Ida

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Nota: ★★★☆

Sim, sem dúvida Ida é um filme forte, impressionante. É sério, é profundamente, profundamente triste. Fala sobre escolhas, fala sobre os dois mais insanos regimes totalitários do século XX, o nazismo e o comunismo soviético e de seus satélites, no caso a Polônia. Tem duas atrizes – Agata Trzebuchowska e Agata Kulesza – em interpretações absolutamente brilhantes, acachapantes. A fotografia é estupenda, estudadíssimamente estupenda.

zzida2No entanto, ao contrário do que vem acontecendo com literalmente todo o mundo, não babei com Ida. Não entrei em sintonia com o filme – essa coisa que volta e meia acontece, que pode acontecer com todo mundo.

Fiquei achando que Ida é um filme feito com um esforço absurdo para ser considerado grande.

O esforço tem sido recompensado, como se sabe. O filme vem ganhando prêmios e loas como poucos. Até meados de janeiro de 2015, já havia amealhado 52 prêmios e 39 indicações – entre elas as ao Oscar de melhor filme estrangeiro e fotografia, a espantosa fotografia em deslumbrante preto-e-branco assinada por Ryszard Lenczewski e Lukasz Zal.

Talvez pelo fato de eu estar velhinho, e pelo fato de já ter visto  milhares e milhares de filmes, não me encantei por Ida. Não houve de fato sintonia – e me cansou ver tanto esforço para parecer que é um filme especialmente grande.

Meu Deus do céu e também da terra, como o diretor Pawel Pawlikowski faz força para que seu filme lembre Bergman, lembre Antonioni! Tantos momentos longos em absoluto silêncio. Tantas longas tomadas em que nada acontece.

zzida3A própria escolha de se fazer o filme em preto e branco. Definitivamente, a escolha de remar contra todas as marés, e fazer um filme quadrado! Quadrado – não widescreen, CinemaScope, como todos os demais de hoje em dia.

Uma danada de uma vontade de berrar: olhem como sou genial, como faço diferente de tudo o que se faz atualmente, olhem como eu filmo parecido com Bergman, com Antonioni!

Uma fotografia deslumbrante, cuidadosamente feita para deslumbrar e dar o que falar

         A fotografia é de fato extraodinária, marcante. Em muitas das tomadas, temos os personagens na parte de baixo da tela, enquanto, na parte de cima, não há nada – há paredes, ou o céu, nada que importe. Legal. Alunos de semiótica poderão dizer que tais tomadas enfatizam a pequenez do ser humano diante do mundão véio de Deus e o diabo.

A questão é que não vi muita lógica no uso desse tipo de tomada, porque há também muitos close-ups, very big close-ups, em especial das duas atrizes que interpretam – maravilhosamente – a jovem Anna, noviça em um convento católico no interiozão da Polônia comunista ali pelo inicio dos anos 60, e Wanda, sua tia pelo lado materno, sua única parente, que mora em Lodz.

(Lodz: por coincidência, ou muito provavelmente não, a cidade em que funciona a Escola Nacional do Filme, fundada em 1948, por onde passaram grandes, respeitabilíssimos realizadores – Andrzej Munk, Janusz Morgenstern, Andrzej Wajda, Roman Polanski, Krzysztof Kieslowski, Jerzy Skolimowski.)

zzida4Então temos que metade das tomadas mostra inutilidades em quase toda a tela, e a outra metade é feita de ultra big close-ups – o que, na minha opinião, carece de lógica.

Ida dá importância demais à forma, ao jeito de contar. É um filme maneirista. Há quem adore. Eu não. Cada vez mais gosto de filmes que  contem bem uma boa história.

E Ida me deixou muitas dúvidas.

Por que Wanda, a tia, que sempre se recusou a checar como a irmã e o cunhado e o filho foram mortos, durante a ocupação nazista, de repente resolve viajar com a sobrinha que ela sempre ignorou para tentar desvendar o passado?

Por que Wanda tem tanta certeza de que aqueles sujeitos, pai ou filho, mataram seus parentes? Se nunca antes ela havia se preocupado com o assunto…

Por que Wanda, que demonstra claramente não acreditar em nada daquilo, virou tão fiel ao regime comunista?

