Simplesmente uma Mulher / Just Like a Woman

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Nota: ★★½☆

Duas mulheres pegam a estrada em um carro conversível, cabelos ao vento. Tem título de um clássico de Bob Dylan e um quê de Thelma e Louise, de Riddley Scott, este Simplesmente uma Mulher, no original Just Like a Woman, que o realizador francês Rachid Bouchareb fez nos Estados Unidos em 2012.

Foi o primeiro de uma trilogia que o diretor pretende fazer sobre as relações entre os Estados Unidos e o mundo árabe.

Bouchareb é o autor de dois grandes filmes, Dias de Glória/Indigènes (2006) e London River – Caminhos Cruzados (2009). O primeiro trata da participação no Exército francês na Segunda Guerra Mundial de homens das então colônias francesas na África. O segundo é um precioso retrato do encontro de duas pessoas inteiramente diferentes uma da outra, um imigrante africano que vive na França e uma mulher da Grã-Bretanha, que procuram por seus filhos desaparecidos depois de ataques terroristas em Londres em 2005.

Na minha opinião, este filme aqui é bem mais fraco do que os dois citados acima. Não que seja um filme ruim – não é, de forma alguma. Mas me pareceu que o roteiro às vezes se perde um pouco, deixa alguns fatos soltos, desalinhados, e as atuações – bem ao contrário das interpretações extraordinárias de Brenda Blethyn e Sotigui Kouyaté em London River – não são boas.

Duas mulheres que não têm praticamente nada em comum

zzjust6Ao contrário do que diz o título escolhido pelos exibidores brasileiros, Simplesmente uma Mulher focaliza duas mulheres, Marilyn e Mona, interpretadas respectivamente por Sienna Miller e Golshifteh Farahani.

Moram em Chicago, as duas – e isso é praticamente a única coisa que têm em comum. Quando a narrativa começa, conhecem-se apenas de vista, de dizer oi e trocar umas poucas palavras. Não são propriamente amigas, mas simpatizam uma com a outra. Vêem-se com alguma freqüência, porque Marilyn, loura, wasp (branca, anglo-saxônica, protestante, ou no mínimo criada no protestantismo), freqüenta o pequeno armazém que pertence ao casal Mourad (Roschdy Zem) e Mona – uma imigrante de um país árabe, muçulmano, que o filme faz questão de não identificar, exatamente para dizer que poderia ser qualquer um, tanto faz.

O casamento de Mona com Mourad foi daqueles arranjados pela família. Não se conheciam até o momento de se casarem. Mourad está nos Estados Unidos há muito tempo; casamento arranjado, importaram Mona de seu país de origem. Lá pelo meio da narrativa, Mourad dirá que Mona nunca havia saído de Chicago, antes; na verdade, nunca havia saído do bairro em que moram, um bairro onde há muitos imigrantes árabes.

Apesar de tudo isso, têm (ou ao menos achavam que tinham) um bom casamento. Mourad é um bom homem, um homem de bem, e ama a mulher. Mona é (ou ao menos parece ser, em boa parte da narrativa) uma jovem muito recatada, tímida, até um tanto limitada intelectualmente.

O problema da vida de Mona e Mourad é a mãe dele (interpretada por Chafia Boudraa), uma mulher tradicionalista, conservadora, presa aos costumes de seu país de origem. A mãe de Mourad inferniza a vida do casal pelo fato de que eles não têm filhos. Sequer contempla a possibilidade de que seu filho seja estéril – isso não passa pela cabeça dura dela. Para ela, a culpa é da moça. Leva-a a benzedeiras – na primeira seqüência do filme, uma mulher coloca uma flor no ventre de Mona.

A mãe de Mourad vive na Idade Média em que os muçulmanos fanáticos vivem, ou gostariam de viver. Mourad, não. É, repito, um homem de bem, e para ele não é um problema não ter filhos; sugere mesmo que adotem uma criança – mas a própria Mona diz a ele que isso seria inimaginável na cabeça retrógada da mãe.

A vida de Marilyn não vai bem – e vai piorar demais, em um único dia

Assim como a árabe Mona, a wasp Marilyn tem problemas, quando a narrativa começa – e os problemas vão piorar muito.

zzjust5Tem um emprego insatisfatório, como recepcionista de uma pequena empresa. O marido, Harvey (Jesse Harper) está desempregado.    E aqui abro parênteses. O filme citará que a taxa de desemprego é de 20%, e usará o termo recessão. É estranho, isso, porque, apesar da imensa crise econômica a partir de 2008, o nível de desemprego nos Estados Unidos jamais chegou a 20% nos últimos anos, e a ação do filme se passa nos dias de hoje. Apesar de toda a crise, apenas na Espanha, que eu saiba, a taxa de desemprego chegou a mais de 20%.

Acho importante frisar isso. Pode parecer um detalhe sem importância, mas na verdade me parece ser um dos furos do roteiro.

