Tous les Soleils

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Nota: ★★★½

Uma pequena pérola, este Tous les Soleils. Belo, muito belo, sensibilíssimo filme sobre a vida o amor a morte, sobre gente como a gente, os relacionamentos, pais e filhos, perda, dor, companheirismo, solidariedade.

Aparentemente, não foi lançado no circuito comercial brasileiro; passou no Max com o título original, sem tradução para o português; o IMDb não traz título brasileiro.

O elenco não tem atores muito famosos, como a exceção de Anouk Aimée, que faz uma participação especial, e o nome do diretor – também autor do argumento, do roteiro e dos diálogos, como os filmes franceses fazem questão de ressaltar – não me disse nada. Só depois que terminamos de ver fui checar no IMDb: Philippe Claudel é o autor de Há Tanto Tempo que Te Amo/Il y a Longtemps que Je t’aime, de 2008, um filme que me deixou absolutamente embasbacado, boquiaberto.

Sobre ele anotei em 2009: é um dos melhores filmes que vi nos últimos vários anos. É uma obra-prima, uma perfeição.    Sou meio chegado a um superlativo – para o pior e para o melhor. Admito isso. Mas este filme – uma bela história sobre relações familiares, solidão, solidariedade, companheirismo, perda, segunda chance, e outros temas importantes, básicos, fundamentais – merece todos os superlativos que possa haver. Merece todas as formas que já usei aqui nestes textos para tentar expressar o que sinto diante dos grandes filmes, os maiores.

Há Tanto Tempo que Te Amo foi o primeiro filme de Philippe Claudel – e isso é fantástico, porque não parece de forma alguma uma obra de estréia. Muito ao contrário: em seu primeiro filme, o realizador já demonstrava uma segurança, um domínio absoluto do métier.

zztous3Este Tous les Soleils foi seu segundo filme como diretor; lançado em 2011, veio portanto três anos após o primeiro. Em 2013 foi lançado o terceiro, Avant l’Hiver, antes do inverno, ainda sem título no Brasil, de novo com Kristin Scott Thomas, que em Há Tanto Tempo que Te Amo teve uma interpretação maravilhosa, esplendorosa. Como nos dois primeiros, Claudel é o autor do argumento e do roteiro.

Começou no cinema jovem, mas já maduro; nascido em 1962, no interior da França, numa cidadezinha pequena, Dombasle-sur-Meurthe, tinha portanto 46 anos quando fez Há Tanto Tempo que Te Amo. É escritor, foi premiado pela sua primeira novela, em 2003; e é também professor de literatura na Universidade de Lyon.

O protagonista criou a filha sozinho, e demora a entender que ela não é mais criança

O ambiente universitário está presente em seus dois primeiros filmes, embora a trama não gire especificamente sobre a academia. No primeiro filme, a segunda personagem mais importante, interpretada por Elsa Zylberstein, é professora de literatura na faculdade de Nancy.

Alessandro, o protagonista de Tous les Soleils, interpretado por  Stefano Accorsi, é um musicólogo, e dá aula música antiga numa faculdade da Strasbourg, na Alsácia, perto da fronteira com a Alemanha.

Na primeira seqüência do filme, vemos Alessandro indo de bicicleta para a faculdade, onde fala aos alunos – atentos e bem informados – sobre o significado da tarantela, o ritmo musical italiano que vem dos séculos XIV e XV.

zztous2Aos poucos, o filme vai nos mostrando o dia-a-dia de Alessandro e um pouco da sua história. Nascido na Itália, emigrou faz muito tempo para a França, onde cursou a faculdade e conheceu Louise (Fleur Lise Heuet), sua mulher, o grande amor de sua vida. Louise morreu quando a filhinha do casal, Irina (Lisa Cipriani), era bebê. Assim, a garota – que, na época em que se passa a ação, nos dias de hoje, está com 15 anos – foi criada apenas pelo pai.

