Sete Dias com Marilyn e O Príncipe Encantado

Nota: ★★★½

Nota: ★★☆☆

Para contar como foi feito um filme fraco, bobo, menor, fizeram um filme espetacular.

Não me lembro de nenhum caso igual, em que o filme sobre o filme seja 200 vezes melhor que o original.

Há, por exemplo, A Sombra do Vampiro, de E. Elias Merhige, de 2000, que conta como foram as filmagens do Nosferatu de F. W. Murnau, de 1922. É um belo filme, e a história que ele conta é especialmente fascinante – mas o Nosferatu de Murnau é uma obra-prima, um marco.

O Príncipe Encantado/The Prince and the Showgirl, que Laurence Olivier fez em 1956 e foi lançado em 1957, não é, de forma algum, um marco, uma obra-prima, um filme importante. Já Sete Dias com Marilyn/My Week with Marilyn, a produção inglesa (com algum dinheiro americano) de 2011, é um filmaço, uma maravilha, um show. Dá vontade de ver de novo mais uma, e mais outra vez.

Claro, dá vontade também de rever o original. Foi o que eu fiz: um dia depois de ver Sete Dias com Marilyn, fui correndo à locadora pegar The Prince and the Showgirl. Eu me lembrava bem pouco do filme (não anotei quando o vi; é um dos casos de lacunas nas minhas anotações, que incluem a imensa maior parte dos filmes que vi, porém não são perfeitas), mas lembrava que é uma bobagem.

É uma bobagem, sim, confirmei agora.

Uma atriz maravilhosa, que paira acima do filme bobo em que atua

Ver os dois filmes, na mesma época, um depois do outro, de qualquer forma, é uma experiência fascinante, impressionante, memorável.

Porque o que Sete Dias com Marilyn mostra é uma Marilyn perdida, extremamente insegura, uma criança carente, carentecíssima, sendo dirigida por um monstro sagrado, um gênio, os dois em eterno conflito – e o choque entre os dois tornou as filmagens infernais, loucas, lunáticas, o pior pesadelo imaginável.

E o que se vê em The Prince and the Showgirl é um história boba, tola, bocó, beirando a idiotice completa – e uma atriz fenomenal, maravilhosa, estupenda, uma comediante em completo domínio de suas habilidades, que paira soberba quilômetros acima do filme bobo em que atua.

Marilyn Monroe é, de longe, a melhor coisa de The Prince and the Showgirl.

E não é apenas a beleza.

Claro, a beleza conta. E, credo, como ela está bela, acachapante, estrondosa, maravilhosamente bela.

Mas não é apenas a beleza. Tem mais, muito mais que a simples beleza; tem algo um tanto indefinível, não material – dom, aura, carisma, mágica. Uma coisa que beira o sobrenatural. A câmara do diretor de fotografia Jack Cardiff (que depois se tornaria também um bom realizador) se derrete diante de Marilyn. As lentes ficam bobas, bestas – ou então, bem ao contrário, as lentes descobrem por que raios elas foram inventadas, e então fazem um trabalho como nunca antes tinham feito.

Quando as lentes da câmara de Jack Cardiff mostram o rosto de Marilyn em close-up, alguma coisa acontece que só quando cruzam as lentes de uma câmara com Marilyn.

Marilyn brilha. Marilyn ofusca tudo à sua volta. Marilyn tem mais luz do que deve ter o Sol no Saara ao meio-dia.

Marilyn cria uma personagem que mistura malícia e inocência

Mas, de novo, não são apenas a beleza e o magnetismo.

Marilyn é uma grande atriz.

Quando, em 2003, vi Almas Desesperadas/Don’t Bother to Knock, de 1952, anotei:

 Marilyn está linda, maravilhosamente, estonteantemente linda – embora na maior parte do filme esteja maquilada para parecer que não está maquilada, em roupa simples, pobre, sem glamour algum. Ela interpreta – e bem – uma mulher em crise nervosa, profundamente perturbada. E é impressionante como, ao simplesmente pôr nas orelhas os brincos da madame para quem está sendo babá no quarto de hotel, ela consegue um shazam, uma transformação, um absoluto upgrade. O filme é uma prova cabal da força, do carisma de Marilyn. De que ela de fato é muito, mas muito mais que uma fabricação da indústria do cinema e do marketing.

