A Arte de Amar / L’Art d’Aimer

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Nota: ★★★☆

Uma bela surpresa, uma boa descoberta: este A Arte de Amar é uma deliciosa comedinha romântica, daquelas que são de fato românticas e de fato comédias. O filme é terrivelmente engraçado.

Ele me fez conhecer Emmanuel Mouret, um jovem ator, diretor e roteirista de grande talento. Nascido em 1970, em Marselha, tem dez títulos como diretor e escritor de argumento e roteiro, e, pelo que dá para ver pelas sinopses no IMDb, é autor que quer ficar num estilo só: seus filmes são quase sempre comédias românticas. Há apenas duas exceções, que são mistura de drama e comédia.

Apesar de tão jovem, consegue atrair bons atores para seus filmes: antes deste A Arte de Amar, de 2011, que foi seu oitavo filme, sétimo longa-metragem, já havia filmado com Nicole Garcia, Nathalie Baye, Virgine Ledoyen, Isabelle Carré, Judith Godrèche, Marie Gillain, Marie Laforêt (ela mesma, a garota dos olhos de ouro!), Ariane Ascaride.

O que é uma prova cabal de que é um realizador respeitado, benquisto.

Em A Arte de Amar, um filme de muitos personagens, reuniu um elenco com grandes nomes, atores famosos, de carreira mais que consolidada – François Cluzet, Julie Depardieu (na foto abaixo), Judith Godrèche, Ariane Ascaride – com outros que eu não conhecia direito e/ou não conhecia absolutamente – Frédérique Bel, Élodie Navarre, Gaspard Ulliel, Pascale Arbillot, Michaël Cohen, mais Laurent Stocker, da Academia Francesa.

E é impressionante: todos os atores estão maravilhosamente bem Esse Emmanuel Mouret (que também está no elenco, em um papel bem pequeno) é um senhor diretor de atores.

Um misto de mosaico à la Altman com filme de esquetes

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É um misto de mosaico, ou multiplot, com filme de pequenos esquetes. O roteiro faz questão de dividir a narrativa em capítulos, alguns bem pequenos, um ou outro mais longos. São capítulos mesmo, com títulos, como nos livros – e títulos deliciosos, aliás. (Vou reproduzir todos mais adiante.) Ao longo dos capítulos, o espectador é apresentado a alguns grupos de personagens – o que caracteriza um filme de episódios, esquetes. Só que alguns personagens de um grupo acabam reaparecendo nas histórias de outro grupo – o que o transforma em filme de estrutura de mosaico, multiplot, à la Short Cuts (1993), de Altman.

Há um narrador explicando as situações, filosofando um pouquinho – a voz é de Philippe Torreton.

Antes de mim, Mary comentou, quando o filme estava aí com uns dez minutos e já tinha nos conquistado completamente, que a estrutura faz lembrar Pequeno Dicionário Amoroso (1997). Lembra, sim. É um filme tão bom quanto a pequena pérola de Sandra Werneck. (Aliás, tenho que ir atrás do Pequeno Dicionário Amoroso 2, que a realizadora lança este ano de 2015.)

Uma abertura encantadora, depois de créditos ao som de Brahms

A abertura do filme é absolutamente encantadora.

Bem, começa que, embora lançado recentemente, em 2011, o filme tem créditos iniciais – e créditos bem clássicos, fundo negro com letras brancas, de tal forma que o espectador pode prestar atenção aos nomes dos atores, do diretor de fotografia, etc. Enquanto rolam os créditos iniciais, com os nomes dos numerosos atores aparecendo em ordem alfabética, ouvimos o terceiro movimento da Sinfonia nº 3 de Brahms, o que, como disse Mary, é extremamente chique.

Ao longo do filme, ouviremos trechos de peças de Mozart e Schubert, além de, numa cena bem de clímax, de novo Brahms.

E então, terminados os créditos, surge um letreiro com o primeiro intertítulo, ou primeiro nome de capítulo: “Não existe amor sem música”. Il n’y a pas d’amour sans musique.

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A tela fica toda negra, e ouvimos a bela voz de Philippe Torreton, o narrador: – “No momento exato em que você se apaixona, uma música especial se espalha dentro de você. Como esta:” A tela fica toda amarela, e ouvimos os primeiros acordes de uma melodia. Depois ficará azul, com o iniciozinho de uma segunda melodia, e em seguida vermelha, enquanto ouvimos uma terceira melodia. (Não identifiquei nenhuma delas, mas isso não importa nada.)

E então alguns dos personagens do filme serão apresentados ao espectador enquanto o narrador prossegue seu intróito. À menção de cada nome, vemos o ator que interpreta o personagem em close-up.

– “É diferente para cada um, e pode acontecer quando menos se espera. Para Vanessa, foi enquanto ajudava William a trocar a roda da bicicleta. Para Zoé, Jéremie lhe veio à mente durante uma caminhada. Acontece até mesmo de duas pessoas se apaixonarem ao mesmo tempo, e suas músicas combinam. Foi o caso de Emmanuelle e de Paul. Laurent sonhou um dia que ouviu a música. Ele esperava – com grande impaciência – ouvi-la.”

