Um Fim de Semana em Paris / Le Week-End

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Nota: ★★★☆

Este Um Fim de Semana em Paris, no original Le Week-End, pode enganar o espectador. Parece uma comedinha gostosa, leve: tem de fato situações bem engraçadas, piadas deliciosas surgem nos diálogos do casal de velhinhos ingleses que vão a Paris 30 anos depois de passar ali a lua de mel.

Mas é uma falsa comédia. Na verdade, Le Week-End é um filme bastante triste.

O casal Nick e Meg Burrows – interpretado por Jim Broadbent e Lindsay Duncan – mora Birmingham, cidade pela qual não nutrem qualquer admiração. Ele é professor de Filosofia, ela, de Biologia. Como todo casal de velhos (os dois estão aí na faixa dos 65 anos), têm um monte de manias, idiossincrasias, implicâncias.

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Vivem um momento um tanto delicado. Nick ainda não contou para Meg, mas seus superiores da universidade querem que ele se aposente. Houve uma queixa de uma aluna negra contra ele, depois que ele disse a ela que se ela usasse parte do tempo que dedicava a cuidar dos cabelos para estudar, teria excelente aproveitamento.

Estão um tanto com aquela síndrome do ninho vazio: os filhos saíram de casa para tocar suas próprias vidas. Um dos filhos é daquele tipo que só dá preocupação e nenhuma satisfação: Nick vai descrevê-lo como um sujeito de quase 30 anos que passa a vida no sofá diante da TV fumando maconha. Os pais compraram uma casa para ele, mas ele não ficou satisfeito, quer voltar a viver com os pais – algo que Meg definitivamente não aceita.

Meg é muitíssimo mais despachada, decidida, ágil do que o marido. O que não é nada anormal – conheço vários casais que são assim, inclusive o que vive na minha casa.

A relação entre os dois é um tanto estranha. Amam-se – disso não há dúvida. Mas Nick ama Meg muito mais do que ela o ama nos dias de hoje, pelo menos – ela parece um tanto cansada do marido com quem está há tanto tempo. Ele, não: ele a ama profundamente, e é até um tanto dependente dela na tomada das decisões – as pequenas e as grandes.

Um brinca muito com o outro, faz brincadeiras, provocações – mas Meg parece às vezes um tanto grosseira com o marido, talvez até grosseira demais. Por exemplo: Nick fica sempre pedindo carinho, grude, um amasso, uma preliminar que pode levar ao sexo. Meg reage com dureza: – “Não quero ver essa sua salsicha semi-dura!”

LE WEEKEND - 2014 FILM STILL - Meg Burrows (Lindsay Duncan) and Nick Burrows (Jim Broadbent) - Photo Credit: Music Box Films

Nick reencontra um aluno que deu certo na vida – e o contraste é brutal

Aparentemente, não haviam voltado a Paris desde a lua de mel. Fazem a viagem de trem, no sábado pela manhã, e vão para o mesmo hotel em Montmartre em que haviam ficado 30 anos antes, quando estavam começando a vida e eram bem mais duros do que agora.

Ficam no quarto que oferecem a eles apenas uns poucos minutos. Meg decide que não fica ali, quer aproveitar a viagem, quer ficar num hotel elegante, confortável. Pegam um táxi, e Meg dá gorjetas para que o motorista corra muito.

Meg terá diversos comportamentos assim, uma coisa de velhinha maluca que resolve dar uma de adolescente, ao longo do fim de semana e dos curtos 93 minutos do filme.

Ela resolve ficar num hotel carésimo. Nick tenta protestar, mas o espectador percebe que ele sabe que, em momentos como aquele, ele não consegue demover a mulher.

Só há disponível uma suíte excepcionalmente cara – “Tony Blair ficou nela quando esteve aqui”, a recepcionista diz ao casal inglês. Ao que Nick murmura, com o típico humor que demonstrará ao longo de todo o filme: – “Espero que tenham trocado os lençóis”.

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Bem mais tarde, naquele longo sábado, Nick e Meg, num momento de aconchego, proximidade, vão se beijar apaixonadamente em plena rua parisiense – algo que os parisienses fazem sempre, ao menos na mitologia que o cinema americano criou sobre Paris.

E é nesse momento que aparece Morgan (o papel de Jeff Goldblum). Ele reconhece Nick imediatamente, e faz uma festa danada.

O casal vive uma série de experiências interessantes – algumas boas, algumas ruins – naquele fim de semana em Paris. Mas a mais marcante será, sem dúvida, o encontro de Nick com Morgan.

Morgan havia sido aluno de Nick em Cambridge. O então jovem americano ficou absolutamente apaixonado pelo professor, tomou-o como seu modelo intelectual, passou a vida idolatrando-o à distância.

Morgan tornou-se escritor de grande sucesso, é um homem muito rico. Nick, seu mestre, seu guia, tem um salário que não permite extravagâncias, uma vida sem glamour, e está agora forçado a abandonar até mesmo as salas de aula.

O contraste é estarrecedor. Vai deixar Nick perplexo, apatetado, triste – e qualquer espectador sensível vai se entristecer com ele.

O diretor Roger Michell é um sul-africano que filma nos EUA e na Inglaterra

Jim Broadbent é um ator requisitadíssimo, com 140 títulos na filmografia. Vários deles já estão neste site: Tiros na Broadway / Bullets Over Broadway (1994), E Estrelando Pancho Villa / And Starring Pancho Villa as Himself (2003), Feira das Vaidades / Vanity Fair (2004), Longford (2006), Quando você viu seu pai pela última vez? / And when did you last see your father? (2007), Einstein e Eddington (2008), A Jovem Rainha Vitória / The Young Victoria (2009), Maldito Futebol Clube / The Damned United (2009), Circuito Fechado / Closed Circuit (2013).