Na comédia, então, Marilyn é excelente. Tem o tal do timing humorístico. Sua Elsie Marina é uma perfeita mistura de malícia e inocência, de esperteza e tolice. Às vezes, em alguns momentos, ela exagera um pouco – o que, na dose certa, faz perfeitamente parte da razão de ser da comédia. Mas na maior parte do tempo ela não overact coisa nenhuma; faz tudo na medida exata. Nada a ver com aquela coisa bisonha, ginasiana, de matar de vergonha, dos gestos largos demais, de voz alterada, da caricatura, que ataca não apenas os atores de um filme pavoroso como A Mulher do Meu Amigo, mas também gente grande como Marcello Mastroianni ou Sophia Loren em bobagens como Matrimônio à Italiana.

Marilyn domina a arte da comédia. Ela mostra isso exemplarmente em The Prince and the Showgirl, assim como mostra nos dois filmes que fez sob a batuta genial de Billy Wilder, O Pecado Mora ao Lado e Quanto Mais Quente Melhor.

O Pecado Mora ao Lado, The Seven Year Itch – a coceira do sétimo ano – é de 1955. Quanto Mais Quente Melhor, Some Like it Hot, é de 1959.

O Príncipe Encantado/The Prince and the Showgirl é de 1957; fica entre os dois filmes que ela fez com Billy Wilder. As filmagens foram em 1956.

O encontro entre a fera e a bela logo se revelaria uma guerra

Sete Dias com Marilyn começa com letreiros para situar o espectador no contexto:

“Em 1956, no auge da sua carreira, Marilyn Monroe foi para a Inglaterra fazer um filme com Sir Laurence Olivier.”

E aqui é necessário lembrar um pouquinho sobre Sir Laurence Olivier.

Sim, em 1956 ele já era Sir, cavaleiro do Império Britânico. Estava com 49 anos e era o mais famoso ator do teatro inglês, com sólida formação como intérprete dos clássicos shakespearianos. Tinha começado a atuar em peças de Shakespeare quase 20 anos antes, em 1935. Já havia dirigido três das até hoje mais aclamadas transposições de Shakespeare para o cinema, nas quais também havia atuado como ator: Henrique V, de 1944, Hamlet, de 1948, e Ricardo III, de 1955.

No cinema, havia começado em 1930, e, em 1939 – o mesmo ano em que sua mulher, Vivien Leigh, fazia o papel mais cobiçado da história do cinema até então, o de Scarlett O’Hara em … E o Vento Levou –, havia estrelado O Morro dos Ventos Uivantes/Wuthering Heights. Em 1940, fizera o papel de Darcy em uma aclamada adaptação de Orgulho e Preconceito, e mais o protagonista de Rebecca, de Hitchcock.

Tinha sua própria produtora. Era bajulado por todo mundo que chegava perto dele.

E então, em 1956, resolveu dirigir e estrelar um filme contracenando com a atriz mais famosa do cinema mundial.

O encontro entre a fera e a bela – que logo se revelaria a luta, a guerra, o pesadelo, a angústia – não se daria em campo neutro. Era no campo dele, na terra dele, nos estúdios da Pinewood, que ele conhecia e dominava. Era o Boca jogando na Bombonera, o Corinthians no Pacaembu, o Flamengo no Maracanã.

Uma farsazinha para divertir as platéias naqueles anos pós-guerra

Por que raios Sir Laurence Olivier decidiu, depois de ter dirigido a si próprio em três tragédias de Shakespeare, filmar uma comedinha, uma fantasiazinha, uma espécie de conto de fadas bocó?


