Por uma Mulher / Pour une Femme

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Nota: ★☆☆☆

Nos anos 80, após a morte de sua mãe, Anne (Sylvie Testud), profissional respeitada, famosa, a caçula de duas irmãs, passa a juntar recordações e informações sobre o passado de seus pais, Michel e Léna.

A imensa maior parte de Por uma Mulher/Pour une Femme (2013), escrito e dirigido por Diane Kurys, se passa logo após o final da Segunda Guerra, quando Michel e Léna eram jovens e começavam a vida juntos.

Michel é interpretado por Benoît Magimel e Léna, pela bela Mélanie Thierry – e a recriação da época, em todos os pequeninos detalhes, a direção de arte, os figurinos, tudo é absolutamente extraordinário. É uma das melhores coisas do filme. A rigor, a melhor.

Os pais das duas moças se conheceram em um campo de detenção de judeus

 O filme abre nos anos 80, quando Anne e sua irmã mais velha, Tania (o papel de Julie Ferrier), acabam de enterrar a mãe, e vão à casa em que ela viveu seus últimos anos, para fazer o inventário dos objetos – separar papéis, cartas, anotações, fotos, as coisas pessoais de fato importantes que não devem ser destruídas ou jogadas fora de imediato, as coisas que na verdade contam a história da pessoa agora ausente.

zzfemme2Ao mexer nas coisas que contam a história de sua mãe, as irmãs se pegam disputando quem era a preferida dela, quem era a preferida do pai.

A voz de Anne vai narrando a história. Ela diz que, logo após a morte da mãe, passou a se dedicar a levantar a história dos pais. (Sylvie Testud está nesta e na foto abaixo.)

E então um letreiro avisa que estamos em Lyon, em 1945, o ano em que terminou a Segunda Guerra. Michel entra com o pedido para ser naturalizado francês. Ele havia entrado na França bem criança, junto com o irmão caçula e os pais, judeus naturais da Ucrânia, na época uma das repúblicas da URSS, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Os pais viveram na França durante muitos anos, mas não pediram a naturalização porque pretendiam se mudar para os Estados Unidos.

Antes de a Segunda Guerra estourar, o jovem Michel entrara para a Legião Estrangeira, onde fez boa carreira e construiu ficha respeitável.

Com a invasão da França pelos nazistas, Michel havia sido enviado a Rivesaltes. O filme não se preocupa muito em explicar o que era exatamente Rivesaltes, mas dá para o espectador mais atento, mais velho ou mais lido deduzir que era um dos locais em que o governo colaboracionista francês amontoava judeus que em seguida seriam levados para os campos de concentração nazistas na Alemanha ou nos países dominados mais a Leste, como a Polônia.

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Foi lá, em Rivesaltes, que Michel conheceu Léna, 12 anos mais jovem que ele. Apaixonou-se perdidamente. E, como tinha ficha militar respeitável, e era conhecido do comandante do campo, conseguiria se salvar, deixar de ser enviado para os campos nazistas. Propôs casamento a Léna, como forma de ela obter liberdade também – e então se casaram, em 1942, e se salvaram.

Não há flashback para a época da guerra. As informações sobre tudo o que se passou antes de 1945 são dadas em diversos diálogos ao longo do filme.

Michel acolhe em casa um sujeito que diz ser seu irmão

Em Lyon, em 1945, logo após o fim da guerra, além de pedir para se transformar em cidadão francês, Michel entra para o Partido Comunista, cheio de ideais, de fé, de esperança. O líder maior do PCF ali é Maurice (o papel de Denis Podalydès), e Maurice tem grande simpatia por Michel.

A mulher de Maurice, Madeleine (Clotilde Hesme), ficará bastante amiga da jovem Léna. Léna percebe de cara, muito antes do marido, que Madeleine trai Maurice com um jovem do grupo, Paul (Marc Ruchmann).

Com a ajuda dos amigos do Partido Comunista, Michel consegue se estabelecer com uma alfaiataria.

Nasce a primogênita do casal, Tania (quando criancinha, interpretada por Ondine Barry).

