Cantinflas – A Magia da Comédia / Cantinflas

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Nota: ★★½☆

O cinema mexicano homenageou o mais popular de seus atores com uma superprodução cara, luxuosa, com um jeitão hollywoodiano – e que dá uma imensa importância a Hollywood.

A cinebiografia Cantinflas, dirigida por Sebastian del Amo, ele também um dos dois autores do roteiro, lançada em 2014, mostra diversos episódios da vida de Mario Moreno (1911-1993), o criador da persona Cantinflas, adorada por gerações e gerações não apenas de mexicanos, mas de todos os países de língua espanhola, desde sua juventude, em 1931, em Veracruz, até o auge do sucesso e da fama. Mas dedica boa parte de seus 102 minutos aos episódios envolvendo o produtor americano Mike Todd e sua batalha para criar A Volta ao Mundo em 80 Dias, o filme que deu a Cantinflas fama planetária e o Globo de Ouro de melhor ator em musical ou comédia – batendo Marlon Brando, Glenn Ford, Yul Brynner e Danny Kaye.

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O filme começa com um programa da TV mexicana em que os apresentadores falam sobre os filmes que parecem sérios candidatos aos Oscars na cerimônia a ser realizada em 1957 – os filmes, portanto, lançados em 1956. São citados Assim Caminha a Humanidade/Giant, O Rei e Eu, Os Dez Mandamentos – todos os três seriam, de fato, indicados em várias categorias, inclusive na de melhor filme. E a apresentadora fala que a United Artists, a empresa fundada por Charlie Chaplin, Douglas Fairbanks, Mary Pickford e D.W. Griffith, ainda não tinha seu candidato aos prêmios – as filmagens de seu grande projeto, A Volta ao Mundo em 80 Dias, não haviam sequer começado.

E então surge um letreiro informando que estamos em Los Angeles, 1955. Mike Todd, celebrado produtor da Broadway, milionário, está chegando de Nova York a Hollywood para produzir seu primeiro filme, A Volta ao Mundo em 80 Dias, baseado na obra de Jules Verne. O projeto era ambiciosíssimo: não só as filmagens seriam nos mais diferentes países – Inglaterra, França, Espanha, Tailândia, Índia, China, Japão –, como Todd pretendia usar umas duas dezenas de grandes nomes do cinema mundial em participações especiais, ou cameo roles, como se diz lá. Esses grandes astros e estrelas não receberiam pagamento pela participação – na cabeça de Todd, participar daquele que seria o maior sucesso de toda a história do cinema já era um pagamento mais do que suficiente.

zzcanti3aVemos Mike Todd (interpretado por Michael Imperioli) visitando o escritório do agente de ninguém menos que Elizabeth Taylor (interpretada pela uruguaia de nascimento radicada no México desde criança Bárbara Mori, uma moça de beleza espantosa, na foto). Todd explica seus planos, e o agente faz a pergunta fundamental: e por que o senhor acha que Elizabeth Taylor, a maior estrela do cinema mundial, aceitaria trabalhar de graça no seu filme?

Não se pode negar que Mike Todd sabia fazer as coisas. Ele improvisa no ato: cachê, a srta. Taylor não receberia – mas ganharia uma limousine de presente, para chegar com ela na estréia mundial do filme. E complementa: – “Posso mandar forrar o interior de violeta, para combinar com seus olhos”. Bárbara Mori-Liz Taylor dá um belo sorriso.

Ao sair do encontro e entrar no carro que o esperava, Todd comenta com seu secretário particular que achava que Liz Taylor tinha topado – mas eles teriam que arranjar uma limousine. O secretário diz que Todd precisa se lembrar de falar com Mario Moreno – e fica claro que o produtor não tinha, então, a menor idéia de quem era Mario Moreno. Ele diz algo como: mande para ele uma passagem de burro aéreo para ele vir falar comigo.

