Casanova ’70

Nota: ½☆☆☆

No curto período entre 1963 e 1965, os gigantes Mario Monicelli e Marcello Mastroianni fizeram dois dos mais comentados filmes do total de sete em que juntaram seus talentos. Monicelli sempre foi mais ligado à comédia; Mastroianni fazia de tudo, alternava as gargalhadas de Divórcio à Italiana (1962) com a dureza da incomunicabilidade de A Noite (1961) com o féerico, onírico de Oito e Meio (1963).

Em 1963, lançaram Os Companheiros/I Compagni, um drama social sério, denso – embora com momentos de bom humor – sobre as condições desumanas de vida dos operários de uma fábrica têxtil no final do século XIX, em Turim.

Em 1965, fizeram este Casanova ’70, uma comédia que pretendia ser escrachada, maliciosa, picante, sobre Andrea Rossi-Colombotti, um major do Exército italiano, conquistador nato, um autêntico Casanova – mas que só consegue funcionar em situações de grande perigo.

O mesmo diretor, o mesmo ator principal, praticamente os mesmos autores de argumento e roteiro – Agenore Incrocci, Furio Scarpelli e o próprio Monicelli – que criaram Os Companheiros fizeram também Casanova ’70. A única diferença é que, além dos três que fizeram argumento e roteiro do primeiro, participaram ainda da criação de Casanova ’70 Giorgio Salvioni, Tonino Guerra e Suso Cecchi D’Amico. Com o detalhe que estes últimos são considerados (e são mesmo) dois dos melhores roteiristas do cinema italiano.

Parece incrível, impossível, mas, enquanto Os Companheiros é uma obra-prima, Casanova ’70 é de uma pobreza, uma indigência atroz.

É bobo, bocó. As situações beiram o ridículo – ou se enfiam completamente nele. É uma daquelas comédias de uma piada só: a incapacidade do belo homem de funcionar diante de uma mulher em condições normais de temperatura e pressão. A mesma piada – boba, bocó – vai se repetindo, se repetindo, se repetindo ad nauseam.

E, enquanto vemos um desfile de belas mulheres, observamos um Mastroianni muito abaixo do que ele sabe e pode fazer, exibindo sem parar caras e bocas que seriam de se esperar num humorístico da pior qualidade da pior televisão do mundo.

E ainda por cima tem também um psicanalista – procurado pelo herói para tentar se curar da impotência, como havia diagnosticado uma de suas muitas mulheres – que se revela misógino a não mais poder e  gosta de usar meias de nylon. Um personagem grotesco, horripilante, caricatural a não mais poder, interpretado – pobre homem – por Enrique Maria Salermo.

Outro nome importante do cinema italiano, o diretor Marco Ferreri (na foto abaixo), trabalha como ator, interpretando um conde ricaço casado com uma mulher belíssima que está louca para se livrar dele – de preferência usando o remédio da Cora Smith de Lana Turner em O Destino Bate à Porta (1946) e da Phyllis Dietrichson de Barbara Stanwyck em Pacto de Sangue (1944), o de usar um pato para fazer o marido passar desta para melhor.

Um desfile de mulheres bonitas. Mas é uma comédia sem graça, uma bobagem

Um desfile de belas mulheres. Ah, isso tem.

A mulher que, bem no início do filme, diz na cara do major Andrea Rossi-Colombotti que ele é impotente, é interpretada por Michèle Mercier.

A mulher do conde que quer fazer o conde ir para o além vem na pele de Marisa Mell.

Liana Orfei faz a domadora de leões. Beba Loncar, a moça que Andrea quer comer bem no meio de um museu. Outra Orfei, Moira Orfei, faz a prostituta que tem fama de azarar a vida de quem a come, e tem o irônico nome de Santina.

Margaret Lee faz a mulher do general. Seyna Seyn, a aeromoça da Indonesian Airline – e a sequência do major tentando escapar do momento em que terá que comer a aeromoça, num hotel de Nápoles, é das mais ridículas de todas as muitas sequências ridículas.

Ainda tem Rosemary Dexter, a camareira para quem o major Andrea canta “Anema e core”, num barquinho, no mar de Nápoles.

E também Jolanda Modio, um mulherão que interpreta Addolorata, a siciliana de quem se exige virgindade e que já deu mais que chuchu na cerca.

E, at last but not at least, há Virna Lisi, estonteantemente bela. Ela interpreta Gigliola, uma moça do interiorzão, de família muito católica, tio monsenhor, que havia feito voto de castidade – algo apropriado para um Casanova que não consegue fazer sexo a não ser em situação de extremo perigo.

