O Atentado / The Attack / L’Attentat

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Nota: ★★★½

Poucas horas depois de receber o maior prêmio da Medicina de Israel, pela primeira vez dado a um árabe, o cirurgião Amin Jaafari (Ali Suliman) começa a socorrer, no excelente hospital em que trabalha, em Tel Aviv, os feridos em um novo ataque terrorista: um suicida havia se explodido em um restaurante em que se comemorava o aniversário de uma criança.

E, poucas horas depois de sair exausto do hospital, o dr. Amin é informado de que o terrorista, o homem-bomba, era a mulher dele, a palestina Siham (Reymonde Amsallem).

Este é o ponto de partida de O Atentado/The Attack/L’Attentat, do realizador libanês Ziad Doueiri – um ponto de partida cruel, chocante, apavorante, violentérrimo.

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Amin, a princípio, é claro, não vai admitir a possibilidade de que Siham, a mulher que viveu a seu lado nos últimos 15 anos, seja uma terrorista, uma mulher-bomba que mata 17 pessoas, das quais 11 são crianças, e fere outras dezenas, várias delas que ele mesmo socorreu no hospital.

Vai negar a possibilidade de a mulher com que ele – um médico, um salvador de vidas – viveu ao longo de 15 anos seja uma assassina fria, cruel, calculista.

O que pode ser pior: um homem ficar sabendo que sua mulher o traiu dando umas trepadinhas com um amante, ou um homem ficar sabendo que sua mulher o traiu aderindo ao terrorismo, e assassinando um bando de inocentes?

O Atentado abre com essa porrada, esse murro, essa facada. E depois só vai piorando, só vai retorcendo a faca que já havia enfiado no espectador.

É um filme extraordinário, que vem se juntar a um grupo de filmes extraordinários que tratam desse mesmo tema, o ódio entre judeus e árabes: A Noiva Síria / The Syrian Bride / Ha-Kala Ha-Surit (2004), Ó Jerusalém (2006), A Banda / Bikur Ha-Tizmoret (2007), Valsa com Bashir / Waltz with Bashir (2008), Lemon tree (2008), E Agora, Aonde Vamos? / Ou Halla La Weyn? / Et maintenant on va où? (2011), Uma Garrafa no Mar de Gaza / Une Bouteille à la Mer (2012).

“Todo judeu é um pouco árabe, e nenhum árabe pode negar que é um pouco judeu”

As primeiras imagens que vemos são de um casal se despedindo. Amin e Siham – o espectador verá mais tarde – estão juntos há 15 anos, mas, pelo que vemos naquela despedida, continuam ternos, carinhosos, grudentos como se estivessem apenas começando uma bela história de amor.

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Corta, e estamos em um amplo teatro. Um senhor no centro do palco está iniciando a fala de apresentação do vencedor do Prêmio Bar Eliezer da Sociedade Israelense de Cirurgiões. Nesse exato momento, toca o celular, e Amin, sentado em uma das primeiras filas ao lado de uma mulher, atende, apenas para dizer: “Siham, não posso falar agora” – e  desliga. Um segundo depois, o apresentador o chama para o palco, para receber a honraria – o Oscar, o Nobel da Medicina, como dirá mais tarde, com ironia, o capitão da polícia que vai interrogá-lo.

O discurso de agradecimento de Amin Jaafari define o tipo de pessoa que ele é – e, creio, define também o que o filme quer dizer.

Amin começa dizendo que pesquisou e viu que ele é o primeiro árabe a receber a honraria: – “Não que isso importe, porque todo judeu é um pouco árabe, e nenhum árabe pode negar que é um pouco judeu”.

Não que isso importe. Não que isso faça diferença, já que todo judeu é um pouco árabe, e nenhum árabe pode negar que é um pouco judeu.

Que fantástica definição!

Árabe que vive entre judeus, o excelente cirurgião Amin acredita ser possível que um dia – para usar a belíssima imagem do compositor americano Steve Earl – todos os filhos de Abraão joguem suas espadas no chão.

