Contágio / Contagion

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Nota: ★★★☆

O horror mais apavorante não vem de fantasmas, de seres do outro mundo: vem da cabeça da gente, essa cabeça que pode explodir, como dizia o jovem Walter Franco. Estão aí filmes apavorantes como O Iluminado, Repulsa ao Sexo e O Inquilino para provar isso.

Da mesma forma, o apocalipse que parece mais assustador não é de uma guerra atômica, a colisão com um meteorito gigantesco ou a invasão de alienígenas guerreiros, e sim o provocado por um vírus.

Guerra nuclear, meteorito, alienígenas guerreiros são eventos distantes demais da realidade, do dia-a-dia. Vírus é algo bem mais palpável, mais perto da experiência cotidiana de cada um de nós.

Já houve diversas epidemias de doenças letais. A gripe espanhola matou milhões de pessoas no início do século XX. Nos anos 80, parecia que a aids iria dizimar boa parte da população mundial – e de fato matou milhares e milhares de pessoas.

Isso é que faz de Contágio um filme assustador, apavorante. Contágio é mais apavorante do que dezenas e dezenas de filmes de horror já produzidos.

Um clima, um jeito de documentário, de reportagem feita às pressas, com urgência

Steven Soderbergh deu ao filme um clima, um ar, um jeito próximo de um documentário, de uma reportagem de TV. O visual é um tanto sujo, descuidadao (propositadamente, é claro), como se tudo tivesse sido filmado às pressas, com urgência, correndo contra o tempo, contra o relógio, contra o horário de fechamento da edição.

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Antes de ver qualquer coisa, o espectador ouve uma tosse. A tela ainda está toda negra, e ouve-se o ruído de uma pessoa tossindo. Só uns dois segundos depois surge o rosto de Gwyneth Paltrow (na foto acima), quase em close-up. Surge um letreiro: “Day 2”.

Toca o celular, e Beth Emhoff (este é o nome da personagem de Gwyneth Paltrow) atende. Dá um sorriso ao identificar no celular quem está ligando. A voz masculina do outro lado do telefone diz: – “Você fez sexo comigo num hotel e foi embora sem dizer adeus”.

A câmara permanece fixa no rosto de Beth. Pelo diálogo, dá para perceber que ela havia ligado para aquele homem, propondo o encontro. Só mais tarde, no entanto, o espectador saberá que Beth estava naquele momento voltando de uma viagem a trabalho em Hong Kong, tinha parado em Chicago, para pegar outro vôo para sua cidade, Minneapolis, e aproveitara a parada para ligar para o antigo namorado.

No meio da conversa, Beth tosse novamente. O homem pergunta se está tudo bem, ela responde que sim, só está cansada, com jet-leg. Ele diz: “Vá para casa e descanse. Hong Kong fica muiro longe”.

O vôo dela de Chicago para Minneapolis é chamado.

Corta, e um letreiro diz: “Kowloon, Hong Kong. População 2,1 milhões”. Um rapaz chinês sai do trabalho e chega em casa. Parece febril.

Em seguida outro letreiro avisa: “Londres, Inglaterra. População 8,6 milhões”. Vemos uma jovem em um prédio, saindo dele, andando em um táxi. Parece febril. Logo em seguida é encontrada morta.

CONTAGION

“Minneapolis, Minnesota. População 3,3 milhões.” Beth Emhoff está chegando em casa, abraçando o filho, sendo recebida pelo marido Mitch (o papel de Matt Damon, na foto), saudoso e sorridente, que, é claro, desconhece o fato de que a mulher acaba de traí-lo com um ex-namorado durante a passagem por Chicago.

“Tóquio, Japão. População 36,6 milhões.” Um homem de meia-idade, de terno, tem a aparência febril.

Quando o letreiro informa “Dia 3”, estamos em Atlanta, Geórgia, no Centro para Controle e Prevenção de Doenças. O Dr. Ellis Cheever, diretor do Centro (interpretado por Laurence Fishburne), será um dos personagens mais importantes da trama.

O filme estressa a idéia de que, neste mundo globalizado, não há barreiras para um vírus

É muito grande o número de cidades em que se passa a ação de Contágio, em vários continentes. A narrativa vai pular de um lugar para outro incessantemente, constantemente. Steven Soderbergh estressa a idéia de que este é um mundo globalizado, em que tudo está interconectado. Não há barreiras capazes de impedir a circulação de um vírus por todas as partes do planeta.