Como é possível que o jovem músico tenha sabido do dia e da hora do enterro?

Por que, afinal, abrir mão de tudo e voltar?

Chega das minhas opiniões. Vamos a informações importantes

O sempre ótimo reporter e crítico Luiz Carlos Merten publicou no Estadão um texto cheio de informações importantes sobre o filme. Vou transcrever trechos:

“Na entrevista que Michel Ciment fez com Pawel Pawlikowski para a revista Positif, anterior à indicação de Ida para o Globo de Ouro e à pré-indicação do filme para o Oscar, o diretor faz observações reveladoras. Diz que, embora seu filme tenha sido bem recebido na Polônia, esteve longe de ser uma unanimidade. A direita nacionalista cobrou-lhe mostrar uma Polônia demasiado cinzenta e também por tocar num tema ainda tabu no país – as perseguições e mortes de judeus. Os próprios judeus sentiram-se ultrajados porque Ida, a protagonista, mesmo depois de descobrir sua origem judaica, volta ao convento para se ordenar como freira – mesmo que Pawlikowski não dê nenhuma indicação de que isso vá ocorrer, de fato. Fora da Polônia, sim, Ida tem sido uma unanimidade.”

zzida5Merten continua:

“A história de Ida situa-se em 1962 e, no começo dos anos 1960, a Polônia era um corpo estranho na Cortina de Ferro. Não apenas tinha um cinema vigoroso – original e crítico -, com autores que ganharam reconhecimento mundial, como Andrzej Wajda, Roman Polanski e Jerzy Kawalerowicz, como era um centro de jazz afinado com as novas tendências na América. Pawlikowski diz que essa era a Polônia de seus pais, e é um pouco em homenagem a eles, àquela época, que ele cria o personagem do guitarrista, imerso na musicalidade de John Coltrane. Na história, Ida é uma noviça que está prestes a tomar o hábito como freira. Mas a madre do convento teme que Ida não esteja preparada e a incentiva a conhecer o mundo.”

Merten cometeu aqui um pequeno equivoco: o músico que fica conhecendo Anna/Ida é saxofonista, e não guitarrista. Mas isso é detalhe sem importância.

“Ela vai em busca de uma tia com quem perdeu o contato, mas Wanda – é seu nome – escorraça a sobrinha. A esse primeiro movimento, o repúdio, vem outro. Ela não apenas corre atrás de Ida e a recebe em casa, como faz uma revelação. Ida não é seu nome, e ela, na verdade, é judia. Surge uma história do antissemitismo na Polônia, não propriamente de poloneses colaborando com os nazistas, mas de poloneses caçando e matando judeus. Mais alguns anos, e em 1968, o regime comunista estará expurgando judeus. Tudo isso pode ser novo e até surpreendente para o espectador brasileiro, mas nos últimos anos – dez, pelo menos -, cinema e literatura têm estimulado a reflexão sobre essa fase sinistra.”

Ao fim de seu texto, Merten escreve: “Para ser fiel à época, Pawlikowski filma em preto e branco, e no formato quadrado (1.33). É um filme belo de ver, mas não esteticista. O formato favorece o embate das atrizes, com seus rostos sempre presentes. A paisagem, vista do carro, interfere no embate, entra também como fator modulador do ritmo. Ida é um filme lindamente realizado.”

Ida foi o primeiro filme do realizador Pawlikowski feito em sua terra natal

zzida6No Globo, o repórter André Miranda escreveu também um texto rico em informações importantes sobre o filme. Fascinantemente, Ida é o primeiro filme de Pawel Pawlikowski feito da Polônia e falado em polonês. “Pawlikowski nasceu em Varsóvia há 57 anos, mas deixou o país na adolescência junto com sua família, com o objetivo de fugir do regime comunista. Ele descobriu o cinema na Inglaterra e se popularizou pelos filmes Last Resort (2000) e Meu Amor de Verão (2004), ambo em inglês.”

E André Miranda transcreve o que ouviu do diretor, em entrevista pelo Skype: “Eu sempre me senti conectado com a Polônia, mas não simplesmente com o país. É uma conexão com uma era, com uma certa mentalidade antiga. Tenho na memória paisagens, rostos, músicas, o jazz Fazer o filme, para mim, foi um retorno a esse tempo. Não foi um período maravilhoso, mas tenho um sentimento nostálgico em relação àquela época.”