No momento exato em que ligou para o celular de Amin, no momento em que ele se preparava para subir ao palco e receber a honraria dos judeus, Siham, sua mulher, já estava com as bombas amarradas junto a seu corpo, pronta para, daí a pouco, matar um bando de crianças.

O Atentado é talvez o mais amargo de todos os grandes filmes sobre o tema

Preso e interrogado – com uma brutalidade contida – pelo capitão Moshe (Uri Gavriel), uma figura nojenta, Amin se recusa sequer a admitir a possibilidade de que Siham tenha sido de fato a autora do atentado. E aqui vai talvez um pequeno spoiler, porque, a essa altura do filme, quando Amin está preso e sendo interrogado pela polícia antiterrorismo israelense, ainda não havia sdidfo dito explicitamente que Siham foi, de fato, a terrorista suicida que matou 17 pessoas inocentes.

zzatentado4E o ator que interpreta o protagonista da história, Ali Suliman, consegue, nesse início de narrativa, nos passar a convicção de que é um erro, é um absurdo: sua mulher não é uma terrorista, não pode ser, não tem sentido, não tem lógica, não tem explicação.

É exatamente como todo o ódio entre árabes e judeus: não pode ser, não tem sentido, não tem lógica, não tem explicação.

Todos aqueles filmes citados acima procuram não ser pró-judeus ou pró-árabes, tentam não defender um dos lados que lutam na eterna guerra e colocar a culpa no outro lado. Todos eles – e é por isso, em boa parte, que são grandes filmes – distribuem as responsabilidades entre os dois lados. Mostram os argumentos de um lado, os argumentos do outro; a violência de um lado, a violência do outro.

O que todos eles querem mostrar, me parece, é que os dois lados estão errados e continuarão errados até que em algum momento digam basta à cadeia de vingança eterna pelos crimes cometidos no passado.

Em todos esses filmes maravilhosos, os realizadores – sejam israelenses, sejam árabes – procuram mostrar que há pessoas, dos dois lados, dispostos a dar o basta, a aceitar lançar as espadas no chão.

O Atentado é talvez o mais amargo de todos esses grandes filmes.

Na sua jornada a partir do momento em que ouve da polícia a informação de que sua esposa foi a terrorista suicida, a mulher-bomba, o pacífico Amin só ouvirá argumentos radicais, baseados no ódio, de parte a parte, de um lado e de outro. Ninguém, absolutamente ninguém, entre todas as pessoas que Amin conhece, encontra, reencontra, faz qualquer tipo de ponderação pelo basta. Todos estão com os olhos voltados para o passado – os crimes que o outro lado cometeu –, e, para o futuro, só querem saber de vingança. De novos crimes, que levarão a novos crimes, e assim por mais séculos e séculos.

No final, Amin não terá mais nem mesmo o apoio de Kim (Evgenia Dodena), a colega e mais fiel amiga. Kim era a mulher que estava ao lado dele na noite do prêmio da Sociedade Israelense de Cirurgiões. Quando ele é solto após os interrogatórios da polícia, e não pode voltar para sua casa, saqueada e vandalizada pelos vizinhos, Kim o acolherá em sua própria casa. Mas, bem mais tarde, ela vai colocá-lo contra a parede.

Amim ficará absolutamente sozinho, rechaçado, rejeitado tanto por árabes quanto por judeus.

O filme do diretor libanês foi proibido em todos os 22 países da Liga Árabe

Ironicamente, desgraçadamente, O Atentado, o filme, acabaria tendo um destino um tanto semelhante ao de seu protagonista. Por não tomar partido por nenhuma dos lados do eterno conflito, por, no fundo, defender a possibilidade de um basta à luta, por ser favorável à paz, foi rejeitado, proibido. Virou pária: a Liga Árabe proibiu a exibição da obra nos 22 países membros.

O filme é dirigido por um libanês, Ziad Doueiri.

O roteiro foi escrito pelo diretor e por sua mulher, também árabe, Joëlle Touma.