Mas voltando:

O marido de Marilyn, Harvey, não apenas está desempregado como ao que tudo indica não se coça muito para procurar trabalho. Prefere ficar em casa bebendo cerveja e comendo besteiras. Quando a mulher chega em casa – aquela mulher lindíssima –, não a recebe com alegria. Muito ao contrário: não só faz pouco caso do hobby dela como, pouco depois que ela chega em casa, pede um dinheirinho para sair e encontrar amigos que talvez, segundo ele argumenta, possam lhe arranjar um trabalho.

As coisas não estão bem na vida de Marilyn, mas vão piorar. Ao chegar ao trabalho, numa manhã, fica sabendo que está demitida. Ao voltar para casa no meio do dia, atônita, perplexa, por não ter mais emprego, flagra o marido comendo uma outra mulher na sua própria cama.

Perder o emprego e, no mesmo dia, ver o marido trepando com outra mulher… É difícil imaginar tragédia maior.

Me lembrei de “Cycles”, a maravilhosérrima canção que Frank Sinatra gravou: “My gal just up and left last week, Friday I got fired”.

Isso aí é que é “o meu mundo caiu”, para citar outra canção, a de Maysa.

Numa parada de ônibus, por puro acaso, as duas mulheres se encontram

O hobby de Marilyn é dançar. Tem aulas de dança com Peter (Michael Ehlers), outra pessoa do bem, bom caráter. Com diversas outras mulheres, Marilyn tem com Peter aulas de dança do ventre.

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Peter já havia dito a Marilyn que ela é a melhor de suas alunas. Havia dito também que ela deveria participar de um concurso para bailarinas de dança do ventre que seria realizado em Santa Fé, no Novo México.

Quando seu mundo cai, Marilyn vai se encontrar com Peter. O professor a incentiva a ir a Santa Fé para o concurso. Diz que tem amigos, donos de bares, situados no caminho, que podem pagar a ela uma boa grana por exibições de dança do ventre.

Marilyn junta umas roupas e inicia a longa viagem de Chicago até Santa Fé.

Paralelamente, estava ocorrendo uma tragédia na vida de Mona.

A sogra é doente, precisa tomar uma série de remédios diferentes, e é Mona que dá a ela os remédios.

Acontece que uma noite Mona deixa cair os vidros de remédios no chão.  A sogra pentelha está chamando por ela na varanda da casa. Ela pega alguns remédios do chão e leva para a sogra. Na manhã seguinte, a velha está morta.

Apavorada, atordoada, sem pensar direito, Mona resolve fugir antes de ser acusada de assassinato. Pega um ônibus para fora de Chicago; não tem idéia de para onde vai, só quer fugir.

Numa parada do ônibus, Mona vê Marilyn, e corre até ela.

Estamos aí com não mais que 20 minutos de filme.

Não parece bem construída a personagem de Mona; suas ações não têm lógica

Duas pessoas, neste planeta de oito bilhões, naquele país de mais de 310 milhões, se encontrarem junto de um bar de beira de estrada, é uma coincidência que pode perfeitamente acontecer. Algo raro, mas que pode, sim, acontecer.

zzjust8Então vá lá: que seja dado o desconto de que a trama do filme não exagerou no fato de Marilyn e Mona se reencontrarem junto de uma estrada ao Sul de Chicago. Que seja dado o desconto de que as duas não eram propriamente amigas, apenas conhecidas de vista e de olás.

Mas não consigo dar desconto para o fato de que Mona, aquela moça árabe simplória, simples, não propriamente inteligente, não propriamente independente, tenha resolvido fugir para lugar incerto e não sabido porque provocou, acidentalmente, a morte da sogra.

E me parece bastante absurdo que essa moça aceite trabalhar como dançarina da dança de ventre em bares junto com a wasp que nunca havia sido propriamente sua amiga.

E me parece absolutamente absurdo que essa moça, até então descrita como tão bobinha, tenha a imaginação e a coragem de fazer o que ela acabará fazendo quando a narrativa se aproxima do fim.

De fato, me pareceu que o roteiro tem mais furos que o melhor queijo suíço.

Também me pareceu que as duas atrizes estão muito mal

Ah, mas então Rachid Bouchareb fez este filme como o primeiro de sua trilogia sobre as relações entre os Estados Unidos e o mundo árabe.

Just Like a Woman mostra que há pessoas, nos Estados Unidos, com grande preconceito contra os imigrantes árabes. Mostra também que há pessoas que não têm preconceito contra os imigrantes árabes.

Creio que todas as pessoas que se dispuserem a ver Just Like a Woman já sabiam disso.

Mas o que mais me impressionou ao ver Just Like a Woman – que, repito, não é um filme ruim, de forma alguma – foi como trabalham mal a belíssima Sienna Miller e a também bela Golshifteh Farahani.

Como é possível uma coisa dessas?

Enquanto via o filme, pensei: deve ser porque Bouchareb está dirigindo um filme numa língua que não é a dele, num país estranho.

Mas isso não bate com a realidade dos fatos. London River foi filmado na Inglaterra, e Brenda Blethyn tem uma interpretação extraordinária.

Tudo bem: Brenda Blethyn é uma atriz extraordinária. Mesmo se fosse dirigida por Ed Wood, o cara que é tido como o pior diretor de cinema do mundo, trabalharia extraordinariamente.