Na minha opinião, não é um grande filme – talvez até pelo esforço para que pareça um grande filme

 De uma maneira geral, os textos na imprensa têm ressaltado que Ida faz uma revisão histórica da época da Segunda Guerra Mundial – em que a Polônia foi invadida pelos nazistas –, da época da libertação do país pelo Exército Vermelho e da consequente implantação, à força, do regime comunista.

zzida9Pode ser que, para os poloneses, Ida esclareça pontos, elementos de como foi a Polônia sob a dominação nazista e logo em seguida sob a dominação da União Soviética da época de Stálin. Mas não acho que o filme seja útil nesse sentido para platéias que não conhecem a história recente daquele país. As referências tanto ao nazismo quanto ao comunismio são poucas, soltas, dispersas, sem que se tente mostrar o contexto. Para compreender um pouco a Polônia, seguramente qualquer filme do grande Andrzej Wajda é muito melhor.

Minha opinião não vale mais que uma moeda furada de três guaranis paraguaios, mas, para mim, é assim: Agata Trzebuchowska e Agata Kulesza dão um show de inerpretação, A fotografia é excepcional, marcante, fortíssima. Os temas abordados são valiosos, e por isso Ida é sem dúvida um filme importante. Mas, na minha opinião (que não vale nada, repito), não é um grande filme. Talvez exatamente pelo brutal esforço que o realizador faz para que ele pareça um grande filme.

Anotação em janeiro de 2015

Ida

De Pawel Pawlikowski. Polônia-Dinamarca-França-Inglaterra, 2013

Com Agata Trzebuchowska (Anna/Ida), Agata Kulesza (Wanda),

e Dawid Ogrodnik (Lis), Jerzy Trela (Szymon), Adam Szyszkowski (Feliks), Halina Skoczynska (a madre superiora), Joanna Kulig (a cantora da banda)

Argumento e roteiro Pawel Pawlikowski e Rebecca Lenkiewicz

Fotografia Ryszard Lenczewski e Lukasz Zal

Música Kristian Selin Eidnes Andersen

Montagwm Alina Falana

Produção Opus Film, Phoenix Film Investments, Canal+ Polska, com  o apoio da cidade de Lodz, Danish Film Institute, Eurimages.

P&B, 82 min

***

6 Comentários para “Ida”

  1. Acabei de assistir e fiquei com a mesmo sensação de que Pawlikowski tentava desesperadamente filmar como Bergman ou Dreyer e, no fundo o resultado não sai diferente dos filmes do Haneke. Filmes secos e tão somente isso, rasos e risíveis, especialmente em termos de características psicológicas de suas personagens.

  2. Pô…. Eu achava que minha anotação iria receber muita paulada… Que grata surpresa receber seu comentário, Eliezer. Muito obrigado, e um abraço.
    Sérgio

  3. Sergio , eu não sei porque cargas d’água temos uma opinião incrivelmente muito parecida, por isso mesmo, volta e meia entro no seu blog basicamente pra reafirmar convicções que eu já tinha. Mas o filme de fato, parece um consenso e eu não achei nada nele que vale a pena ( fora essa fotografia linda de morrer, com os personagens perdidos no canto da tela). Dos filmes que concorrem ao Oscar Estrangeiro gostei muito e estou ainda digerindo o Leviatã, e gostaria em breve, de conferir teus comentários sobre ele.

  4. O que achei mais legal no seu comentário foi a identificação da semelhança com Bergman e Antonioni. Agora, não sei se ele fez um esforço enorme para parecer grande – aí já virou julgamento seu. Eu, modestamente, achei o achei um filme médio superior, não é “o” filme, mas não há muitos como ele hoje em dia, não é verdade?

  5. “Fiquei achando que Ida é um filme feito com um esforço absurdo para ser considerado grande.”

    Exatamente o que eu pensei ao assistir o filme. E até estava tentando convencer a mim mesmo de que a minha ignorância estava obscurecendo completamente alguma capacidade de enxergar a genialidade de tal obra. Eu assistia e pensava: “esse filme seria excelente se não estivesse obcecado por ser excelente.”

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