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Já Lindsay Duncan aparece aqui bem menos. Ótima atriz, lindíssima aos 63 anos de idade, ela parece dez anos mais jovem que Jim Broadbent, quando na verdade a diferença entre eles é de apenas um ano: ela é de 1950, o meu ano, e ele, de 1949. Tem 90 títulos na sua filmografia, esteve recentissimamente em Birdman (2014), mas boa parte de seu trabalho é nas maravilhosas séries da TV inglesa, a maioria das quais não chega aqui.

Em 2006, ela já havia interpretado a mulher de um personagem feito por Jim Broadbent, em Longford, uma beleza de filme sobre um homem que lutou a vida toda para que as prisões britânicas dessem um tratamento digno aos presos.

O diretor Roger Michell nasceu na África do Sul, filho de pai diplomata, o que o levou a ser criado na Síria e depois na então Checoslováquia. Está radicado na Inglaterra há décadas, mas eventualmente filma também nos Estados Unidos: Uma Manhã Gloriosa/Morning Glory (2010), comédia dramática sobre o universo da televisão comercial americana, por exemplo, foi feito lá. Assim como Fora de Controle/Changing Lanes (2002), um thriller.

São dele também os londriníssimos Um Lugar Chamado Notting Hill (1999) e Vênus, um filme feito para o veterano Peter O’Toole brilhar – e ele brilha. Também é absolutamente britânico o drama Recomeçar/The Mother (2003), sobre uma sessentona que perde o marido, vai viver com a filha e acaba tendo um caso com o namorado dela. Em 2004, dirigiu Amor para Sempre/Enduring Love, adaptação para o cinema do romance de Ian McEwan.

Diretor que passa por vários gêneros, fez ainda Lutando pela Paz/Titanic Town (1998), belo filme passado em Belfast nos anos 70, durante o conturbado período de praticamente guerra civil.

Em vários filmes de Roger Michell, o roteirista é o premiado escritor inglês de origem paquistanesa Hanif Kureishi. Kureishi é o autor do argumento e do roteiro deste Le Week-End, e escreveu também os roteirtos de Meu Filho, o Fanático (1997), os já citado Vênus e Recomeçar, e ainda Minha Adorável Lavanderia e Sammy and Rosie, ambos dirigidos pelo grande Stephen Frears.

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Diretor e roteirista deixam o final em aberto. Nick e Meg não sabem o que virá

Lindsay Duncan foi considerada a melhor atriz pelo British Independent Film Awards; nesse mesmo prêmio, o filme teve indicações também nas categorias de melhor filme, melhor roteiro, melhor ator para Jim Broadbent e melhor coadjuvante para Jeff Goldblum.

Kureishi é de 1954, Michell, de 1956, Broadbent, de 1949, Lindsay Duncan, de 1950. Todos da mesma geração – exatamente a minha. Muitos dos ídolos e dos sonhos são os mesmos – ou ao menos foram. Assim, não é à toa que Nick Burrows faça graça com Tony Blair, que os trabalhistas mais tradicionais acham menos de esquerda do que deveria. E que, no seu tristíssimo discurso na casa do ricaço americano Morgan, quando a narrativa já se aproxima do fim, o protagonista se defina como um velho ainda socialista.

Também não é à toa que Nick ouça com imenso prazer, no seu player e fones de ouvido, “Like a rolling stone”, que o jovem Bob Dylan lançou quando estávamos todos aí com uns 14, 15 anos, e achávamos que iríamos mudar o mundo.

Mary sentenciou que o filme não tem fim, que os autores não souberam criar um fim para a história. Concordo em parte. Sim, Kufeishi e Michell deixaram uma porta aberta para que cada espectador conclua o que vai acontecer logo a seguir com Nick e Meg – embora indiquem de forma implícita o futuro imediato dos dois. De resto, é tudo proposital mesmo: muito provavelmente eles não têm idéia do que virá depois. Exatamente como cada um de nós na vida.

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Anotação em agosto de 2015

Um Fim de Semana em Paris/Le Week-End

De Roger Michell, Inglaterra-França, 2013

Com Jim Broadbent (Nick Burrows), Lindsay Duncan (Meg Burrows),

e Jeff Goldblum (Morgan), Olly Alexander (Michael), Judith Davis (Eve)

Argumento e roteiro Hanif Kureishi

Fotografia Nathalie Durand

Música Jeremy Sams

Montagem Kristina Hetherington

Produção Film4, Free Range Films, Le Bureau.

Cor, 93 min

***

4 Comentários para “Um Fim de Semana em Paris / Le Week-End”

  1. Tem um tempo que vi esse filme, então não me lembro de muita coisa.
    Lembro que fiquei incomodada com a maneira com que Meg trata o marido, e que achei deprimente a sequência na casa do ex-aluno dele.
    A história é estranha, não me causou uma boa sensação. A relação dos dois parece emocionalmente sadomasoquista.
    Enfim, o filme não é ruim, apenas não me pegou. Não houve afinidade.

    Não me lembrava que o final fica em aberto. “De resto, é tudo proposital mesmo: muito provavelmente eles não têm idéia do que virá depois. Exatamente como cada um de nós na vida.” O que não deixa de ser assustador, se pararmos para pensar, não é mesmo? Sempre tive um pouco de medo do futuro, desde muito nova. Então vamos andar com fé… e o resto da frase todos já sabem.

    Obs.: Jeff Goldblum pode fazer mil filmes, mas para mim vai ser sempre o “homem-mosca”.

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