Verdade que a peça The Sleeping Prince, em que o filme se baseia, é de um autor importante, um dos mais famosos e respeitados e populares do teatro inglês, Terence Rattigan (1911-1977), ele também Sir. Fizeram-se belos filmes a partir das peças de Rattigan: Cadete Winslow/The Winslow Boy, peça de 1946, filme de 1999, Nunca te Amei/The Browning Version, peça de 1948, filmada em 1951 e 1994, Vidas Separadas/Separate Tables, peça de 1954, filme de 1958.

As três peças citadas, que originaram bons filmes, são dramas.

Em 1953, Terence Rattigan saiu-se com…

Com o que mesmo? Exatamente o que seria The Sleeping Prince? Chamei de comedinha, fantasiazinha, conto de fadas. Talvez seja uma sátira. Uma farsa. Sei lá eu. Professor Massaud Moisés, me acuda! O que é The Sleeping Prince?

É assim:

Em 1911, às vésperas da coroação do Rei George V, chegam para assistir à cerimônia, entre os diversos dignitários estrangeiros, os membros da família real de Carpathia (Carpácia, nas legendas) – um país não existente, imaginário, fictício, é claro, mas situado nos Bálcãs, aquele eterno berço de revoltas, golpes, guerras, incandescências sociais. É bom lembrar que foi lá que aconteceu, em 1914, o estopim para a Primeira Guerra Mundial, e o texto de Rattigan, escrito muito depois, dá todas as dicas de que em 1911 já se sabia que estava para estourar um grave conflito na Europa, e que a Grã-Bretanha estaria de um lado e a Alemanha, do outro.

A família real de Carpathia é tão conflagrada quanto os Bálcãs. Constitui-se da rainha mãe (feita por Dame Sybil Thorndike, que no filme de 2011 é interpretada por ninguém menos que Judi Dench), do futuro rei, Nicholas, então com 16 anos de idade (Jeremy Spenser), e do atual regente, o viúvo da filha da rainha mãe, pai do jovem rei, o Grão-Duque Charles (o papel de Laurence Olivier).

Nicholas, o filho, planeja um golpe de Estado contra o pai. Como se estivesse numa tragédia grega, e não numa comedinha, satirazinha, farsazinha para divertir as platéias do West End londrino naqueles anos pós-guerra.

Um ditador que se encanta com a dançarina americana

Sim, há uma trama política, ou pretensamente política, em The Sleeping Prince. O Grão-Duque é um déspota, um absolutista, que manda encarcerar todos os oposicionistas, e tem absoluto desprezo por coisas como Parlamento, democracia. Acha os Estados Unidos um pavor, uma coisa ridícula.

Mas a trama política, ou pretensamente política, é só para dar uns ares de profundidade a uma história boba. O que importa mesmo é que o Grão-Duque, ditador da Carpathia, viúvo havia dez anos de uma mulher que nunca amou, é um tremendo de um galinhão, um comedor.

E, naquela breve passagem por Londres para assistir à coroação do Rei George V, encanta-se com uma dançarina-atriz americana que faz um pequeno papel em um espetáculo da companhia teatral de Maise Springfield (Jean Kent), a qual ele já havia comido tempos atrás, mas hoje está um tanto mais velha.

A dançarina-atriz americana, a showgirl, se chama Elsie Marina, e é o papel de Marilyn Monroe.

Como a Carpathia é um país de exército poderoso, e poderá ser aliar ao Kaiser alemão numa eventual guerra contra a Inglaterra, o Foreign Office, o Ministério de Relações Exteriores do Império Britânico, destaca um diplomata, Northbrook (Richard Wattis), para acompanhar o Grão-Duque e fazer todas as vontades dele – inclusive, se for o caso, ser o gigolô de alguma dançarina de variedades que Sua Alteza vier a querer traçar.

Uma historinha boba. Mas o filme tem lá coisas boas – e tem Marilyn

Historinha danada de besta, não?

Não que o filme seja propriamente uma porcaria. Olivier, ator tremendo, tem lá seus momentos, fazendo uma cara séria de ditador, com um sotaque de algo à leste do centro da Europa. Há belos movimentos de câmara, os figurinos são luxuosos.