Dois casais querendo experimentar sexo com terceiros

* Laurent (Stanislas Merhar) é o primeiro personagem que vemos em ação, depois de termos visto rápidos close-ups daqueles outros personagens citados na fala do narrador. A história de Laurent é trágica e bem curta: músico, compositor, pianista, ele compôs diversas melodias na vida, e fez com isso a felicidade de muitos amantes. Teve, ele próprio, muitas amantes – não nenhuma grande paixão na vida. (Pensei comigo: tadinho! Já eu tive tantas…)

Compôs muitas músicas – mas nenhuma para seu grande amor, que não encontrou, pois morreu cedo.

* A história de Vanessa (Élodie Navarre) e William (Gaspard Ulliel, os dois na foto acima) será contada lá pela metade do filme. Conheciam-se desde a adolescência; na faixa dos 20 e tantos, se apaixonaram, ficaram juntos. Mas, como eram muitos jovens, achavam-se poderosos, e tinham vontade de experimentar novas situações, aventuras. Vanessa conta então para William que pretende ter uma transa – uma única – com um homem que conheceu no trabalho, e que está para se mudar para bem longe, là bas, para Le Brésil. O tal colega de trabalho é interpretado pelo autor e diretor do filme, Emmanuel Mouret.

O episódio de Vanessa e William é belo, terno, delicado.

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* O episódio do casal Emmanuelle (Ariane Ascaride, na foto acima) e Paul (Philippe Magnan) tem algumas coisas parecidas com o de Vanessa e William, embora eles estejam na meia-idade, e portanto teoricamente deveriam ser mais sábios. Uma noite, Paul encontra Ariane chorando. Quando ele pergunta por que ela chora, ela responde que é porque ama muito o marido, mas vai deixá-lo, porque tem tido muita vontade de trepar com outros homens. Como não quer traí-lo, vai deixá-lo.

Não tem sentido, claro, contar o que vai acontecer com os dois. Vou aqui apenas fazer uma apresentação dos personagens – sem, naturalmente, revelar o que virá com cada um deles.

Só aproveito para lembrar que Ariane Ascaride é a musa do grande realizador Robert Guédiguian, e está em praticamente todos os filmes dele, como, para citar só dois, os maravilhosos As Neves do Kilimanjaro (2011) e Lady Jane (2008). Ariane, Guédiguian e o diretor Emmanuel Mouret têm em comum a cidade natal, Marselha.

Zoé sugere emprestar para a amiga Isabelle seu próprio marido

* Zoé e Jéremie (interpretados por Pascale Arbillot, à direita na foto abaixo, e Michaël Cohen), embora apareçam com destaque no intróito feito pelo narrador, não têm sua história contada no filme. O casal, mas principalmente Zoé, aparece em duas histórias, mas nas duas ela é apenas coadjuvante. Achei isso uma delícia, entre tantas que há no roteiro.

Zoé e sua amiga Isabelle aparecem juntas, conversando – mas a história será de Isabelle, com Zoé apenas como coadjuvante.

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* Isabelle (uma interpretação maravilhosa, apaixonante de Julie Depardieu, à esquerda na foto acima) está sem namorado há um tempão. Zoé pergunta há quanto tempo ela não trepa – um ano. Zoé argumenta que isso não pode, isso faz mal à saúde; por que ela não pede para um amigo? Zoé é toda livre leve solta, mas a própria Isabelle argumenta que ela não é assim, que ela é tímida – e ela tem mesmo um aspecto tímido, até mesmo na postura, no jeito de olhar. Nossa, como trabalha bem Julie Depardieu.

Aí Zoé sugere emprestar para a amiga o seu próprio marido, Jéremie.

* Isabelle reaparecerá bem mais tarde, na história de Amélie (Judith Godrèche, ótima, outro destaque num elenco que está todo, repito, muito bem). Amélie é casada com Ludovic (Louis-Do de Lencquesaing), um sujeito chato que – só ela mesma não percebe – não está nem aí para a mulher, não se interessa por ela, não é carinhoso, terno, coisa alguma.

Amélie tem um grande amigo, Boris (Laurent Stocker, na foto abaixo), dono de uma simpática livraria que é também sebo. São amigos faz tempo, e sempre se deram muito bem – mas um belo dia Boris diz que está sentindo desejo dela, acha que está ficando apaixonado por ela. Amélie diz que isso não poderia acontecer, que os dois são amigos, que ela é casada com Ludovic, e será sempre fiel a ele.

Nisso Amélie reencontra uma velha amiga, que há muito tempo não via: Isabelle. Voltam a conviver muito – e surgirá a partir daí um triângulo entre Boris, Amélie e Isabelle como nunca houve no mundo, um triângulo louquíssimo, estapafúrdio – e hilariante.