É também muito vasto o número de personagens que passam pela tela. Mitch, o marido traído, é, ao lado do dr. Ellis do Centro para Controle e Prevenção de Doenças, um dos que estarão mais presentes ao longo de toda a narrativa. Mas há vários outros personagens importantes. Os principais, além dos já citados, são estes:

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* A dra. Erin Mears (a sempre extraordinária Kate Winslet, na foto acima) é uma experiente pesquisadora da equipe do dr. Ellis. Será enviada pelo chefe para Minneapolis, onde a doença provocada pelo vírus fatal começa a fazer mais e mais vítimas;

* A dra. Leonora Orantes (o papel da maravilhosa Marion Cotillard) é outra experiente pesquisadora, que trabalha na sede da Organização Mundial de Saúde em Genebra, Suíça, e será enviada para Hong Kong, o lugar de onde aparentemente o vírus começou a se espalhar por todos os continentes;

* A dra. Ally Hextall (a bela Jennifer Ehle, na foto abaixo) é outra pesquisadora da equipe do dr. Ellis em Atlanta: trabalhará incessantemente na tentativa de chegar a uma vacina contra o novo vírus;

* Alan Krumwiede (o papel de Jude Law) é um jornalista free-lancer, muito chegado a uma teoria conspiratória da história. Escreve num blog, desanca com a OMS, com as autoridades americanas da área de saúde de maneira ampla, geral e irrestrita, e instiga seus leitores contra a indústria farmacêutica;

* Roger (o papel de John Hawkes, esse extraordinário ator em rápida ascensão no cinema americano) é um simples faxineiro que trabalha no Centro para Controle e Prevenção de Doenças. Ele pede um aconselhamento ao dr. Ellis sobre o que fazer com seu filho, que está tendo problemas na escola, falta de atenção. O personagem servirá para mostrar como o dr. Ellis é um homem de imenso caráter.

Um realizador incansável, e tudo o que faz é no mínimo bom

Steven Soderbergh é uma figura única. O cara tem uma energia, uma capacidade de trabalho absolutamente impressionantes. É uma daquelas pessoas que parecem viver dias que têm 72 horas, das quais trabalham durante umas 70. Daquelas pessoas que parecem trabalhar todos os dias do ano, sem folga alguma – férias, então, nem pensar -, e para quem o ano parece ter 565 dias.

Fico exausto só de pensar em como esse cara trabalha.

zzcontagio5E o mais fantástico é que tudo que ele faz é bom. No mínimo bom – e volta e meia ele chega a ser genial.

O cara é fodinha.

Vejo agora no IMDb que o diretor de fotografia de Contágio é… Steven Soderbergh! Usa o pseudônimo de Peter Andrews, mas é ele mesmo! É. O bicho é fodinha – e muito doido.

No elenco fantástico, há oito atores que já foram indicados ao Oscar

Aí vão infomações sobre o filme e a produção do filme, tiradas da página de Trivia do IMDb, com algumas pitadinhas minhas:

* O trio Gwyneth Paltrow, Matt Damon e Jude Law já havia trabalhado junto, em O Talentoso Ripley (1999), baseado no mesmo livro de Patricia Highsmith que no início dos anos 60 havia dado origem a O Sol por Testemunha, de René Clément, com Maurice Ronet, Alain Delon e Marie Laforêt. Reuniram-se de novo aqui – mas não há cena alguma em que Jude Law apareça ao lado de Gwyneth ou de Matt Damon. Estes dois, embora façam papéis de marido e mulher, aparecem juntos em cena por poucos segundos.

* O elenco reúne diversos nomes de atores indicados para o Oscar e/ou premiados com a estatueta. Lembrando: Marion Cotillard foi a melhor atriz por Piaf – Um Hino ao Amor (2007). Matt Damon foi um dos ganhadores do Oscar de Melhor Roteiro original por Gênio Indomável (1997), junto com seu amigo Ben Affleck. Laurence Fishburne teve indicação de melhor ator por Tina (1993). Elliott Gould foi indicado como melhor coadjuvante por Bob, Carol, Ted e Alice (1969). John Hawkes foi indicado como melhor coadjuvante por Inverno da Alma (2010). Jude Law já teve duas indicações. Gwyneth Paltrow venceu como melhor atriz por Shakespeare Apaixonado. Embora tão jovem, Kate Winslet já teve seis indicações ao Oscar, e venceu como melhor atriz por O Leitor (2008).

