namorado de Roser. Os dois não se viam fazia bastante tempo. Albert está indo no dia seguinte para os Estados Unidos, tinha obtido uma bolsa. Roser insiste para que eles fiquem juntos – mais tarde, naquela noite, Ricard, que é um bom DJ, iria animar uma festa.

E a partir daí passará a noite toda praticamente se dando ao ex-namorado, embora o atual estivesse sempre próximo.

Embora jovem demais – parece que os jovens de Barcelona são mesmo precoces –, talvez Roser tenha visto Jules et Jim, o clássico de François Truffaut em que Catherine, a personagem vivida por Jeanne Moreau, se divide entre dois amigos.

E, finalmente, há a história de Carles e Laura (Miki Esparbé e Bárbara Santa-Cruz, na foto abaixo).

Carles, como o nome indica, é catalão, de Barcelona. Laura é espanhola de Madri, e não fala catalão. Na Espanha do alto desemprego, Laura tem trabalho em Madri, e Carles também tem, só que em Barcelona. Situação difícil para qualquer casal. Naquela noite da véspera do cometa, quando o casal está indo visitar a irmã dele, Berta (Laura Yueste), Laura conta para Carles que a menstruação está atrasada. Passam numa farmácia, compram um daqueles dispositivos de fazer teste de gravidez. Chegando à casa de Berta, fazem e teste – e dá que ela está, sim, grávida.

Não tinham planejado filho, vivem naquela situação instável de que cada um está em uma cidade diferente. Não vai demorar nada para que comecem a se desentender feio.

Que tinguem sort, Dani de la Orden e os amigos que criam as histórias que ele filma

E então? E daí? É um bom filme, ou uma porcaria?

Bem, é mais um entre tantos, tantos, tantos filmes com várias histórias, os mosaicos, ou filmes de estrutura multiplot.

Não são histórias especialmente fascinantes. Nem seus personagens são especialmente simpáticos, atraentes.

Mas, afinal, são gente como a gente, e é sempre um imenso prazer ver filmes sobre gente como a gente, ordinary people, e não bandidos, ladrões, serial killers, super-heróis.

Tem talento, esse garotinho Dani de la Orden, tão jovem de tudo.

Já teve oportunidade de dirigir um segundo longa – e, danadinho, fez, depois deste Barcelona, Nit d’estiu, noite de verão, Barcelona, Nit d’hivern – diversas histórias passadas na noite de Natal. Alguns dos personagens do primeiro estão de volta no segundo.

Que maravilha: o rapaz começa a carreira demonstrando que quer fazer filmes pessoais.

E já fez um terceiro, El Pregón – uma comédia sobre dois músicos que no passado formaram um dueto e agora se reencontram, muito tempo depois, para uma última apresentação juntos.

Que tenha sorte esse Dani de la Orden, e continue fazendo muitos filmes. Como diria o grande compositor e cantor catalão Lluis Llach, que tinguem sort, Dani de la Orden e os amigos que criam as histórias que ele filma.

Que tinguem sort.

Anotação em dezembro de 2016

Noite de Verão em Barcelona/Barcelona, Nit d’estiu

De Dani de la Orden, Espanha, 2013

Com (no futebol) Luis Fernández (Marc), Àlex Monner (Jordi), Mingo Ràfols (Artur, o empresário),

(os meninos) Francesc Colomer (Guillem), Claudia Veja (Mireia), Miriam Planas (Sara),

(o casal grávido) Miki Esparbé (Carles), Bárbara Santa-Cruz (Laura), Laura Yuste  (Berta, a irmã de Carles). Jordi Pérez (Josep, o cunhado),

(os jovens e a amiga) Bernat Saumell (Oriol), Cristian Valencia (Adrián), Laura Diáz (Anna), Alba Ribas (Katherine),

(a moça para dois) Mar del Hoyo (Roser), Peter Vives (Ricard, o namorado), Marc García (Albert, o ex-namorado),

(o grupo do jantar) Joan Dausà (Joan), Sara Espígul (Judit), Santi Ricart (Toni, o marido de Judit), Marc Garcia Coté (Albert), Jan Cornet (Héctor), Elena Tarrats (Anna)

Argumento e roteiro Daniel González, Eric Navarro & Eduard Sola

Fotografia Ricad Canyellas

Musica Joan Dausà

Montagem Alberto Gutiérrez e Elena Ruiz

Casting Bernat Saumell e Cristian Valencia

Na TV a cabo (Now). Produção Cameo, El Terrat, Filmin, Institut Català de les Empreses Culturals (ICEC), Instituto de la Cinematografía y de las Artes Audiovisuales (ICAA), Playtime Movies.

Cor, 96 min

**1/2

 

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