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O episódio de Amélie, em que rola essa coisa doida com Boris e Isabelle, é o último, e o mais longo de todos os do filme. Nele aparecerão, como coadjuvantes, Zoé e seu marido Jéremie.

* Achille e sua nova vizinha são os personagens de uma história que aparece picotada em vários pequenos capítulos, entre um episódio e outro das demais histórias. Achille é interpretado – maravilhosamente – pelo sempre ótimo François Cluzet, e a vizinha, que não tem nome, por Frédérique Bel, uma jovem e bela atriz que antes deste aqui já havia trabalhado em três filmes de Emmanuel Mouret. (François Cluzet e Frédérique Bel estão na foto abaixo.)

Primeiro conhecemos Achille. Ele está ligando para velhas amigas, conhecidas, na esperança de rolar um encontro, quem sabe uma trepadinha. Nenhuma está disponível.

Mas o pecado mora ao lado, como bem lembrou alguém da filial brasileira da 20th Century Fox quando chegou ao Brasil The Seven Year Itch, uma das melhores comédias românticas de toda a História, que Billy Wilder lançou em 1955, 15 anos antes de Emmanuel Mouret nascer. E então toca a campainha no apartamento de Achille, ele atende, e é a vizinha que tinha acabado de se mudar para o apartamento ao lado. Ela está de baby doll, um provocante baby doll – tinha acabado de acordar, foi pegar alguma coisa no corredor, a porta bateu, ela ficou trancada do lado de fora. Poderia usar o telefone? Claro, claro. Aceita um café?

A vizinha de baby doll começa a contar que acabou de se separar; nunca tinha tido experiência com outro homem na vida, mas agora estava com vontade de ter uma aventura.

Achille até que tenta se segurar um pouco – mas acaba avançando pra cima da vizinha. E ela o afasta – como assim, o que é isso?

A vizinha é doidinha. Tá doida pra dar – mas quando Achille chega perto, inventa uma história, e diz que não, é preciso esperar, é preciso ter paciência.

Haverá vários episódios com Achille e a vizinha – um tem o título de “Paciência”, outro de “Paciência, paciência”, outro ainda de “Paciência, mas não tanta”.

No episódio final, de Amélie e seu amigo, o livreiro Boris, a vizinha de Achille entra na livraria à procura de um livro sobre dificuldades no relacionamento afetivo.

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O realizador tem bom texto, e sabe fazer belos títulos

Emmanuel Mouret sabe escrever roteiro, sabe escrever bons diálogos, e sabe escrever os títulos dos episódios deste filme gostoso. Eis a relação de títulos, excluindo os já citados acima:

“Não se deve recusar o que nos é oferecido.” (É o título do episódio em que Zoé oferece o marido para a amiga Isabelle.)

“O desejo é inconstante e dança como as folhas ao vento.”

“É difícil corresponder às expectativas.”

“Sem perigo, o prazer é menos intenso.”

“Procure fazer com que as infidelidades sejam ignoradas.”

“Muitas vezes os olhos nos levam até o amor. Às vezes eles nos enganam.”

Que bom conhecer um jovem realizador talentoso

O AlloCiné, o site que tem tudo sobre o cinema francês, escreve que Mouret é um realizador de filmes independentes, de orçamento pequeno, e que por isso, e também porque tem um estilo marcante e faz sempre filmes do mesmo gênero, tem sido comparado a Eric Rohmer e Woody Allen. Os fãs de Rohmer (e eles são muitos, e em geral bastante xiitas) e de Allen talvez achem a comparação despropositada.

Mas tem a ver, sim.

É uma maravilha ficar conhecendo um realizador jovem, talentoso, inventivo, imaginativo, que se dedica a fazer pequenos filmes despretensiosos, gostosos, sobre o amor a vida a morte. Mais sobre o amor a vida, na verdade, e está certo esse Mouret: já há filmes demais falando sobre a morte.

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Anotação em julho de 2015

A Arte de Amar/L’Art d’Aimer

De Emmanuel Mouret, França, 2011

Com Julie Depardieu (Isabelle), Judith Godrèche (Amélie), Laurent Stocker (Boris), Louis-Do de Lencquesaing (Ludovic),

François Cluzet (Achille), Frédérique Bel (a vizinha de Achille),

Élodie Navarre (Vanessa), Gaspard Ulliel (William), Emmanuel Mouret (Louis),

Pascale Arbillot (Zoé), Michaël Cohen (Jéremie, o marido de Zoé),

Ariane Ascaride (Emmanuelle), Philippe Magnan (Paul),

Stanislas Merhar (Laurent), Mélanie Chaney (Annabelle), Philippe Torreton (a voz do narrador)

Argumento e roteiro Emmanuel Mouret

Fotografia Laurent Desmet

Música

Montagem Martial Salomon

Casting Guillaume Moulin e Nicolaas Ronchi

Produção Moby Dick Films, Partizan Films, Orange Cinéma Séries, Région Provence-Alpes-Côte d’Azur. DVD Europa Filmes.

Cor, 85 min

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