O ator que faz Cantinflas de fato tem uma semelhança incrível com o astro

E aí corta, e um letreiro informa que estamos em Veracruz, México, em 1931. O jovem Mario Moreno está chegando à cidade, à procura de um trabalho, um bico – qualquer coisa,. Ele tinha tido alguma experiência como boxeador, mas vê uma placa de precisa-se de ajudante junto de um teatrinho bem mambembe, montado numa pequena tenda como de um circo, e se apresenta ao dono.

Veremos então que, por acaso, por pura sorte, por causa de um acontecimento fortuito, Mario Moreno, contratado como faz-tudo da tenda – varredor, faxineiro, expulsador de bêbado inconveniente, tomador de conta da filha do patrão para evitar assédio dos frequentadores – terá uma oportunidade de aparecer no palco. Fala umas coisas, alguns espectadores riem – e começa ali sua carreira de comediante.

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Entre os espectadores estava um rapaz chamado Estanislao Shilinsky (Luis Gerardo Méndez, à esquerda na foto), ele mesmo um ator em uma tenda – bem maior e melhor do que aquela – na Cidade do México. Namorava uma das duas filhas do proprietário da tenda, e escrevia uns esquetes cômicos que ele e as duas moças apresentavam na tenda. Como viu que aquele sujeito tinha algum talento, Shilinsky o procura, se apresenta, deixa um cartão com ele.

Algum tempo depois, Mario Moreno está na Cidade do México, e resolve procurar Shilinsky. Acaba não só contratado como também virando namorado da outra filha do patrão, Valentina Ivanova (Ilse Salas).

zzcantinflasO roteiro do diretor Sebastian del Amo e Edui Tijerina alterna, ao longo de toda a narrativa, as duas épocas e os dois assuntos diferentes: as andanças de Mike Todd em Los Angeles para conseguir dar início à produção de A Volta ao Mundo em 80 Dias, e a carreira de Mario Moreno ao longos dos anos, até chegar exatamente aos contatos com o produtor americano e as filmagens da grande aventura.

Uma das grandes qualidades do filme, uma sorte imensa que os realizadores tiveram, é o ator que interpreta Mario Moreno, Óscar Jaenada. É impressionante a semelhança física que ele tem do Mario Moreno real (na foto) – e o ator parece ter visto vários filmes de Cantinflas, e estudado cuidadosamente seu jeito de falar, de vestir, de gesticular. É absolutamente impressionante.

O personagem criado por Mario Moreno tem muito do Carlitos de Chaplin

Pelo que o filme mostra, foi ainda no teatrinho mambembe em que trabalhava ao lado da namorada Valentina, da irmã dela, Olga (Gabriela de la Garza), e de Estanislao Shilinsky, que Mario Moreno teve a idéia de criar Cantinflas, a persona que o catapultou para a fama.

Cantinflas tem muito a ver com o Vagabundo criado por Charlie Chaplin. O filme não mostra isso, mas é bem provável que Mario Moreno tenha visto os filmes de Chaplin e se inspirado um pouco em Carlitos para criar Cantinflas. Cantinflas é um homem do povo, muito pobre e muito boa pessoa, um tanto enrolado, um tanto enrolador – algo como o Carlitos de Chaplin com uma boa dose de malandragem latina. Como Carlitos depois de passar por um período de intensa imersão na malandragem carioca dos anos 30 e 40.

Tem aquele bigodinho ridículo, cortado ao meio, usa umas roupas velhas, andrajosas, e – o detalhe fundamental, a marca registrada – tem a mania de usar as calças bem abaixo da cintura.

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Sobretudo, Cantinflas fala muito. Fala depressa, usa muita gíria, e consegue enrolar quem está diante dele com toda aquela interminável torrente de palavras. Ao meu lado, Mary fez uma definição fantástica: o Cantinflas inventado por Mario Moreno foi um dos primeiros artistas da stand up comedy! É bem isso mesmo.