* A belíssima Jennifer Connelly foi considerada para o papel de Beth Emhoff, que acabou ficando com Gwyneth Paltrow. Não faria muita diferença – o papel de Beth Emhoff, uma das primeiras pessoas a pegar o vírus, na viagem a trabalho a Hong Kong, embora muito importante, é bem pequeno. Mas achei que Gwyneth – uma atriz que admiro bastante – estava um tanto mal tratada, enfeiada, no filme. Deve ter sido de propósito.

zzcontagio6* A voz do ex-namorado de Beth Emhoff, o personagem de Gwyneth Paltrow, com quem ela dá uma trepadinha na passagem por Chicago, ao voltar de Hong Kong, e que o espectador ouve na primeira sequência do filme… é de Steven Soderbergh! Claro, o cara só dirige o filme e faz a direção de fotografia. Sobrou um tempinho, e ele aproveitou para fazer o voz em off. Economizou uns trocados.

* Todas as cenas com Kate Winslet foram filmadas em apenas dez dias.

* A sequência em que o personagem de Jude Law, o jornalista free-lancer Alan Krumwiede, tenta vender uma matéria para uma editora do San Francisco Chronicle, foi de fato filmada na redação do jornal. A atriz que interpreta a editora sentou-se à mesa da repórter Benny Evangelista, que, como toda mesa de bom repórter, é uma tremenda bagunça.

* O filme teve um consultor de peso, o dr. Ian Lipkin, professor de epidemiologia na escola de saúde pública Mailman, da Universidade de Columbia.

Scott Z. Burns, o autor do argumento e do roteiro, tem um belo currículo

O autor do argumento e do roteiro, Scott Z. Burns, é um talento. Em 2006, estreou tanto como roteirista quanto como diretor em Pu-239/The Half Life of Timofey Berezin, um filme fascinante, uma visão da vida nos escombros do império soviético – aterradora, apavorante, inquietante, assustadora, com ecos da tragédia de Chernobyl. Steven Soderbergh e seu amigo George Clooney deram uma grande força para a estréia de Burns: foram produtores executivos do filme.

Mais recentemente, em 2013, Scott Z. Burns escreveu o roteiro de outro filme interessantíssimo, também aterrador, apavorante, inquietante, Terapia de Risco/Side Effects, dirigido por Soderbergh – em, que trabalha Jude Law.

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Burns e Soderbergh trabalharam juntos (o primeiro escrevendo, o segundo dirigindo) em O Desinformante!, de 2009, em que o papel principal é feito por Matt Damon.

Segundo o IMDb, os dois pensaram em fazer, logo depois de O Desinformante!, uma cinebiografia da cineasta alemã Leni Riefenstahl, colaborada do nazismo, autora de Triunfo da Vontade, de 1935. Acabaram desistindo do projeto já que o filme teria sem dúvida uma audiência bastante limitada. Foi então que pensaram em fazer um drama de suspense sobre um novo vírus com potencial letal altíssimo.

Criaram um filme apavorante, aterrorizante, que não é, de forma alguma, indicado para todas as audiências. Muito ao contrário. Gente com nervos à flor da pele deveria evitar Contágio.

Eu mesmo tentei ver o filme em um dia ruim, o sábado de carnaval, em que tive uma hemorragia no olho, uma coisa feia, assustadora. Fomos a um pronto-socorro específico de oftalmologia, a oftalmologista – que me transmitiu muita segurança – examinou bem, e disse que é algo muitíssimo mais comum do que pode parecer, que não tem nada a ver com a visão e com o tempo passa. Mesmo já estando mais tranquilizado com isso, no entanto, simplesmente não consegui ver mais do que cinco, no máximo dez minutos de Contágio.

Só me dispus a sentar para ver o filme alguns dias depois. É apavorante, aterrorizante – mas é danado de bom.

É como diz Sting em sua bela canção: how fragile we are, how fragile we are, how fragile we are, how fragile we are.

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Anotação em março de 2014

Contágio/Contagion

De Steven Soderbergh, EUA, 2011.

Com Matt Damon (Mitch Emhoff), Laurence Fishburne (Dr. Ellis Cheever), Marion Cotillard (Dra. Leonora Orantes), Jude Law (Alan Krumwiede), Gwyneth Paltrow (Beth Emhoff), Kate Winslet (Dra. Erin Mears), Bryan Cranston (Lyle Haggerty), Jennifer Ehle (Dra. Ally Hextall), Elliott Gould (Dr. Ian Sussman), Chin Han (Sun Feng), John Hawkes (Roger),

Argumento e roteiro Scott Z. Burns

Fotografia Steven Soderbergh (sob o pseudônimo de Peter Andrews)

Música Cliff Martinez

Produção Warner Bros., Participant Media, Imagenation Abu Dhabi FZ,

Double Feature Films, Regency Enterprises.

Cor, 106 min

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