Creepy / Kurîpî: Itsuwari no rinjin

Nota: ★★☆☆

Creepy, policial de 2016 dirigido por Kiyoshi Kurosawa, começa muito bem, com uma belíssima abertura. Segue bem, com um clima denso de mistério bem realçado pela trilha sonora impressionante. Mas, depois da metade de seus longos 130 minutos, se perde feio numa trama inexplicável e inexplicavelmente cheia de furos.

Antes de mais nada: Kioyoshi Kurosawa não tem absolutamente qualquer parentesco com o gênio Akira.

O filme abre com um intróito – uma sequência rápida, ágil, muitíssimo bem encenada.

O jovem detetive psicólogo que será o protagonista da história, Takakura (Hidetoshi Nishijima, na foto abaixo), está interrogando, cuidadosamente, gentilmente, um preso. O preso diz que tem princípios. O policial pode não acreditar, mas ele tem princípios.

Corta, e Takakura está na sala de um superior, pedindo a ele mais tempo para interrogar o preso; quer conhecê-lo melhor, ele pode confessar mais coisas. A conversa é interrompida: aquele mesmo preso tinha conseguido ferir gravemente o policial que tomava conta dele, tinha saído para uma área pública daquele prédio da polícia e tomado uma mulher que passava por ali como refém.

Encostava uma faca no pescoço da mulher. Diante dele, a uma certa distância, amontavam-se agora diversos policiais, alguns com arma apontada na direção do rosto do bandido.

Takakura sai do grupo de policiais, adianta-se, tenta convencer o bandido a entregar a arma e soltar a mulher. Usa argumentos lógicos – coisa de psicólogo que acha que conhece as reações das pessoas.

O bandido dá a entender que vai se render, mas pede para o policial-psicólogo se virar de costas para ele. Takakura obedece.

Num gesto rapidíssimo, o bandido enfia a faca nas costas do policial e corta o pescoço da pobre inocente mulher que havia tomado como refém.

É imediatamente baleado por um dos policiais que estavam diante da cena. O colega deles, Takakura, está gravemente ferido no chão.

Uau! Isso é que é começo de um thriller, japanese style.

Já fora da polícia, o protagonista ajuda um ex-colega num caso

O introito não dura mais que 5 minutos – se tanto.

Corta. Passou-se um ano. Takakura e sua jovem e bela mulher Yasuko (Yûko Takeuchi) estão se instalando numa nova casa. Pelo que dá para imaginar, é um bairro de periferia, bastante afastado do centro de uma grande cidade – não se diz qual cidade é, mas veremos que há uma linha de metrô que chega até perto daquele bairro longínquo.

Já não é mais um investigador da Polícia – pediu demissão, e agora dá aulas de psicologia criminal numa universidade. O espectador assiste a parte de uma das aulas de Takakura – ele está expondo aos alunos o que as polícias do mundo sabem a respeito de serial killers. Parece levar jeito na nova profissão.

A partir daqui – estamos aí com não mais de 10 minutos de filme – o espectador vai acompanhar duas histórias que vão se desenrolando simultaneamente, paralelamente. Uma delas acontece em torno da nova casa do casal – a vida de Takakura e Yasuko junto aos novos vizinhos. A outra se relaciona com a vida profissional de Takakura, e seu envolvimento com uma investigação policial.

O jovem psicólogo se envolve com a história policial um tanto por acidente, por acaso. Na sala dos professores da universidade, ele pergunta a um colega o que eles fazem durante seu tempo livre ali na escola, entre uma aula e outra. O colega diz que cada professor aproveita o tempo para fazer pesquisas a respeito de assunto que o interessem. Ele mesmo, por exemplo, estava estudando um mapa da cidade, num site da Polícia, em que se marcavam os locais de ocorrência de crimes.

