Broadway Danny Rose

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Nota: ★★★½

Woody Allen lançou Broadway Danny Rose em 1984. Pelas minhas contas, foi seu 12º longa como realizador. O terceiro em preto-e-branco, numa óbvia homenagem a seus ídolos Ingmar Bergman e Federico Fellini. O terceiro dos 13 da era Mia Farrow (1983-1992), depois de Sonhos Eróticos de uma Noite de Verão (1982) e Zelig (1983).

Não é considerado como uma das maiores obras do cineasta. Para não ir muito longe, basta lembrar que logo em seguida ele faria A Rosa Púrpura do Cairo (1985) e Hannah e Suas Irmãs (1986), grandes filmes, filmaços, obras-primas.

Broadway Danny Rose é um dos filmes de Allen de que mais gosto.

É tremendamente engraçado. Mas, sobretudo, é um filme de uma imensa ternura pelos personagens que retrata. Woody Allen é um realizador que sabe ser extremamente cruel com muitos de seus personagens. Aqui, não. Aqui ele demonstra imensa compaixão, imensa simpatia pelos seres que criou.

Em Broadway Danny Rose, ele faz uma elegia doçamarga das pessoas simples, comuns, gente como a gente, pessoas que não são ricas, não têm grande talento, não têm gigantesco sucesso, fama.

Para Danny Rose, o protagonista da história – o papel do autor-diretor –, o que mais conta na vida é a amizade, a solidariedade. Não o sucesso, a fama, a glória, a fortuna, mas a amizade, a solidariedade.

Ao revermos o filme agora, Mary fez a ligação, antes que eu fizesse: Broadway Danny Rose é capriano.

É perfeita a definição dela. Broadway Danny Rose é o mais capriano dos filmes de Woody Allen.

Confortavelmente instalado em alguma nuvem gostosa, talvez ao lado do anjo Clarence que criou em A Felicidade Não Se Compra (1946), Frank Capra deve ter se levantado para aplaudir de pé, como na ópera, quando viu Broadway Danny Rose.

zzdanny2Nas mesas de bar, as pessoas costumam falar mal dos outros. É um esporte universal as pessoas se reunirem em torno de uma mesa de bar para falar mal dos outros.

Quanto mais competitiva é a profissão, mais as pessoas falam mal das outras, nas mesas de bar ou em qualquer outro lugar.

Pois em Broadway Danny Rose uma dezena de velhos comediantes se reúne em torno de uma mesa de bar, não para falar mal dos colegas, não para desdenhar dos outros como uma maneira turva de chamar a atenção para suas próprias qualidades, mas para contar histórias a respeito daquela figura engraçada, fascinante, Danny Rose, um agente de artistas que nunca deu muito certo na vida, coitado – mas era uma grande figura, uma figura fantástica, de belas e hilariantes histórias.

Num restaurante simples de Nova York, um bando de veteranos comediantes rememora histórias daquele agente trapalhão. Com carinho, simpatia.

No umbigo do capitalismo, na sede suprema da competição, da selvagem norma segundo a qual vale tudo para subir na vida, inclusive pisar no nariz do seu melhor amigo, um grupo de pessoas faz o elogio da amizade, da solidariedade.

Como não ter por este filme um carinho absolutamente especial?

Danny Rose é um dos belos personagens que Allen já criou

zzdanny0Criador prolífico, incansável, capaz de inventar uma história nova, uma trama nova, com diversos personagens, a cada ano, e transformar essa história em filme, e com resultados que, quando são fracos, são melhores de 90% do que cinemão comercial produz, Woody Allen é capaz ainda de um ecletismo de fazer inveja a muita gente boa. Faz em geral comédias, mas também sabe ir fundo no drama. É useiro e vezeiro em botar como protagonista, ou como personagem importante, o seu próprio alter-ego – e ninguém, a não ser Charles Chaplin, fez tantos filmes com o mesmo personagem, no caso do gênio inglês o Vagabundo sem nome, no caso do gênio do Brooklyn o judeu nova-iorquino intelectualizado e paranoico.

Mas, se muitas vezes repete o protagonista que é seu alter-ego, como François Truffaut fez com seu Antoine Doinel, Allen consegue variações de esquema tático capazes de deixar Felipão ou Dunga zonzos como Pedro Rocha depois de enfrentar o carrossel holandês, a laranja mecânica, na Copa de 1974.

Cria tramas policiais brilhantes, como em Assassinato Misterioso em Manhattan (1993) e Tiros na Broadway. Chega perto da mágica, do incompreensível, do indecifrável, como em O Escorpião de Jade (2002) e Scoop (2006).

Entre todos os papéis que interpretou em seus próprios filmes, fossem os diversos do seu alter-ego, fossem os distantes dele, como o bandidinho roscofe de Trapaceiros (2000), fosse o mágico maroto de O Escorpião de Jade ou o outro mágico maroto, de Scoop, um dos mais belos é o deste Danny Rose.