Há alguns diálogos espertos. Lá pelas tantas, por exemplo, Elsie Marina sugere ao Grão-Duque que promova eleições em seu país: “Essa é que a maravilha das eleições gerais: ninguém sabe quem vai ganhar”. Quando o Grão-Duque fala ao telefone e mete o pau nos Estados Unidos, Elsie, abandonada diante do copo de champagne e do prato de caviar, faz um brinde ao presidente Taft. Em plena era do macarthismo, da caça às bruxas do comitê para investigar as atividades anti-americanas, un-american activities, o Grão-Duque fala de um comitê de un-Carpathian activities.

O maior problema do filme é a história em si – uma bobagem danada.

Mas, repito, de longe, a melhor coisa do filme é Marilyn.

Alguns detalhinhos.

Carpathia, o nome do país fictício, é exatamente o nome do navio que socorreu os náufragos do Titanic. O naufrágio do Titanic foi em 1912, um ano após a coroação do Rei George V, época em que se passa a ação de The Prince and the Showgirl.

George V, o rei que foi coroado em 1911 e viveu 1936, é o pai de Edward VIII, o que reinou brevemente, durante o ano de 1936, e renunciou ao trono do Império Britânico para viver sua história de amor com uma americana divorciada, Wallis Simpson – o romance é o tema de um filme recentíssimo dirigido por Madonna, W.E. Com a abdicação de Edward VIII, assumiu o trono seu irmão mais jovem, Albert Frederick Arthur George, que tomou o nome de George VI e reinou entre 1936 e 1952. George VI, personagem do magnífico filme O Discurso do Rei, é o pai da Rainha Elizabeth II, que assumiu o trono em 1952 e dele não vai descer jamais.

Durante a produção do filme, o título era o mesmo da peça teatral, The Sleeping Prince. Mas, já no lançamento, o título havia sido alterado para The Prince and the Showgirl.

Detalhinhos. Gosto de detalhinhos.

Michelle Williams enfrenta bem o desafio de interpretar Marilyn

Após aquela frase inicial, “Em 1956, no auge da sua carreira, Marilyn Monroe foi para a Inglaterra fazer um filme com Sir Laurence Olivier”, o letreiro que abre Sete Dias com Marilyn prossegue:

“Enquanto estava lá, conheceu um jovem chamado Colin Clark, que escreveu um diário sobre as filmagens. Esta é a história real deles.”

E então, depois desses letreiros que servem para situar o espectador no contexto, vem a primeira seqüência. Marilyn Monroe canta, como se fosse num teatro – é apenas um intróito – “When love goes wrong (nothin’ goes wright)”, de Harold Adamson e Hoagy Carmichael.

Parece Marilyn. É bela como Marilyn. É a cara de Marilyn. A voz parece com a de Marilyn. Juro que pensei que pudesse ser uma filmagem original de Marilyn – até fiquei tentando me lembrar de que filme poderia ter sido tirado aquilo.

É Michelle Williams.

Faz tempo que admiro Michelle Williams. Consulto, pra variar, em vez de o IMDb, o site 50 Anos de Filmes. Quando vi Medo e Obsessão/Land of Plenty, que Wim Wenders fez em 2004, anotei: A menina Michelle Williams está extraordinária. Eu nunca tinha ouvido falar dela, mas depois a veria em vários outros filmes: O Mundo de Leland/The United States of Leland, de 2003, Heróis Imaginários/Imaginary Heroes, de 2004, e O Segredo de Brokeback Mountain, de 2005. Nascida em 1980, estava portanto com 24 anos quando fez este filme com Wim Wenders; foi indicada ao Oscar de atriz coadjuvante por Brokeback Mountain, já ganhou três prêmios e teve outras 18 indicações.

Sobre Namorados para Sempre/Blue Valentine, de 2010, anotei: A melhor coisa deste Namorados para Sempre/Blue Valentine é a interpretação dos dois jovens atores, Ryan Gosling e Michelle Williams. Estão muitíssimo bem; devem ter se envolvido profundamente com o projeto, e são também dois dos produtores executivos.