Takakura fica curioso, aproxima-se do computador em que o colega trabalha naquele momento. Faz perguntas sobre o crime ocorrido em um determinado local. O colega conta que ali, naquele lugar, seis anos antes, uma família inteira, os Honda, havia desaparecido. Pai, mãe e filho jamais tinham sido encontrados novamente. Só havia uma sobrevivente da família, a filha, que na época era uma garotinha, e atualmente devia ser uma adolescente de uns 16 anos.

O colega convence Takakura e dar uma olhada na casa que tinha pertencido à família Honda.

Dias depois, Takakura recebe na universidade a visita de Nogami (Masahiro Higashide), seu amigo, ex-colega nos tempos em que trabalhou como policial. Nogami continuava na polícia, e tinha ficado sabendo da visita do amigo à casa que tinha sido da família que desaparecera. Estava interessado naquele caso misterioso, sabia onde vivia agora a única sobrevivente, a adolescente Saki (Haruna Kawaguchi).

Queria que Takakura o ajudasse. Pede que o amigo, com seu talento tanto de investigador quanto de psicólogo, converse com a sobrevivente, tente obter dela alguma informação que a Polícia não havia ainda conseguido.

A princípio, Takakura se recusa, diz que não é mais da Polícia. Mas acaba cedendo. Vão os dois conhecer a garota Saki. Terão depois vários encontros com ela.

Algo estranho, esquisito, acontece, mas o marido não conta para a mulher

Enquanto isso…

Yasuko, a jovem esposa, é cozinheira de mão cheia. O marido come com imenso prazer os jantares que ela prepara. Parecem felizes, os dois – mas não conversam muito. Não são de falar longamente do dia de cada um, quando se reencontram à noite.

Pode ser um traço cultural, não sei. Pode ser que, na sociedade japonesa, mesmo nos dias de hoje, não seja o costume, não seja normal marido e mulher contarem tudo um para o outro

Mas a falta de maior comunicação entre Takakura e Yasuko é um absurdo. Veremos depois que um não fala com o outro o que deveria falar; não dá para compreender por que, mas o marido deixa de falar com a mulher algo que ela deveria obrigatoriamente ficar sabendo, e vice-versa.

Apesar disso, no entanto, o casal parece feliz, repito. Yasuko preparou cuidadosamente presentinhos a serem entregues aos dois novos vizinhos mais próximos – sinal de educação, de boa vontade, de cortesia.

Vão os dois bater na casa próxima. Uma mulher de maus bofes atende. Os dois se apresentam, são os novos vizinhos – mas a mulher reage de forma grosseira, antipática, e diz que ali as pessoas não costumam ficar convivendo com os vizinhos.

O casal – assim como os espectadores – se espanta com aquela grosseria. Mas vai em frente.

O outro vizinho, Nishino (Teruyuki Kagawa, na foto abaixo) se mostra também grosseiro, antipático.

Nos dias seguintes, no entanto, procura contato com Takakura e também com Yasuko – em momentos em que cada um deles está sozinho.

Num encontro casual, Nishino apresenta a Yasuko a garota Mio (Ryôko Fujino), que está naquele momento chegando escola. Mio, apresentada como sua filha, é uma adolescente aí de uns 15 anos.

Da forma mais inocente possível, Yasuko faz menção à possibilidade de um dia conhecer a esposa do vizinho.

Alguns dias depois, Nishino se encontra na rua com Takakura, e diz a ele que sua mulher tem se mostrado enxerida, querendo se imiscuir na vida dele. Pede que o rapaz a mande parar com aquilo.

Estranhíssimo: em vez de contar o acontecido à mulher, Takakura omite a conversa esquisita do vizinho.

Tudo cada vez mais estranho: mais tarde, num outro encontro casaul, Nishino pergunta à jovem quem ele acha mais simpático – o marido, ou ele próprio.

A câmara focaliza de perto o rosto dos dois – o sujeito que fala algo absolutamente impróprio, e a moça com a expressão que demonstra o susto imenso.