Se algum artista começava a se destacar, logo trocava Danny Rose por outro agente

O filme começa na mesa de restaurante em que veteranos profissionais da stand up comedy conversam, trocam impressões, contam casos. No meio da conversa, por acaso alguém fala em Danny Rose – e então todos começam a falar de Danny Rose. Ele vira o tópico central. Cada um tem uma história para contar sobre Danny Rose.

zzdanny9Danny havia sido, ele mesmo, um sujeito da stand up comedy – roubava as piadas dos colegas todos. Depois, passou a agenciar artistas. Eis alguns dos tipos que agenciou:

– um sapateador perneta;

– um xilofonista cego;

– um treinador de pássaros que tocavam piano com os bicos;

– um malabarista de um braço só;

– um treinador de pinguim que patinava vestido de rabino;

– uma moça que tocava música nas taças de bebidas;

– um casal especializado em dobrar balões e criar figuras com eles.

Era extremamente dedicado aos artistas que mantinha sob contrato. Cuidava deles com o maior carinho, fazia de tudo por eles.

Mas, se por acaso um dos artistas começasse a se destacar, não dava outra – logo abandonava Danny Rose e o trocava por um agente mais rico, mais poderoso, mais famoso.

Um dos comediantes diz que tem a melhor história de Danny Rose para contar. Avisa que é uma história longa – mas é preciosa. E começa então a contar sobre a época em Danny Rose foi agente de Lou Canova (Nick Apollo Forte), um cantor de origem italiana que havia feito algum sucesso algumas décadas atrás e depois entrara em decadência – e passara a beber demais.

Lou Canova estava em seu segundo casamento, com Teresa (Sandy Richman), tinha que se virar para sustentar a família e pagar a pensão alimentícia à primeira mulher. Mas estava absolutamente apaixonado por uma garota, Tina Vitale – o papel de Mia Farrow.

zzdanny7Surge uma grande oportunidade para Lou: ele fará um show num bom lugar, e Danny consegue o compromisso do famosíssimo comediante, diretor e produtor Milton Berle (interpretando a si mesmo, como já havia feito em vários outros filmes, como, por exemplo, Adorável Pecadora/Let’s Make Love, com Marilyn Monroe e Yves Montans) de assistir à apresentação. Estava havendo o início de um revival de canções italianas, era o momento certo: se o show fosse um sucesso, era certeza de que as portas da fama se abririam novamente para Lou.

Lou pede, então, que Danny Rose vá a Nova Jersey pegar Tina Vitale e levá-la para o show. Lou explica que precisava que Tina estivesse lá – ou então ele ficaria nervoso, não conseguiria cantar direito. Tina transmitia confiança a ele. Sem Tina, ele estaria perdido.

Danny argumenta que aquilo poderia dar problema – afinal, Teresa, a mulher de Lou, também estaria lá. Não faz mal, contra-argumenta Lou: finja que você é o namorado de Tina.

E então lá vai Danny Rose para a missão – missão que se revelará perigosíssima, pois Tina é uma daqueles mulheres sinônimo de problema, muito problema, encrenca, confusão. Seu primeiro marido era um pequeno mafioso, e ela agora, além de namorar Lou Vitale, namorava também um sujeito de família mafiosa.

Mia Farrow é uma grande atriz, e está excelente no papel da mulher-problema

Mia Farrow-Tina Vitale surge na tela primeira vez quando estamos com exatos 20 dos curtíssimos 84 minutos de duração do filme. Usa gigantescos óculos escuros que não permitem que o espectador veja seu rosto direito.

Usará esses óculos durante boa parte das sequências a partir daí – hilariantes, deliciosas seqüências.

zzdanny66Consta que Woody Allen fez a opção por esses óculos grandes que escondem boa parte do rosto de sua então mulher e musa porque Mia Farrow não tem propriamente a cara de uma italiana típica. Pode ser.

Fora das telas, Woody Allen e Mia Farrow viveriam um caso infernal, que ainda hoje, mais de 20 após o fim do relacionamento, insiste em de vez em quando reaparecer na imprensa. Mas, na época em que fizeram juntos Broadway Danny Rose, tudo indica que os problemas ainda não haviam começado. Os dois se dão bem, na tela – a dupla tem química perfeita no filme. Mia Farrow é uma grande atriz, e uma excelente comediante. Está excelente no papel dessa mulher-problema.

Jack Rollins, ex-comediante, teria inspirado o personagem central

Todos os intérpretes que fazem o grupo de profissionais da stand up comedy nas sequências no restaurante são de fato comediantes que trabalham ou trabalharam nos teatros, boates e bares de Nova York. Estão ali interpretando a si mesmos. São nomes que, para nós, não dizem nada, já que não são atores de cinema: Sandy Baron, Corbett Monica, Jackie Gayle, Morty Gunty, Will Jordan, Howard Storm.

O único nome que os cinéfilos reconheceriam entre eles é o de Jack Rollins. Jack Rollins é um dos produtores ou produtores executivos de praticamente todos os filmes de Woody Allen, ao lado de Charles H. Joffe. Foi, ele mesmo, um comediante como os vários outros que interpretam a si mesmos nas sequências do restaurante.