O roteiro se baseia no romance homônimo – L’Attentat – escrito por Yasmina Khadra, o pseudônimo do argelino Mohammed Moulessehoul.

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O ator Ali Suliman é árabe de Nazaré, a cidade de Jesus Cristo.

A atriz que interpreta a palestina Siham, Reymonde Amsallem, é israelense (o diretor ficou impressionado com a determinação dela em estudar árabe intensivamente durante três meses). E há sequências filmadas em Israel (embora a maior parte do filme tenha sido rodada na Bélgica). Foi isso que determinou seu banimento das telas dos 22 países da Liga Árabe: para os governos desses países, é crime filmar em Israel, entrar em contato com israelenses.

O Atentado chegou a ser apresentado no Festival Internacional de Marrakech em 2012, e ganhou o grande prêmio. Logo depois, no entanto, apesar de todas as gestões do diretor Ziad Doueiri junto às autoridades libanesas, o filme foi proibido no país do realizador – e, em seguida, veio o veto da Liga Árabe.

O filme quase foi uma produção americana, como conta o diretor Ziad Doueiri em uma longa entrevista a Laëtitia Forhan, para o AlloCiné, o site que tem absolutamente tudo sobre o cinema francês ou que tenha alguma coisa a ver com o cinema francês. No final, acabou sendo uma co-produção França-Bélgica, embora inicialmente tivesse também a participação de empresas do Líbano e do Catar.

“A companhia americana Focus Features me procurou para saber se eu estaria interessado em adaptar o livro de Yasmina Khadra”, contou Doueiri na entrevista. “Eu estava em Beirute e senti que era muito forte. O que eu mais amei não foi o lado político, foi a dimensão humana. Eu li o livro num período de crise na minha vida, e me perguntei se tinha vontade de falar sobre os problemas do Oriente Médio, porque já foram feitos muitos filmes sobre esse tema. Mas o livro tem um aspecto que ultrapassa o Oriente Médio, essa história poderia se passar na América do Sul, ou não importa onde. É a história de um homem à procura da verdade. Eu me encontrei com o dono da Focus Features em Nova York e perguntei a ele: ‘Vocês são uma companhia americana, e os americanos não se interessam nunca por filmes estrangeiros, ainda mais quando não são falados em inglês. Este é um filme em árabe e hebreu, sobre um assunto quente. Por que vocês querem produzir o filme?’

“Aprendi a conhecer os judeus, e depois visitei Israel”, diz o diretor

É necessário registrar que Ziad Doueiri tinha ligações anteriores com os Estados Unidos e com o cinema americano. Esse libanês nascido em Beirute em 1963 estudou cinema na Califórnia. Formado, foi assistente de câmara de Quentin Tarantino em Jackie Brown, Reservoir Dogs e Pulp Fiction.

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Seu primeiro longa-metragem, West-Beyrouth (1988), ganhou oito prêmios internacionais; foi exibido em competição no Festival de Cannes, ganhou o prêmio da audiência em Bruxelas, o prêmio da crítica em Toronto. O segundo longa-metragem, um filmaço, uma obra-prima, Lila Diz…/Lila Dit Ça (2004), co-produção França-Inglaterra, ganhou 4 prêmios internacionais, foi exibido no Sundance Film Festival.

Doueiri assinou então contrato com a Focus, voltou para o Líbano e começou a escrever o roteiro junto com sua mulher, Joëlle Touma. Um ano depois, o contrato foi rompido. O diretor diz que nunca explicaram para ele os motivos do rompimento. “Acho que é por causa do roteiro. Na América, quando se trata de terrorismo, é preto e branco, não se pode dar qualquer justificativa…”

Ele levou três anos negociando com os americanos, até que finalmente recuperou os direitos de filmar o livro, e, graças à produtora dos franceses Jean Bréhat e Rachid Bouchareb (o autor de London River – Destinos Cruzados e de Simplesmente uma Mulher), pôde enfim fazer o filme. Por ironia, quando o filme foi exibido no festival de Toronto, a própria Focus Features propôs distribuir O Atentado em território americano.