Adoro comédia. E não tenho nada contra comédia escrachada, com piadas assim um tanto ginasianas.

Mas não consegui dar sequer um sorriso ao longo dos quase intermináveis 107 minutos dessa bobagem atroz.

Não é um filme engraçado – é um filme ridículo.

“Não é arte, mas é sensual e às vezes sensualmente engraçado”

Como minha opinião não vale mais que uma nota de 3 guaranis paraguaios rasgada ao meio, vamos a outras opiniões.

Leonard Maltin deu 2.5 estrelas em 4: “O elegante major Mastroianni só está interessado em seduzir mulheres quando há um elemento de perigo. Modesto, mas divertido.”

Estranho (ou não): nem o monumental Guide des Films de Jean Tulard, 15 mil verbetes, nem o Petit Larousse des Films, 3 mil verbetes, traz o filme de Monicelli. Nem o belo Guia de Vídeo e DVD da Nova Cultural. Nem o Dicionário de Filmes de Georges Sadoul. Nem o 5001 Nights at the Movies de Pauline Kael. Nem o guia de Mick Martin e Marsha Potter.

Mas o guia de Steven H. Scheuer tem – e ele dá 3 estrelas ao filme. “O mais sexy dos filmes de Mastroianni ainda proporciona boas risadas, e é sempre uma alegria vê-lo em cena.”

O IMDb dá link para uma crítica do New York Times de 1965 que diz maios ou menos o mesmo que Steven H. Scheuer: “Casanova ’70 não é arte, mas é sensual e às vezes sensualmente engraçado.”

Para mim é incompreensível, mas o filmefoi indicado ao Oscar de roteiro

Por mais incrível que possa parecer para mim – e de fato me parece absolutamente incrível –, o filme teve uma indicação ao Oscar de melhor roteiro original.

Há uma curiosidade que acho fascinante: Marcello Mastroianni (1924-1996), criado naquela sociedade absolutamente machista que é a italiana, tinha cuca fresca, era um sujeito resolvido e tranquilo. Só assim para explicar que tenha feito papel de um homem impotente em O Belo Antônio (1960), um homem acusado por uma amante de ser impotente neste Casanova ’70 aqui e um homem que fica grávido em Um Homem em Estado Interessante (1973).

Neste último, uma fantasia deliciosa de Jacques Demy, ele contracena com sua então mulher, Catherine Deneuve, mãe de sua filha Chiara Mastroianni.

Registro aqui os outros cinco filmes dirigidos por Mario Monicelli (1915-2010) que tiveram Mastroianni no elenco, além deste Casanova ’70 e Os Companheiros/I Compagni:

Filhas do Desejo/Vita da Cani (1950);

Pais e Filhos/Padri i Figli (1957);

Os Eternos Desconhecidos/I Soliti Ignoti (1958);

Senhoras e Senhores, Boa Noite/Signore e Signori, Buonanotte (1976);

As Duas Vidas de Mattia Pascal/Le Due Vite di Mattia Pascal (1985).

Uma parceria de dois grandes talentos, que deu muitos frutos. Mas este fruto aqui é estragado.

Anotação em outubro de 2016

Casanova ‘70

De Mario Monicelli, Itália-França, 1965

Com Marcello Mastroianni (major Andrea Rossi-Colombotti),

e Virna Lisi (Gigliola, a pura), Marisa Mell (Thelma, a mulher do conde), Michèle Mercier (Noelle), Enrico Maria Salerno (o psicanalista), Liana Orfei (a domadora de leões), Guido Alberti (o monsignore), Beba Loncar (a moça do museu), Moira Orfei (Santina, a prostituta), Margaret Lee (Dolly, a mulher do general), Rosemary Dexter (a camareira), Jolanda Modio (Addolorata, a siciliana muito dada), Seyna Seyn (a aeromoça da Indonesian Airline), Marco Ferreri (o conde), Ivo Garrani (o advogado), Mario Feliciani (o procurador), Ennio Balbo (o juiz)

Argumento e roteiro Agenore Incrocci & Furio Scarpelli e Mario Monicelli & Tonino Guerra & Giorgio Salvioni e Suso Cecchi D’Amico

Fotografia Aldo Tonti

Música Armando Trovajoli

Montagem Ruggero Mastroianni

Produção Carlo Ponti, Euro International Films, Compagnia Cinematografica Champion, Les Films Concordia.

Cor, 107 min

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