Já vi alguns filmes com Sienna Miller, essa mulher de beleza acachapante. Ela nunca havia me surpreendido por ser uma atriz ruim, nem por ser boa. Me parece mediana. Mas aqui ela está péssima, abaixo de qualquer nível mínimo.

Anna Karenina

Não identifiquei, ao ver o filme, a garota Golshifteh Farahani. Erro meu. Essa moça tem uma filmografia absolutamente respeitável, que inclui o extraordinário Procurando Elly, de Ashgar Farhadi (2009) e também Rede de Mentiras, de Ridley Scott (2008).

Estranho: Golshifteh Farahani é iraniana, nascida em Teerã, em 1983. É portanto persa, e não árabe. Sua língua natal não é o árabe, e sim o farsi.

Que Hollywood confunda persa com árabe seria normal. Os americanos, em geral,  não conseguem entender absolutamente nada do mundo que existe além de suas fronteiras. Sarah Palin, que foi candidata a vice-presidente do país pelo Partido Republicano, não sabia que existem duas Coréias, nem que a Rainha Elizabeth II não é a chefe do governo do Grã-Bretanha.

Mas, cacete, que Rachid Bouchareb tenha escolhido uma atriz persa para fazer o papel de uma árabe me parece esquisito.

Que tenha levado uma persa que faz o papel de árabe e uma americana criada na Inglaterra a interpretarem de forma tão tosca, tão ruim, me parece mais esquisito ainda.

Uma outra opinião: o AllMovie dá 2 estrelas em 5 para o filme

O belíssimo site AllMovie traz uma sinopse assinada por Jason Buchanan, de quem já li bons textos. Diz ele:

“Duas mulheres fugindo de suas vidas opressivas encontram a amizade na estrada neste drama independente do autor-diretor Rachid Bouchareb. Uma imigrante do Norte da África de 26 anos, Mona (Golshifteh Farahani), teve arranjado um casamento agora estagnado com Mourad (Roschdy Zem) – um homem que se acovarda na presença da mãe dominadora. Embora Mona tenha uma vida decente tomando conta do modesto mercado da sogra em Chicago, o fato de ela não ficar grávida começa a pesar em sua relação com Mourad. (Hum… Não me parece muito exata essa frase: a falta de gravidez pesa é na relação do casal com a mãe dele.)

zzjust9“Enquanto isso, a aspirante a bailarina de dança do ventre Marilyn, de 29 anos, acaba de ser demitida de seu emprego como recepcionista numa pequena empresa de conserto de computadores quando flagra o marido a traindo. É o último de uma longa lista de desapontamentos, e serve de motivo para ela sair da cidade e fazer um teste em uma famosa companhia de dança de Santa Fe, Novo México. Quando um mistura de medicamentos resulta na morte de sua sogra, Mona foge da cidade com medo de ser presa por assassinato, e acontece de encontrar Marilyn numa parada na estrada. Embora as duas mulheres tivessem um contato apenas casual, elas gradualmente começam a forjar laços de proximidade enquanto viajam pelo país, ganhando dinheiro com a dança do ventre. O marido de Marilyn reporta seu desaparecimento à polícia, que está começando uma busca por Mona. Agora, quanto mais para longe as duas mulheres fogem de suas antigas vidas, mais forte fica sua amizade, e menos certo se torna seu futuro.”

Como se vê, o AllMovie fez apenas uma sinopse do filme; não foi escrita uma crítica. Mas o site traz uma cotação dos editores, de 2 estrelas em 5.

Digo mais uma vez: me pareceu que Just Like a Woman tem alguns problemas, mas não é, de forma alguma, um filme ruim. Quem viu outros filmes de Rachid Bouchareb seguramente vai ver qualidades neste aqui.

E vale registrar que o realizador já terminou seu filme seguinte, feito depois deste aqui. La Voie de l’Ennemi, nos Estados Unidos Two Men in Town,  é outra co-produção França-Estados Unidos; a ação se passa mais uma vez no Novo México, e no elenco estão grandes nomes: Forest Whitaker, Harvey Keitel, Ellen Burstyn, Luis Guzman e, de novo, Brenda Blethyn.

Anotação em janeiro de 2014

Simplesmente uma Mulher/Just Like a Woman

De Rachid Bouchareb, França-EUA-Inglaterra, 2012.

Com Sienna Miller (Marilyn), Golshifteh Farahani (Mona)

e Roschdy Zem (Mourad), Chafia Boudraa (a mãe de Mourad), Jesse Harper (Harvey), Michael Ehlers (Peter, o professor de dança), Bahar Soomekh (Soha, a policial), Tim Guinee (George, o policial), Sayed Badreya (Tarek, o dono do primeiro bar)

Roteiro Joelle Touma, Marion Doussot e Rachid Bouchareb

Baseado em história de Rachid Bouchareb

Fotografia Christophe Beaucarne

Música Éric Neveux

Montagem Matt Garner

Produção 3B Productions, ARTE France, Artificial Eye, CNC, Doha Film Institute, Minerva Pictures Group, Taghit, Tassili Films, The 7th Floor, The Bureau. DVD Imovision.

Cor, 90 min

**1/2

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