Irina é um dos problemas da vida de Alessandro. Não que ela seja o protótipo da aborrescente chata; não é. Ao contrário, é inteligente, esperta, curiosa – mas cresceu, não é mais garotinha, e um pai que cria a filha sozinho às vezes demora a compreender isso. As discussões entre os dois são frequentes, diárias.

E ultimamente Irina anda tendo atitudes políticas, de rebeldia contra todo tipo de autoridade, influenciada pelo tio, Luigi (Neri Marcorè, na foto abaixo), o irmão de Alessandro.

Quinze anos após a morte da mulher, Alessandro ainda não conseguiu suplantar a dor

Luigi é outro problema. Anarquista em tudo por tudo, Luigi saiu da Itália quando Silvio Berlusconi assumiu o poder, por absoluta incompatibilidade com o magnata-político de direita. Considera que seu país, com Berlusconi como primeiro-ministro, tornou-se uma ditadura de extrema-direita.

Como autêntico anarquista, Luigi não trabalha – tem horror ao trabalho remunerado. E então fica o dia inteiro na casa do irmão; cozinha e limpa a casa, é verdade, mas no resto do tempo vê televisão – e enche a cabeça da sobrinha de idéias que ele entende como libertárias.

zztous6Ao contrário do irmão, Alessandro tem diversas atividades. Além de dar aulas para suas próprias turmas, ainda substitui um outro professor que está sempre em licença médica. Trabalha também como voluntário, lendo para os doentes de um grande hospital da cidade. E participa de um grupo de músicos e cantores que se prepara para dar um recital de música barroca.

Em seu trabalho como voluntário, afeiçoou-se imensamente por uma senhora internada como doente terminal, Agathe – o papel de Anouk Aimée.

Mas o principal problema de Alessandro é que, quase 15 anos depois da morte de Louise, ele ainda não conseguiu suplantar a dor da perda. Tem um retrato da mulher ao lado da cama; volta e meia vê na televisão os filmes que fez quando Louise carregava a bebê Irina no colo. Jamais conseguiu estabelecer uma relação afetiva estável depois da morte da mulher.

O irmão e a filha se preocupam com ele; gostariam que ele se interessasse por alguma mulher.

O bom humor pontua o dia-a-dia do protagonista e das pessoas em volta dele

A maior parte dessas informações são passadas para o espectador nos 20 primeiros minutos do filme.

Não há, na vida de Alessandro, um grande segredo, como havia na vida de Juliette, a personagem de Kristin Scott Thomas em Há Tanto Tempo que Te Amo. Não há, na trama criada pelo diretor Claudel, grandes acontecimentos, cataclismas, imensas surpresas. Acompanhamos o cotidiano dessas pessoas, gente exatamente como a gente, gente comum, ordinary people.

zztous4Ao contrário de seu filme anterior, que é um drama pesado, em Tous les Soleils Philippe Claudel se permite um tom de humor. O IMDb classifica o filme como uma comédia, e de fato há graça em diversos momentos. Não uma graça escrachada, de provocar gargalhadas, mas um bom humor que pontua o dia-a-dia de Alessandro e das pessoas em volta dele. A rigor, Tous les Soleils não poderia ser classificado simplesmente como comédia – é uma comédia dramática. Como muitas vezes a vida real é.

Neste mundo cada vez mais competitivo, o filme é um hino à solidariedade

Como no seu filme anterior, Claudel usa uma narrativa clássica, limpa, límpida. Não há criativóis, fogos de artifício, câmara nervosa, tomadas com má iluminação. Mas aqui, em dois momentos, de maneira sutil, bela, o roteirista e diretor usa uma dose certa de fantasia.

Nesses dois momentos, está na tela a figura majestosa de Anouk Aimée, essa atriz que fez história nos cinemas francês e italiano a partir dos anos 40, trabalhando com grandes realizadores – Federico Fellini, Jacques Demy, Claude Lelouch, Bernardo Bertolucci, Robert Altman. Em 2011, quando Tous les Soleils foi lançado, estava com gloriosos 79 anos.