Há um corte abrupto, típico de quem diz: depois desse corte houve mais coisas ali.

Estranhíssimo, mais ainda: Yasuko não conta para o marido o acontecimento insólito, absurdo.

Começa um segundo ato, e tudo fica sinistro demais – e sem sentido

O roteiro assinado por Chihiro Ikeda e pelo próprio diretor Kiyoshi Kurosawa – com base em novela de Yutaka Maekawa – foi elaborado de tal maneira que o filme parece ter dois atos distintos.

No primeiro ato, essas duas histórias – a da investigação sobre o desaparecimento da família Honda e a do dia-a-dia do casal em sua nova vizinhança – vão sendo apresentadas simultaneamente sem que o espectador compreenda bem o que está acontecendo. Há um clima de mistério, de fato bastante realçado pela trilha sonora (de Yuri Habuka), de que há algo estranho acontecendo – mas o espectador não tem a menor idéia do que seja, do que virá.

A atmosfera sugere que virá algo creepy, como diz o título escolhido pelos exibidores americanos e ingleses, e que os brasileiros mantiveram – mas, até aí, é apenas sugestão.

A partir ali da metade do filme, vem como que um segundo ato, e nele tudo que é creepy passa a ser visível na tela. O que antes era sugestão passa a aparecer de forma explícita. Tudo muito explícito, visível – e creepy.

Creepy – adjetivo; “causando ou sentindo uma desagradável sensação de medo”, arrepiante, horripilante. Bizarro, sinistro, esquisito, aterrorizante.

A grande questão é que tudo passa a ser muito explícito, muito visível, muito creepy – e muito sem qualquer lógica, sentido, razão.

Seria possível questionar uns dez pontos da trama que parecem (ou são) incongruentes, sem sentido. Mas seria um danado de um spoiler. Quem quiser se aventurar, é fácil. O filme está na programação do Now.

O diretor Kiyoshi Kurosawa já teve cinco filmes apresentados em Cannes

Aprendo que Kiyoshi Kurosawa não é um jovem, um aprendiz: nasceu em Kobe em 1955, um ano depois que o outro Kurosawa, o Akira, lançou Os Sete Samurais. Exatamente o ano de Anatomia do Medo.

Tem 45 títulos como diretor, numa carreira iniciada em 1975. Coleciona 22 prêmios, fora outras 22 indicações. Já participou cinco vezes do Festival de Cannes, três delas na mostra paralela Un Certain Regard e duas na mostra competitiva.

Um leitor sul-coreano do IMDb escreveu no grande site enciclopédico o seguinte sobre o filme: “Graças a Deus ganhei entradas de graça para essa abominação que chamam de filme. Não vou nem entregar os spoilers para classificar essa piada como bem possivelmente as piores 2 horas que perdi na minha vida.”

O sul-coreano exagerou.

Outro leitor do IMDb, um americano, escreveu: “Para qualquer um que goste de filmes de horror japoneses ou thrillers psicológicos como The Gift, veja Creepy. Para aqueles que gostam de filmes de todos os tipos, vale a pena ver Creepy.”

Exagerou também, na minha opinião. Não é um filme horroroso, mas também não chega a ser bom.

Anotação em janeiro de 2017

Creepy/Kurîpî: Itsuwari no rinjin

De Kiyoshi Kurosawa, Japão, 2016.

Com Hidetoshi Nishijima (Takakura), Yûko Takeuchi (Yasuko)

e Teruyuki Kagawa (Nishino),  Ryôko Fujino (Mio), Masahiro Higashide (Nogami), Haruna Kawaguchi (Saki), Takashi Sasano (Tanimoto)

Roteiro Chihiro Ikeda & Kiyoshi Kurosawa

Baseado em novela de Yutaka Maekawa

Música Yuri Habuka

Produção Asahi Shimbun, Asmik Ace Entertainment, KDDI Corporation, Kinoshita Group.

Cor, 130 min

**

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