Loft

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Nota: ★★★☆

A idéia, a base da trama é fascinante. Cinco amigos, todos casados, quase todos em confortável situação financeira, aí entre 30 e muitos e 40 e poucos anos, dividem o belíssimo apartamento de um deles – o loft do título – para suas aventuras extra-conjugais.

São amigos de muito tempo, são íntimos. Às vezes reúnem-se todos, com suas mulheres, na casa de um deles.

De repente uma mulher aparece morta na cama do apartamento da trepação.

Os cinco se reúnem no apartamento, a mulher morta ali diante deles, e começam a discutir o que fazer, quem é a mulher, se algum deles a conhece, quem poderia ter sido o assassino.

A amizade de décadas vai para o ralo em instantes. Nenhum deles parece mais acreditar nos outros, todos suspeitam de todos.

E cadáveres horripilantes começam a sair do armário. Ao longo do tempo, cada um guardou em segredo sua dose de pecados, problemas, questões inconfessáveis, atos impensáveis.

Uma trama tão fascinante que deu origem a três filmes em seis anos!

A idéia, a trama, a história são de autoria de Bart De Pauw, escritor, roteirista, ator, homem de TV, nascido em Flandres, Bélgica, em 1986.

A história é tão absolutamente fascinante que resultou em três filmes diferentes, realizados no curtíssimo espaço de seis anos. Primeiro houve uma versão feita na Bélgica, o país do autor, Loft, de 2008, dirigido por Erik Van Looy, ele também natural de Flandres, também ator e roteirista.

Apenas dois anos depois veio esta refilmagem aqui, Loft, de 2010, uma produção holandesa, dirigida por Antoinette Beumer.

E, em 2014, veio a re-refilmagem feita nos Estados Unidos, The Loft, com a ação transposta para uma metrópole americana. Os personagens, parece, são os mesmos, as situações são as mesmas – apenas os nomes foram trocados por nomes comuns nos Estados Unidos.

Muitas vezes a arte imita a vida, e então temos que as histórias envolvendo essas três versões cinematográficas da mesma trama são quase tão fascinantes e complexas quanto a triste história em si dos cinco amigos surpreendidos com uma mulher morta no apartamento que dividem.

Houve um grave acidente durante as filmagens deste Loft holandês de 2010: um andaime de cerca de 10 metros de altura desabou, ferindo seis pessoas, inclusive a diretora Antoinette Beumer, que teve um braço quebrado e ferimentos na mandíbula.

Impedida de trabalhar durante alguns dias, foi substituída – incrível! – pelo belga Erik Van Looy, que havia dirigido a primeira versão.

Antoinette Beumer retomou o trabalho, e as filmagens prosseguiram normalmente. Consta que, na fase da edição do material filmado, a diretora não conseguia distinguir as tomadas feitas pelo colega belga das que ela própria dirigira.

Consta também que a realizadora tentou dar um papel secundário a sua irmã Famke Janssen – que se radicou nos Estados Unidos e participou de vários filmes de grande orçamento e marketing, como os da série X-Men e 007 Contra Golden Eye. Acabou não dando certo por causa dos muitos compromissos da bela Famke Janssen.

A beleza de Famke Janssen não faz falta nesta segunda versão de Loft: as atrizes que interpretam as diversas personagens do filme holandês esbanjam beleza.

Para dirigir a terceira versão da história, a re-refilmagem americana, os produtores chamaram – incrível! – Erik Van Looy, o diretor da primeira versão e de algumas sequências da segunda.

The Loft, a versão americana, não tem grandes astros no elenco. O único ator que conheço é James Marsden. Mas está no elenco Matthias Schoenaerts, que participou da primeira versão, a belga.

A trama sensacional é como um gigantesco quebra-cabeça – e tudo se encaixa

zzloft6A realizadora Antoinette Beumer e a roteirista Saskia Noort optaram por uma narrativa que foge absolutamente da cronologia. Misturam-se, ao longo dos 108 minutos do filme, ações do passado mais distante, do presente, do passado mais recente. Começa com um fato e uma imagem de grande impacto: um corpo cai do loft – o último andar de um prédio de uns cinco ou seis – sobre um carro parado junto à calçada.

Cenas de um casal fazendo sexo – big close-ups, belíssimas tomadas.

Em seguida vemos um dos cinco amigos chegar ao apartamento e se deparar com o quadro de horror: a mulher está nua, na cama cheia de sangue; há cortes visíveis nos braços dela.

E vamos vendo os demais condôminos, chamemos assim, chegando ao apartamento.

Alternam-se a essas seqüências diversas tomadas que mostram os amigos sendo interrogados por uma dupla de policiais, um homem e uma mulher.