Sobre Incendiário/Incendiary, de 2008, anotei: Incendiário, feito pela inglesa Sharon Maguire em 2008, tem algumas boas qualidades. A principal delas é a atuação da americana Michelle Williams, excelente como a jovem inglesa da working class que sofre como uma condenada, enfrenta a barra mais pesada que se possa imaginar.

Marilyn era um poço sem fim de carência, ansiedade, insegurança

Interpretar Marilyn Monroe não é para qualquer uma. É um desafio imenso, absurdo, elefantino, mamutiano.

Michelle Williams está um brilho como Marilyn Monroe.

Impressionante como ela está parecida, fisicamente, com Marilyn. Mas mais impressionante ainda é sua atuação.

O filme se baseia nos diários do rapaz que viu tudo, presenciou tudo, durante as filmagens de The Prince and the Showgirl, o tal Colin Clark (interpretado, com a perfeição britânica de sempre, por Eddie Redmayne), e então presume-se que seja bastante acurado. E tudo indica que seja mesmo.

Marilyn estava com exatos 30 anos, em 1956, quando foi para a Inglaterra. Acabava de se casar pela terceira vez, com Arthur Miller, dramaturgo de imenso respeito, intelectual, persona política. (Seu primeiro casamento tinha sido quando tinha apenas 16 anos, com um sujeito humilde, e durara quatro ano. O segundo tinha sido com Joe DiMaggio, uma espécie de Pelé do beisebol, e não durara mais que alguns poucos meses.)

Aos 30 anos de idade, a atriz de cinema mais famosa do mundo, Marilyn era um poço sem fim de carência, ansiedade, insegurança, fragilidade, solidão. Tinha uma necessidade doentia de aceitação, reconhecimento – a mulher mais desejada do mundo queria ser respeitada não como símbolo sexual, mas como atriz séria. Daí o casamento com Arthur Miller, daí a entrega total ao Actors Studio de Lee Strasberg, por onde haviam passado Marlon Brando, Paul Newman, James Dean.

A Marilyn-Michelle Williams que chega à Inglaterra em 1966 vem com uma entourage imensa, mas, principalmente, se apoiava em Paula Strasberg (Zoë Wanamaker), a mulher do mestre dos atores.

Marilyn nunca chegava na hora para os ensaios, para as filmagens. Marilyn se escondia no camarim e não aparecia. Marilyn pedia a ajuda de Paula Strasberg a cada momento.

Na hora de filmar, esquecia as falas, errava as falas.

Sir Laurence Olivier ia à loucura – ao mesmo tempo em que, intimamente, ficava seduzido por aquela mulher que seria capaz de seduzir qualquer frade da pedra mais gelada do universo.

Um ator que quer ser astro e uma estrela que quer ser atriz

Quando o espetacular filme do diretor Simon Curtis está com exatos 48 minutos, Marilyn-Michelle Williams pergunta para o garoto Colin Clark:

– “Por que Sir Olivier é tão mau? Ele fala comigo como se eu fosse inferior.”

É Norma Jean Mortenson, garota pobre americana, que está falando, no corpo de Marilyn Monroe, a respeito de um Sir britânico, ator shakespeariano respeitado pela crítica universal. Complexo de inferioridade, problemas psicológicos gravíssimos, seriíssimos, que nem cinco sessões semanais durante cinco anos com o melhor terapeuta disponível poderia resolver.

Colin Clark tinha 23 anos, mas era filho de lord e lady, riquíssimo, bem educadíssimo, inteligente, sensível, esperto. A resposta que ele dá a Norma Jean-Marilyn Monroe na pele de Michelle Williams, nunca vai se saber se ele deu mesmo, de verdade, ou se ele lustrou um pouco, melhorou, ourivesou nos seus diários, ou se os roteiristas fizeram isso por ele:

– “Vou lhe dizer o que está errado. É uma agonia para ele (Olivier) porque ele é um grande ator que quer ser astro de cinema. E é uma agonia para você porque você é uma estrela de cinema que quer ser atriz. E este filme não vai ajudar nenhum de vocês.”