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E então surge na vida de Michel e Léna um sujeito que se apresenta como Jean (o papel de Nicolas Duvauchelle), o irmão mais novo de Michel que este acreditava estar morto. Michel não via o irmão mais novo desde que este tinha nove anos.

E esse Jean é uma figura bastante misteriosa.

Neste momento, o espectador tem muitos motivos para ficar em profundas dúvidas – até mesmo se esse sujeito que diz ser Jean é de fato ele mesmo.

Michel vai acreditar que é, sim, o seu irmão, e vai acolhê-lo dentro de sua casa, que fica em cima de sua alfaiataria. Mais: vai botar esse recém-chegado como seu parceiro na loja.

Jean é boa pinta. Só Michel não percebe que vai ter coisa entre o recém-chegado e a belíssima Léna.

O filme tem muito da vida dos pais da diretora Diane Kurys

Comecei a ver este filme de alma aberta, sem pé atrás, sem pé à frente. Gostei do texto que Anne fala bem no início, a respeito de os filhos irem verificar o que existe na casa de uma mãe que morreu.

Com uns 15, 20 minutos de filme, percebi que não estava gostando. Nem saberia, num primeiro momento, explicar exatamente por quê.

Achei bastante grotescas as sequências sobre as reuniões do Partido Comunista Francês em Lyon.

Na verdade, enquanto o filme passava à minha frente, eu ia achando, cada vez mais, que a coisa de enfiar política na história era uma tentativa de dar alguma importância, algum charme a ela. A política era um jeito de tentar enfiar alguma coisa interessante em uma história que, a rigor, não tem interesse algum.

Quando o filme já estava aí bem depois da metade, disse pra Mary que só tinha uma explicação para filmarem uma história tão sem interesse: – “Só tem sentido fazer um filme com essa falta de história se for algo autobiográfico”, disse eu.

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Bingo! Essa história que considerei absolutamente desinteressante sobre personagens absolutamente desinteressantes, que a autora e diretora tenta desesperadamente transformar em pessoas especiais, charmosas, importantes, é autobiográfica.

Diane Kurys nasceu em 1948, em Lyon – exatamente como Anne, a filha mais jovem e narradora da história. Anne, exatamente como Diane Kurys, é uma cineasta, uma diretora, uma realizadora.

Diane Kurys é filha de imigrantes russos e poloneses. Os pais dela se conheceram num campo de internamento francês em 1942.

Anne está fazendo um filme sobre seus pais – exatamente como, tudo indica, Diane Kurys fez neste Pour une Femme.

Isabelle Huppert, Nathalie Baye e Mélanie Thierry já interpretaram a mãe da diretora

O AlloCiné, o site que tem tudo sobre os filmes franceses, diz que esta não foi a primeira vez que a diretora Diane Kurys fez um filme autobiográfico. Diabolo Menthe, de 1977, seu primeiro filme como realizadora, aborda sua adolescência. Coup de Foudre, de 1983, evoca sua infância. La Baule-les-Pins, de 1990, conta um trecho da vida da mãe dela. (Os três títulos estão em francês porque nem o IMDb nem o Dicionário de Cinema – Os Diretores, de Jean Tulard, traz os títulos em português – sinal de que os filmes provavelmente não foram lançados comercialmente aqui.)

A mãe de Diane Kurys – lembra o AlloCiné – já foi, portanto, interpretada por Isabelle Huppert em Coup de Foudre, por Nathalie Baye, em La Baule-les-Pins, e agora por Mélanie Thierry. Isso é que é mãe admirada pela filha!

Em entrevista parcialmente reproduzida no AlloCiné, Diane Kurys conta que a origem do filme foi uma foto muito antiga que ela encontrou de sua mãe ao lado de um tio, irmão do pai. No filme, mostra-se o momento em que é feita, num parque de Lyon, uma foto de Léna e Jean, os dois segurando a garotinha Tania, a primogênita (na foto abaixo)

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“Foi ao encontrar por acaso uma foto no fundo de uma gaveta que compreendi que tinha vontade de me debruçar sobre minha infância e sobre a história de minha família. Essa velha fotografia, atrás da qual havia uma data, me fascinou. De fato, eu tinha um tio, cujo nome aparecia de tempos em tempos nas conversas. Eu sabia vagamente que ele tinha ficado hospedado na nossa casa durante alguns anos, mas ignorava exatamente a data. De repente, ao topar com essa foto dele e de minha mãe, percebi que sua passagem pela casa correspondia ao momento em que eu fui concebida. Havia ali um mistério familiar que eu tinha vontade de explorar.”