Cantinflas me faz lembrar… Posso estar absolutamente errado ao fazer essa comparação, mas é o que eu acho: Cantinflas me faz lembrar o Jeca criado por Mazzaropi. Foram contemporâneos, Mario Moreno e Amácio Mazzaropi. Criaram tipos, personas, e se identificaram tanto com suas criações que criador e criatura passaram a ser vistos como uma pessoa só. Os dois passaram de apenas atores, comediantes, a diretores, donos de suas produtoras, e tiveram imensa fama, tornaram-se ídolos de gerações. A diferença – a favor de Mario Moreno – é que Mazzaropi falava português, e então sua popularidade ficou restrita apenas ao Brasil, enquanto Cantinflas foi adorado em toda a América Latina e também na Espanha.

Nos anos 50, Mario Moreno ganhava uma vez e meia o salário de Liz Taylor

O filme se detém bastante no início da carreira, para em seguida mostrar, em pinceladas um tanto rápidas, a ascensão meteórica de Mario Moreno, primeiro via teatro, e logo em seguida pelo cinema.

Pelo que o filme mostra seguidas vezes (e isso seguramente deve ser verdade), Mario Moreno não era de decorar falas, de seguir o que estava escrito no roteiro. O negócio dele era improvisar, em tudo, mas em especial na falação sem fim – e essa é a característica fundamental de Cantinflas, a coisa de falar demais e depressa, com muita gíria e de um jeito enrolado e enrolador.

Essa característica explica por que passou muito rapidamente a dirigir a si mesmo – os diretores de seus filmes cuidavam de todo o resto, menos do astro, que fazia o que bem entendia.

Sua filmografia como ator tem 51 títulos.

Ficou milionário. Nos anos 50, no auge da carreira, ganhava o equivalente a US$ 1,5 milhão por ano – uma vez e meia o salário de Liz Taylor por Cleópatra (1963), então o maior salário pago a uma atriz no mundo.

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Cantinflas, o filme, mostra bem como ele foi enriquecendo, e tornando-se uma figura fundamental no cinema mexicano. Mostra também que ele teve participação importante nas organizações ligadas ao cinema e à cultura mexicana como um todo – sindicatos de atores, associações de classe, organismos dos produtores, lobbies junto ao governo.

Ao mostrar o desgaste do casamento com Valentina (na foto, Ilse Salas, que a interpreta), à medida em que ele ficava mais rico, mais famoso, mais influente e mais cercado por belas mulheres, como a atriz Miroslava Stern (Ana Layevska), o filme tem momentos de novelão mexicano – e aí, nada melhor que um bom bolero de Agustín Lara ao fundo.

Agustín Lara, aliás, aparece no filme, assim como o pintor Diego Rivera e diversos dos grandes atores mexicanos da época, como Pedro Armendáriz e Dolores Del Rio.

Nas sequências passadas nos Estados Unidos, atores mexicanos aparecem interpretando, em rápidas aparições, sem fala, Marlon Brando, Kirk Douglas, Marlene Dietrich, David Niven, Frank Sinatra.

O filme foi um tremendo sucesso de público nos EUA e no México

A Charlie Chaplin, os roteiristas Edui Tijerina e Sebastian del Amo deram uma participação importante na história. É ele que acaba dando ao atarantado Mike Todd uma dica fundamental para convencer Mario Moreno a, afinal de contas, aceitar o convite para trabalhar em A Volta ao Mundo em 80 dias. Só não faz sentido algum o fato de Todd não ter reconhecido que aquele senhor sentado perto dele em um restaurante de Los Angeles era Charlie Chaplin. Ora, pessoa alguma do mundo deixaria de reconhecer Charlie Chaplin, mesmo velhinho.

Uma figura, esse Mike Todd, que o filme mostra como um sujeito de vontade férrea, porém um tanto inocente, um tanto bobo. De bobo o cara, na vida real, não tinha nada. Ele conseguiu fazer com que umas duas dezenas de grandes astros internacionais aparecessem em participações especiais em seu filme – que foi um absoluto sucesso de público e crítica, teve oito indicações ao Oscar e levou cinco, inclusive o de melhor filme. Liz Taylor não participou do filme, afinal de contas – mas casou-se com Mike Todd. Ele foi o marido número 3 dos 8 casamentos dela. Casaram-se no dia 2 de fevereiro de 1957, em Acapulco, no México. O padrinho dele foi Mario Moreno, o Cantinflas. A informação está naqueles letreiros usuais nos filmes baseados em fatos reais, que contam para o espectador o que aconteceu com os personagens depois do que foi mostrado na última cena. (Na foto, o Mike Todd interpretado por Michael Imperioli.)