A frase – tenha ela sido verdadeiramente dita pelo garoto Colin Clark para Marilyn ou tenha sido melhorada ao longo do tempo – é um brilho.

Como tantas frases brilhantes, no entanto, ela é mais literatice do que a exata verdade dos fatos. Porque, àquela altura, Sir Laurence Olivier já era um grande astro de cinema. E Marilyn já era uma grande atriz. Mas isso, é claro, a insegurança tremenda dela não permitia que ela soubesse.

Norma Jean, a moça simples, de repente vira Marilyn

 

 

 

 

 

 

 

Vejo que já escrevi quase 300 linhas sobre esses dois filmes, e a verdade é que poderia escrever outras 300, embora todo mundo esteja cansado de saber que ninguém lê mais que 140 toques na internet – se é que lê.

Mas gostaria de chamar a atenção para uma situação fascinante e uma sequência maravilhosa deste filme fascinante e maravilhoso.

A situação:

Durante o processo de leitura do roteiro, Paula Strasberg diz que Marilyn está tendo dificuldade para compreender sua personagem. Sir Laurence Olivier fica irritado com aquilo – com a presença de Paula, com o fato de Marilyn estar se apegando ao Método do Actors Studio. Acha que Marilyn está complicando uma coisa que é simples: basta ler as falas que estão no roteiro, e pronto!

Vendo o filme O Príncipe Encantado, é forçoso dar razão a Marilyn, e não a Olivier: de fato, a personagem que Marilyn iria interpretar, essa Elsie Marina, ela não pode mesmo ser compreendida, porque é falsa, não se sustenta, não existe. É uma personagem mal construída em um roteiro mal construído.

A seqüência:

Num domingo, Marilyn passeia com Colin. Nesse dia ela não está Marilyn, está Norma Jean – uma moça alegre, aproveitando o dia de folga. Quase uma pessoa comum. Dá um mergulho num riacho inglês – peladinha, nua, naked, in the nude, como o letrista Bernie Taupin escreveria que os repórteres insistiram em dizer que ela estava, quando foi descoberta morta, em 5 de agosto de 1962, 50 anos atrás.

Depois Colin a leva para conhecer o Palácio de Windsor. O guarda exige uma identificação, algo que possa permitir que o garoto inglês e a moça americana adentrem a casa da Rainha. Colin diz que seu tio é o guardião da biblioteca – e é a mais pura verdade dos fatos. Entram, então, no palácio. Na biblioteca, encontram-se com o tio de Colin, Sir Owen Morshead, interpretado por Derek Jacobi. Ele recebe Marilyn Monroe como se ela fosse Norma Jean: britanicamente, não se mostra surpreso por estar diante da estrela.

Quando os dois estão para sair do palácio, a equipe toda de Windsor já soube que Marilyn Monroe está ali, e os funcionários estão reunidos  aguardando para ver a grande estrela.

E então Norma Jean vira-se para Colin, e diz:

– Devo ser ela para eles?

E se transforma em Marilyn. Faz pose de Marilyn.

Pouquíssima gente teve tanta sorte quanto o garoto Colin Clark

Por seu magnífico desempenho como Marilyn, Michelle Williams – que inclusive canta, ela mesma, com a própria voz, as canções que aparecem no filme – foi indicada ao Oscar. A concorrência era dura: Glenn Close por Albert Nobbs, Viola Davis por Histórias Cruzadas/The Help, Rooney Mara por The Girl with the Dragon Tatto e Meryl Streep por A Dama de Ferro. Deu Meryl Streep, de novo.

A outra indicação ao Oscar que o filme teve foi para Kenneth Branagh, por sua interpretação de Sir Laurence Olivier. Não levou, assim como Michelle Williams – mas sua interpretação também é não menos que brilhante.