Quase ao final, um diálogo apavorante, a favor do olho por olho, dente por dente

Por que razão, afinal de contas, fui desgostando cada vez mais deste filme que tem fotografia, direção de arte, música (de Armand Amar) extraordinárias?

Bem, acho que não é uma razão, são várias, que vão se somando.

Em primeiro lugarm porque tudo parece falso. Aquela sensação sobre a qual falei acima: enfiar política na história é claramente uma tentativa de dar alguma importância, algum charme a ela.

Pior: dá para perceber perfeitamente que é alguém que é ingênua, naîve, absolutamente tola em política tentando falar de política. E é um horror gente que não entende lhufas de política falar sobre política.

Tudo, absolutamente tudo que se refere a Partido Comunista Francês neste filme parece falso, fake, de mentirinha, que nem nota de 3 guaranis paraguaios.

A trama toda é desinteressante – e o cinema já contou mais ou menos um milhão de histórias sobre pessoas que viveram durante a Segunda Guerra.

Não há personagem algum que seja simpático, interessante, inteligente, que a gente possa admirar. São, todos eles, pessoas desinteressantes – ou absolutamente chatas.

Tudo é previsível. Ah, claro que a bela Léna vai se apaixonar pelo cunhado Jean, jovem, bonitão.

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Quase ao final do filme há um diálogo apavorante. É entre os dois irmãos, Michel, o mais velho, o comunista, e Jean, o que, naquele momento o espectador já sabe, é um soldado do sionismo, um pré-Mossad, um sujeito que iria aparecer como um dos personagens centrais do livro sionista La Vengeance, A Vingança.

Jean: – “Não podemos perdoar, Michel”.

Michel: – “Como assim, perdoar? Só os mortos perdoam. Você está vivo.”

Jean: – “Não”.

Michel: – “Eu acredito na Justiça, não na vingança.

Jean: – “Não vai haver justiça, Michel, sabemos disso. Quantos alemães eram nazistas? 13 milhões? Quantos estão presos? 300! 300 entre 13 milhões!”

Michel: – “E você quer botar todos os alemães na prisão?”

Jean: – “Não. Melhor matar todos”.

O Estado de Israel considera Jean um herói.

Jean, o que professa a obediência à Lei do Talião, ao olho por olho dente por dente. Vingança sempre, perdoar jamais.

E agora me surgiu a dúvida: será que, ao expor tudo isso, toda essa coisa complexa do passado da sua família, Diane Kurys não estaria, ao contrário do que eu achei quando via o filme, condenando os falcões e defendendo os pombos? Estaria ela, nesse filme que aparentemente faz a defesa da Lei do Talião, na verdade, muito ao contrário, defendendo o exato oposto?

Hum… Será? Não é o que parece. Infelizmente, não é o que parece.

Anotação em setembro de 2015

Por uma Mulher/Pour une Femme

De Diane Kurys, França, 2013

Com Benoît Magimel (Michel), Mélanie Thierry (Léna), Nicolas Duvauchelle (Jean), Sylvie Testud (Anne), Julie Ferrier (Tania), Denis Podalydès (Maurice), Clotilde Hesme (Madeleine), Clément Sibony (Sacha), Marc Ruchmann ( Paul), Jean-Claude Bolle-Reddat (o juiz),

Christian Taponard (Georges), Francesco Calabrese (Romano), Franck Gourlat (Leandri), Elisa Ruschke (Belle), Ondine Barry (Tania aos 4 anos)

Argumento e roteiro Diane Kurys

Fotografia Gilles Henry

Música Armand Amar

Montagem Sylvie Gadmer

Produção Alexandre Films, Rise Films, France 3 Cinéma, Rhône-Alpes Cinéma. DVD Imovision.

Cor, 110 min.

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