E, em meio às sequências dos cinco no apartamento diante do corpo da mulher morta e das sequencias de interrogatório na Polícia, começam a vir os flashbacks, histórias do passado, desde antes mesmo de Matthias, o arquiteto (Barry Atsma), passar a ser o dono do loft e distribuir quatro chaves para cada um dos quatro amigos.

Em suma: a narrativa foge da ordem cronológica como o diabo foge da cruz. As sequências vão e voltam no tempo – e os flashbacks também não são apresentados cronologicamente, mas de acordo com os temas que vão surgindo nas sequências do dia em que a mulher foi encontrada morta no apartamento.

Eu, pessoalmente, fui ficando com o passar do tempo cada mais apreciador de uma boa ordem cronológica. Tudo bem: há o recurso da narrativa-laço: começa num momento de grande impacto – um corpo caindo do último andar de um prédio em cima de um carro estacionado junto à calçada, por exemplo, aí volta lá atrás no tempo, para o momento em que a história começou, e vem vindo, vem vindo, até chegar ao momento em que o corpo caiu – e aí avança um pouco mais até o desfecho. Dezenas, centenas de filmes (e textos) contam a história assim. Tudo bem, é um bom recurso.

Mas essa coisa de ir e voltar no tempo, e em especial voltar para pontos desencontrados do passado, foi me cansando, à medida em que fui ficando velho. Fui gostando cada vez mais de narrativas simples, escorreitas, diretas.

zzloft8Mas reconheço, sem a menor sombra de dúvida: a história criada por Bart De Pauw não poderia, de forma alguma, ser contada em ordem cronológica. Tinha que ser contada exatamente assim, como escreveu a roteirista Saskia Noort. É assim – misturando as épocas, à medida em que os fatos vão sendo revelados no dia fatídico em que a mulher é encontrada no apartamento – que a história fascina o espectador. Fascina, assusta, surpreende.

A trama criada por Bart De Pauw e roteirizada por Saskia Noort é de fato fascinante, assustadora, surpreendente. É daquelas tramas brilhantes de thriller, bem engendradas, que parecem um grande quebra-cabeça, daqueles de mil peças – mas, ao final, o espectador percebe que não ficou faltando uma peça sequer das mil. Não há furo, tudo se encaixa.

Nesse sentido, de trama bem engendrada e bem exposta, Loft faz lembrar grandes thrillers como, só para dar uns poucos exemplos, Sleuth – uma trama que também teve duas versões, uma em 1972, no Brasil Jogo Mortal, outra em 2007, no Brasil Um Jogo de Vida ou Morte –, e Os Suspeitos/The Usual Suspects.

O visual é todo estiloso, mas a trama é tão boa que nada atrapalha

O tipo de visual escolhido pela diretora Antoinette Beumer e seu diretor de fotografia Danny Elsen é aquele estiloso. Um excesso de ultra super big close-ups: durante quase metade do filme, vemos um rosto ocupando a tela inteira. A câmara muitas vezes é nervosa como uma mulher à beira de um ataque de nervos. A montagem é acelerada, tomadas curtas, muitos cortes.

É o de menos. A história é tão fascinante, os atores todos são muito bons, que ninguém liga muito para excesso de close-ups e tomadas curtas e movimentos nervosos de câmara.

Em um filme tão violento, cruel, há a perspicácia, a sensibilidade femininas

Acho muito interessante que tanto a realizadora quanto a autora do roteiro sejam mulheres – e eis aí uma opinião que é bastante difícil de esclarecer. Vou tentar.

Não que eu ache que as mulheres devam fazer apenas filmes sobre sentimentos, sensações, emoções. Não é nada disso. As mulheres têm todo o direito de fazer qualquer tipo de filme que quiserem – não deve haver reserva de mercado. Não é isso que penso. Apenas acho interessante, um tanto inusitado ainda, talvez, que tenham sido duas mulheres as principais autoras de um filme tão cru, tão seco, tão violento, tão cruel. Há diversas cenas de violência explícita demais.

Mas a verdade é que, neste Loft holandês, em meio a tanta coisa em geral associada aos machos, há um pouco – ou até bastante – de uma visão feminina, de perspicácia e aguçada sensibilidade feminina.

zzloft5São fascinantes os diálogos entre o psicólogo Bart (Fedja van Huêt) e sua mulher Eva (Hadewych Minis), assim como os entre o beberrão Willem (Jeroen van Koningsbrugge) e sua mulher Annette (Lies Vissche). As mulheres percebem que há cheiro de traição no ar.

E, à medida em que a trama vai se desenrolando, é fácil o espectador passar a suspeitar – assim como Matthias começa a suspeitar – que talvez as cinco esposas todas soubessem já fazia algum tempo das traições, e da existência do loft, o antro de infidelidade conjugal.