A escolha de Kenneth Branagh para o papel de Sir Laurence Olivier é perfeita. Como Sir Laurence, Branagh tem formação shakespeariana, e começou a carreira como diretor no cinema com Henrique V, de 1989, a mesma tragédia que Laurence havia dirigido (e também interpretado o papel principal) em 1944. Faria depois uma comédia de Shakespeare, Muito Barulho por Nada, de 1993, e a sua própria versão de Hamlet, em 1996.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Não haveria ator mais perfeito para interpretar Sir Laurence Olivier. E Kenneth Branagh está como sempre esteve: excelente, maravilhoso.

Não conhecia o diretor que nos deu esta maravilha: Simon Curtis, um londrino nascido em 1960, produtor de 30 títulos e diretor de 18 – feitos para a TV. Sete Dias com Marilyn foi o primeiro filme feito para o cinema que ele dirigiu. E dirigiu com a competência de um veterano experientíssimo. Que faça muitos mais.

Não me lembrava do ator que faz o papel de Colin Clark, Eddie Redmayne; só agora, ao fazer essa anotação, vi que ele trabalhou em filmes que já vi: Pecados Inocentes, Elizabeth: a Era de Ouro, A Outra/The Other Boleyn Girl. É ótimo, e teve sorte de sorte de ser escolhido para o papel.

Agora, sorte mesmo teve o seu personagem, Colin Clark, o garoto de 23 anos que aconteceu de ficar pertíssimo de Marilyn, seu amigo íntimo, durante uns poucos dias. Ele me fez lembrar o Valentin Fiedorovich Bulgákov, também garoto novo, que teve o prêmio de loteria de ser escolhido como secretário particular de Liev Tolstói no finalzinho da vida do genial escritor. A história de Valentin foi retratada no romance histórico A Última Estação, de Jay Parini, e no filme homônimo, de Michael Hoffman. Não há muita gente neste mundão véio com a sorte de um Valentin e de um Colin Clark.

Anotação em julho de 2012

Sete Dias com Marilyn/My Week with Marilyn

De Simon Curtis, Inglaterra-EUA, 2011

Com Michelle Williams (Marilyn Monroe), Eddie Redmayne (Colin Clark), Kenneth Branagh (Sir Laurence Olivier), Dougray Scott (Arthur Miller), Julia Ormond (Vivien Leigh), Judi Dench (Dame Sybil Thorndike), Dominic Cooper (Milton Greene), Emma Watson (Lucy), Toby Jones (Arthur Jacobs), Zoë Wanamaker (Paula Strasberg)

Roteiro Adrian Hodges

Baseado nos diários de Colin Clark

Fotografia Ben Smithard

Música Conrad Pope

Produção The Weinstein Company e BBC Films. DVD Swen Filmes.

Cor, 99 min

***1/2

O Príncipe Encantado/The Prince and the Showgirl

De Laurence Olivier, Inglaterra-EUA, 1957

Com Marilyn Monroe (Elsie Marina), Laurence Olivier (Grão-Duque Charles), Sybil Thorndike (Rainha Dowager), Richard Wattis (Northbrooke), Jeremy Spenser (Rei Nicholas), Edmond Knight (Hoffman), Paul Hardwick (Major Domo), Rosamund Greenwood (Maud),

Aubrey Dexter (o embaixador), Maxine Audley (Lady Sunningdale)

Roteiro Terence Rattigan

Baseado na peça The Sleeping Prince, de Terence Rattigan

Fotografia Jack Cardff

Música Richard Addinsell

Produção Warner Bros. DVD Warner.

Cor, 117 min

R, **

 

30 Comentários para “Sete Dias com Marilyn e O Príncipe Encantado”

  1. Sérgio, lembrei de outro filme sobre o filme, no caso o grande ‘Uma Avenura na África (The African Queen)’, de John Huston, de 1951. O ótimo filme sobre a filmagem desse filme é do Clint Eastwood : ‘Coração de Caçador’. feito em 1990 e com o próprio Clint interpretando Huston, então mais preocupado em matar elefantes do que em trabalhar em mais uma de suas grandes obras primas.