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O personagem que ela interpreta, Agathe, a senhora internada com doença terminal para quem Alessandro lê romances e poemas, aparece pouco na tela, mas é fundamental na história. Não só porque é através dela que surgirá na trama a figura de Florence (Clotilde Courau, na foto abaixo), mas também porque ela é o exemplo de um valor que o filme de Claudel realça de maneira magnífica: o altruísmo, a solidariedade, o companheirismo.

Em um mundo cada vez mais competitivo, individualista, é um esplendor ver este hino à solidariedade.

Um realizador que fala daquilo que conhece bem, sua própria aldeia

O primeiro filme de Claudel se baseava num romance escrito anteriormente por ele; o segundo foi a primeira história concebida por ele diretamente para o cinema, seu primeiro roteiro original.

É interessante notar que Philippe Claudel é adepto daquela máxima de que, se um autor pretender ser universal, deve falar daquilo que conhece bem, de sua aldeia. A ação de Há Tanto Tempo que Te Amo se passa em Nancy, na Lorena; onde o realizador mora; a pequenina cidade em que nasceu, Dombasle-sur-Meurthe, fica bem perto de Nancy. E Strasbourg, onde se passa Tous le Soleil, também é próxima de Nancy, na vizinha Alsácia.

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Em entrevistas, Claudel afirmou que a escolha de Strasbourg para ser o local da ação (e das filmagens) se deve também ao fato de que a cidade, sede do Parlamento Europeu, tem moradores vindos de diversos países. No filme dá para ver isso, essa coisa multicultural; afinal, o próprio protagonista é um imigrante; a enfermeira do hospital é descendente de africanos.

Como seu primeiro filme foi um sucesso de público e crítica, com mais de 1 milhão de espectadores na França, ele se sentiu à vontade para montar um elenco sem nomes conhecidos – a única estrela é mesmo Anouk Aimée. Ele disse em entrevistas que um de seus prazeres de fazer cinema é descobrir rostos que não conhecia. “Se eu tivesse pego um elenco de atores muito conhecidos, o filme não teria tido o mesmo resultado.” Falou dos italianos Stefano Accorsi e Neri Marcoré, que fazem os irmãos Alessandro e Luigi, e afirmou: “Gosto muito de  trabalhar com atores estrangeiros, misturar as origens. Foi enriquecedor ter em Strasbourg, com a tarantela ao fundo, dois atores italianos.”

Um nome para se guardar: Lisa Cipriani. A garotinha que interpreta Irina, a filha adolescente de Alessandro, leva jeito. É bonita, expressiva, fotogênica; o diretor Philippe Claudel derramou-se em elogios a ela, com toda razão.

Acertou de novo, maravilhosamente, este novo diretor. Agora, é procurar por Avant l’Hiver, seu terceiro filme.

Anotação em novembro de 2013

Tous les Soleils

De Philippe Claudel, França, 2011.

Com Stefano Accorsi (Alessandro), Neri Marcorè (Luigi), Lisa Cipriani (Irina), Clotilde Courau (Florence), Anouk Aimée (Agathe), José Luis Roig (Fernando), Xavier Boulanger (Dieter), Aude Koegler (Francette), Philippe Rebbot (Jean-Paul), Marie Seux (Malou), Margot Lefevre (a avó), Jean-Marie Holterbach (o avô), Patricia Joly (a diretora do departamento), Fleur Lise Heuet (Louise, a mulher de Alessandro)

Argumento, roteiro e diálogos Philippe Claudel

Fotografia Denis Lenoir

Montagem Virgine Bruant

Produção Union Générale Cinématographique (UGC), TF1 Droits Audiovisuels, France 3 Cinéma,

Sofica UGC 1

Cor, 105 min

***1/2

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