Consta que ele, na verdade, foi a inspiração de Woody Allen para criar a história de Danny Rose.

Eis aí historinhas e fatos sobre o filme e sua produção, muitas delas tiradas do IMDb

* Nick Apollo Forte, que interpreta o cantor Lou Canova, é ele próprio cantor e compositor, além de ator com diversas aparições na TV americana. Foi ele mesmo que compôs duas das canções que Lou Canova canta no filme, “Agita” e “My Bambina”, bem ao estilo das músicas italianas que Dean Martin gravou com grande sucesso.

zzdanny8* Robert De Niro e Sylvester Stallone chegaram a ser considerados para o papel do cantor Lou Canova. Consta que Allen chegou a propor o papel a Stallone. Se isso for verdade, é o caso de dizer, como volta e meia digo: o acaso acaba fazendo favores aos filmes. Ainda bem que o grandalhão não aceitou.

* Nas conversas dos comediantes no restaurante, é mencionado um hotel, Weinstein’s Majestic Bungalow Colony, nas montanhas Catskill. Foi lá que Woody Allen começou no show business, fazendo truques de mágica, aos 17 anos de idade.

* Três anos após o lançamento do filme, foi produzido um pornô brincando com o título, Broadway Fanny Rose.

* Broadway Danny Rose foi exibido no Festival de Cannes, hors concours; ao todo, seis filmes de Woody Allen tiverem sua première no mais famoso festival de cinema do mundo.

* O restaurante onde os comediantes se reúnem, The Carnegie Delicatessen Restaurant, existe de fato, e algumas sequências foram filmadas lá mesmo. Os donos fecharam o restaurante ao público durante dois dias da semana para as filmagens:

* Sammy Davis Jr. aparece rapidamente no filme, já bem no final, durante a parada pelo Dia de Ação de Graças ao lado do Central Park. Seu nome não aparece nos créditos;

* Segundo Eric Lax, autor de um livro sobre Woody Allen, Broadway Danny Rose é um dos filmes de que o realizador mais gosta, entre todos os que já fez. A ordem de preferência do próprio Allen, segundo Lax, é assim: Match Point (2005), A Rosa Púrpura do Cairo (1985), Memórias (1980), Broadway Danny Rose (1984) e Um Misterioso Assassinato em Manhattan (1993).

* O filme foi indicado a dois Oscars – direção e roteiro original. Não levou nenhum dos dois. Mia Farrow foi indicada ao Globo de Ouro de melhor atriz, e também não levou. Ganhou o Bafta de roteiro original.

Em vários momentos, a câmara focaliza pessoas comuns, gente do povo

Leonard Maltin deu ao filme 3 estrelas em 4: “Allen está maravilhoso como um patético e pouco importante agente de artistas que tenta reavivar a carreira do decadente Forte. Casting sensacional, piadas engraçadas sobre show-biz, mas eventualmente cai um pouco: um filme ligeiro mas divertido.”

zzdanny5Roger Ebert deu 3.5 estrelas em 4. Adorou ver Woody Allen fazendo comédia escrachada depois de alguns filmes em que foi mais sério, mais sisudo, experimental – Sonhos Eróticos numa Noite de Verão, Zelig. Amou o personagem de Danny Rose, e, sobretudo, encantou-se com a interpretação de Mia Farrow.

Ebert não falha nunca.

Faço então uma pequena observação. Em vários momentos do filme, há close-ups de rostos de pessoas comuns – gente da platéia dos shows, gente nas ruas. Essas tomadas, e o fato de o filme ser preto-e-branco, são uma prova da influência do cinema europeu sobre Woody Allen. Bergman e Fellini usavam muito esse tipo de tomada. Sergei Eisenstein também.

E é isso aí. Para mim, Broadway Danny Rose é uma pérola.

Anotação em junho de 2014

Broadway Danny Rose

De Woody Allen, EUA, 1984

Com Woody Allen (Danny Rose),

Mia Farrow (Tina Vitale),

Nick Apollo Forte (Lou Canova), Sandy Richman (Teresa), Craig Vandenburgh (Ray Webb), Herb Reynolds (Barney Dunn), Paul Greco (Vito Rispoli), Frank Renzulli (Joe Rispoli), Olga Barbato (Angelina)

e Sandy Baron, Corbett Monica, Jackie Gayle, Morty Gunty, Will Jordan, Howard Storm, Jack Rollins, Milton Berle (todos eles interpretando a si próprios),

Argumento e roteiro Woody Allen

Fotografia Gordon Willis

Montagem Susan E. Morse

Casting Juliet Taylor

Produção Robert Greenhut, Charles H. Joffe, Michael Peyser,

Jack Rollins, Orion Pictures. DVD Fox.

P&B, 84 min

***1/2

7 Comentários para “Broadway Danny Rose”

  1. Além de eu amar Broadway Danny Rose, é um dos finais de filme que eu mais gosto de todos os tempos. Eu chorei no fim do filme, é realmente muito lindo. Muito doce.

  2. Bom dia.

    Por gentileza,
    como faça para poder assistir as filmes no site?
    aguardo

    Obrigado

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