A sequência do grande evento beneficente, de arrecadação de fundos para trabalhos sociais na África, que vem quando a narrativa já se aproxima do final, é extraordinária, excepcional, de fazer quem gosta de filme babar aplaudir de pé como na ópera.

Nessa sequência, Antoinette Beumer demonstra a competência dos grandes diretores de thrillers, dos melhores em atuação – misturado a uma sensibilidade, um olhar feminino que enriquece de maneira estupenda a força do filme.

Não sei como terão sido as versões belga e americana; até gostaria de ver a belga, se tiver a oportunidade. A americana me parece absolutamente dispensável. Mas o fato é que este Loft holandês é uma beleza de thriller.

Anotação em julho de 2014

Loft

De Antoinette Beumer, Países Baixos, 2010.

Com Fedja van Huêt (Bart Fenneker), Barry Atsma (Matthias Stevens), Gijs Naber (Robert Hartman), Jeroen van Koningsbrugge (Willem van Eijk), Marwan Kenzari (Tom Fenneker) – os maridos

Hadewych Minis (Eva Fenneker), Kim van Kooten (Nathalie Stevens), Katja Herbers (Marjolein Hartman), Lies Visschedijk (Annette van Eijk), Charlie Dagelet (Linda Fenneker) – as esposas

Anna Drijver (Ann Marai), Sallie Harmsen (Sarah Lunter), Esmee Van Kampen (Anja) – as outras

Roteiro Saskia Noort

Baseado na história de Bart De Pauw

Fotografia Danny Elsen

Música Wolfram de Marco

Montagem Philippe Ravoet e Annelien van Wijnbergen

Produção Millstreet Films, Pupkin Film, Woestijnvis.

Cor, 108 min

***

5 Comentários para “Loft”

  1. Comecei a ver esse filme vendida, achando que era o com Matthias Schoenaerts, mas como achei bom continuei assistindo até mais da metade. Depois resolvi parar, e ir atrás do original (ambos são difíceis de ser encontrados; viva a internet!), e só depois o retomei e vi até o fim.

    Não vou falar do filme, porque você já falou muito bem, e esse é o tipo de história em que não dá para comentar muito os detalhes, que são minhas partes preferidas. Então vou fazer algumas considerações/comparações, já que vi duas das versões.

    – Embora digam que o original é sempre melhor, gostei um pouco mais dessa versão, achei os atores mais bem dirigidos, incluindo os secundários, que no belga são ruins. Não sei se pelo olhar feminino da diretora, já que nós mulheres conhecemos ou convivemos com canalhas, mas o ator que faz o dono do loft, por exemplo, está ótimo, muito mais nojento e mau caráter que o do filme original. A dupla de policiais também está superior neste filme holandês, sarcástica e contundente.

    – Os inúmeros flashbacks são melhor resolvidos no filme belga; neste aqui ficaram meio cansativos, e eu demorava um pouco para saber que a história havia voltado.

    – Quando faltam dez minutos para a ação terminar, há a cena da resolução, em que a narrativa volta ao começo; no original, ela é longa e arrastada, com atuações um pouco fracas. No holandês a diretora optou por enxugar a cena, e foi uma ótima opção.

    – No belga há um super furo que interfere no desfecho da história. Neste eles tiveram o cuidado de não deixar passar.

    – O ator que interpreta o melhor amigo do dono do loft no original, tem uma aparência estranha, que combina com o personagem e sua personalidade no mínimo sombria, já que o cara é um verdadeiro weirdo. No holandês, o ator é mais simpático (parece o Harry Potter numa versão adulta).

    – Uma curiosidade é que embora o holandês tenha sido dirigido por uma mulher, nele as cenas de sexo são mais ostensivas e agressivas. No belga o diretor pegou leve.

    Por fim, a trama é mesmo sensacional. Os dois filmes são bons e bem feitos, porém se fosse pra escolher, acho que eu ficaria com a refilmagem, mesmo não tendo o talento e a beleza de Matthias Schoenaerts (mais magro e com cabelos escuros, acho que por conta do personagem). Foi bom vê-lo atuar falando sua língua materna.
    Mas na falta de Matthias, temos outro colírio, Fedja van Huêt, embora com uma atuação irregular (ainda assim, melhor que o ator belga, que achei muito careteiro).

    P.S.: A primeira foto é do filme de 2008.

  2. Maravilha de comentário, Jussara! Muito melhor que o meu texto!

    Tirei a foto que era da versão original. Obrigado!
    Sérgio

  3. Eita, Sérgio, baita elogio! Ganhei o dia e a semana, mas claro que é bondade sua!!
    Se você conseguir ver a versão original, adoraria saber suas impressões.

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