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Cantinflas foi escolhido pela Academia Mexicana para representar o país na corrida pelo Oscar de melhor filme estrangeiro. Acabaria não sendo indicado, mas foi um tremendo sucesso de público. Tornou-se o quarto filme mexicano mais visto nos Estados Unidos. Em seu próprio país, foi a segunda maior bilheteria de uma produção nacional, e a sexta maior bilheteria incluindo os blockbusters feitos acima do Rio Grande. E teve ótima bilheteria também na Bolívia, Equador, Colômbia e Chile.

Então, em suma, é assim: não é um grande filme, este Cantinflas. Tem defeitinhos: alguns atores são muito ruins, a direção de atores é claramente bem fraca. Há aquele erro comum a produções de TV: todas as roupas dos personagens são novíssimas, acabadas de serem produzidas – porque são mesmo, é claro, mas a produção se esqueceu de cuidar para que algumas delas parecessem já usadas, em especiais as roupas dos pobres. O mesmo vale para todos os ambientes internos mostrados ao longo do filme – é tudo limpíssimo, não há uma poeira em lugar algum, o que dá uma sensação danada de artificialidade.

Mas são defeitinhos. Como fala de um artista talentoso, importante, de vida cheia de emoções, e revela muito sobre o cinema e a própria história do México, é um filme que deve ser visto.

Anotação em dezembro de 2015

Cantinflas – A Magia da Comédia /Cantinflas

De Sebastian del Amo, México, 2014

Com Óscar Jaenada (Mario Moreno, o Cantinflas),

e Michael Imperioli (Michael Todd), Ilse Salas (Valentina Ivanova), Luis Gerardo Méndez (Estanislao Shilinsky), Teresa Ruiz (Meche Barba), Gabriela de la Garza (Olga Ivanova), Cassandra Ciangherotti (Estela Pagola), José Sefami (Diego Rivera), Alejandro Galindo (Eduardo España), Ator vice-presidente de Calles (Hector Kotsifakis), Elizabeth Taylor (Barbara Mori), Miroslava Stern (Ana Layevska), Billy (Luis Arrieta), Indio Fernández (Joaquin Cosio), María Félix  (Ximena Rubio), J.C. Montes-Roldan (Maurice), Hernan Del Riego (Agustín Lara). Iván Arana (Pedro Armendáriz), Jessica Gocha (Dolores Del Rio), Jon-Michael Ecker (Marlon Brando), Juan Pablo Campa (Kirk Douglas), Julian Sedgwick (Charlie Chaplin), Karin Burnett (Marlene Dietrich), Pedro De Tavira (David Niven), Rafael Amaya (Frank Sinatra)

Roteiro Edui Tijerina e Sebastian del Amo

Fotografia Carlos Hidalgo

Música Roque Baños

Montagem Nacho Ruiz-Capillas

Casting Sandra León Becker

Produção Kenio Films

Cor, 102 min

**1/2

5 Comentários para “Cantinflas – A Magia da Comédia / Cantinflas”

  1. Como você consegue explicar tão certinho a emoção, a alegria de ver Cantinflas, de ver o filme, a Rubi??? É talento demais, rapaz!

    PS: Amo de paixão o Pedro Armendáriz. Arruma o nominho dele, por favor 🙂

  2. Obrigado pelo toque, Senhorita. Já corrigi o nome do Pedro Armendáriz.
    Um abraço.
    Sérgio

  3. Não é o tipo de filme que me animo a ver, principalmente pelos detalhes que você falou das roupas todas novas (a gente percebe até pelas fotos que é tudo limpo, bonito e arrumado demais, uma coisa que eu critico sempre no cinema americano), da superprodução pendendo para uma coisa hollywoodiana etc.

    De todo modo, viva o “México Lindo Y Querido”!

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