Ziad Doueiri insiste muito, na ótima entrevista a Laëtitia Forhan para o AlloCiné – e, parece, em todas as entrevistas sobre o filme – em que o que mais interessa a ele não é a coisa política, e sim “a dimensão humana, o percurso de Amin”. “Uma das forças do filme é que o espectador segue o mesmo percurso psicológico que o personagem principal.”

Mas ele não se nega a falar do conflito árabes-judeus. “Como cidadão libanês, eu vivi a experiências de grandes guerras. Em 1982, por exemplo, com a invasão do Líbano por Israel. Foi uma guerra extremamente sangrenta. Deixei o Líbano para estudar cinema nos Estados Unidos. E, depois dos horrores que tinha visto, eu era – confesso – anti-judeu. Mas eu era um garoto, cresci durante a guerra, e você não pode exigir que uma criança seja objetiva. Com o passar do tempo, você evolui, você conhece pessoas…”

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O que Ziad Doueiri descreve é muito semelhante ao que seu personagem, Amin Jaafari, fala em seu discurso ao receber o prêmio de Israel:

“Em Los Angeles, onde estudei cinema, encontrei muitos estudantes de confissão judia – de repente me encontrei diante do meu inimigo. E não era mais o piloto que me bombardeava, era um estudante como eu. Aprendi a conhecê-los, e depois visitei Israel. Um libanês que vai a Israel, é como um judeu em 1945 que vai tomar um café em Berlim… Há um passado carregado. Antes eu tinha medo desse inimigo sanguinolento, hoje não tenho mais esse medo, eu compreendi. Não digo que o que há hoje não é nada, sabemos que há um ocupador e um ocupado, mais meu encaminhamento pessoal foi diferente. O que está bem claro no romance é que ele mete o dedo no fato de que há duas perspectivas no conflito. Yasmina Khadra descreve tudo tão bem que isso me fez avançar.”

Que maravilha de depoimento.

Que maravilha de filme.

Há – evidentemente, e graças ao bom Deus, a Alá, a Jeová – árabes e israelenses que se entendem, que gostariam de dar o basta, que defendem a possibilidade de paz. As pessoas são sempre melhores que os governos. Quem sabe um dia…

Anotação em julho de 2015

O Atentado/The Attack/L’Attentat

De Ziad Doueiri, Líbano-França-Catar-Bélgica, 2012

Com Ali Suliman (Amin Jaafari),

e Reymonde Amsallem (Siham Jaafari), Evgenia Dodena (Kim), Dvir Benedek (Raveed), Uri Gavriel (capitão Moshe), Ruba Salameh (Faten), Karim Saleh (Adel), Nisrin Siksik (Leila), Bassem Lulu (Yasser), Ezra Dagan (Ezra Benhaim), Ramzi Makdessi (o padre), Vladimir Friedman (doutor Ilan Ross), Esther Zewko (Miryam Benhaim), Ehab Salami (Sayeed), David Gavish (Orit)

Roteiro Joëlle Touma e Ziad Doueiri

Baseado na novela L’Attentat, de Yasmina Khadra

Fotografia Tommaso Fiorilli

Música Éric Neveux

Montagem Ziad Doueiri e Dominique Marcombe

Produção 3B Productions, Scope Pictures, Douri Films, Canal+, Ciné+, Random House Films, Fresco Films.

Cor, 102 min

***1/2

4 Comentários para “O Atentado / The Attack / L’Attentat”

  1. filme maravilhoso, com movimento,emoção. Assisti no Netflix. Essa atriz Reymonde Amsallen é maravilhosa e o ator Ali Suliman é fantástico. Sou filha de pai árabe e fico feliz com essa mistura de elenco – árabe e judeu. Abraços .

  2. MUUIITOO BOOOMMM ALTAMENTE RECOMENDAVEL PELOS MAIS DIFERENTES FATORES. ASSISTA E PRONTO

  3. Legal, Sibeluis. Mas não precisava berrar. A gente ouve bem quando o texto é escrito com maiúsculas e minúsculas.

    Obrigado.

    Sérgio

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