  2. Verdade, Elói. Eu não tinha me lembrado do “Coração de Caçador”, “White Hunter Black Heart”. Aliás, eu não vi o filme – é um dos poucos dirigidos pelo Clint que não vi. Vou botar na lista dos filmes a serem vistos.
    Um grande abraço.
    Sérgio

  3. Desta vez você me deixou sem fôlego, Sérgio! Mas ainda bem que comungamos ambos de paixão assolapada pela Deusa Marilyn (já 50 anos sem Ela…). Quanto ao filme de Eastwood: aconselho vivamente, bate aos pontos o filme do Huston

    Abraço

  4. Por que sem fôlego, Rato? Você gosta muito de The Prince and the Showgirl? Ou detestou My Week with Marilyn?
    Um grande abraço!
    Sérgio

  5. Nada a haver com os filmes, Sérgio. Fiquei sem fôlego foi de ler toda esta tua prosa até ao fim, quase sem respirar, eheheh…
    Claro que o “Prince and the Showgirl” vale apenas pela Marilyn e pouco mais. Quanto ao filme com a Michelle Williams ainda não vi, mas agora fiquei com vontade

    Abraço

  6. Eu não creio que a Marilyn era burra ou idiota, acho que ela era uma pessoa super lesada pelos remédios que ela usava e muito fresca por ser uma geminiana.

  7. Pelo amor de Deus, Claudia, você não entendeu que eu quis em algum momento dizer que a Marilyn era burra ou idiota, não é? Não, de forma alguma, eu não disse isso, não dei a entender isso. Não acho isso, de jeito nenhum!
    Um abraço.
    Sérgio

  8. Obs.: de forma alguma a crítica fala sobre a inteligencia da Marilyn etc. Quis dizer que existe um senso-comum de como a Marilyn era burra. E achei um grande mérito do filme mostrar que os remédios deixavam ela bem lesada. Hahaha.
    Mas tanto o filme qto a crítica foram ótimos. E sim, eu li todas as palavras deste texto. rs

  9. Perdão, Cláudia, pelo mal entendido! A culpa é minha. De fato, na sua primeira mensagem você não diz, em momento algum, que eu chamei a Marilyn de burra. Mas eu quis reforçar, reiterar que não tinha dito. Ficou parecendo que eu estava meio acusando você de não ter lido direito. Não era isso, não, de forma alguma. Desculpe!
    Um grande abraço!
    Sérgio

  10. Bom dia, Sérgio! Assiti ao filme neste domingo (02/09/12) e vim ao seu site para ver se havia algum comentário sobre ele. Nem preciso dizer que um complementa o outro tão perfeitamente quanto goiabada e queijo.
    Eu que nunca havia prestado muita atenção a Marilyn como atriz, pude ver neste filme que justamente a grandeza da interpretação de Michelle Williams foi mostrar que Marilyn era uma grande atriz.
    Sérgio, é necessário elogiarmos algo fora de comum, neste nosso mundo em que cada vez impera mai a mediocridade: Boas sinopses nos tornam mais inteligentes e sensíveis (sem querer parodiar).

  11. Sergio,

    Ainda não vi “Sete dias com Marilyn”,
    mas depois de sua crítica vou correndo comprá-lo. Deveria fazer esse comentário após vê-lo, mas não creio que possa contribuir muito, depois de sua análise.
    Assim, é apenas para registrar que: Marilyn foi fantástica comediante- tenho todos seus filmes em DVD – mas, ao contrário da esmagadora maioria dos críticos, acho que sua melhor performance foi em “O Pecado Mora ao Lado” (irresistível) e não em “Quanto mais
    quente melhor”; Olivier náo teve no cinema a
    mesma dimensão que lhe é atribuída no teatro, apesar de “Rebecca” e “Perdição por Amor” e das peças que dirigiu para o cinema,
    especialmente a deslumbrante atuação em “Ricardo III”, ou mesmo em “Rei Lear”, que
    não dirigiu. Mas, no cinema, considero seu maior momento “Amor entre Ruínas”, um telefilme fabuloso com Katherine Hepburn, em
    que ambos dão um show incomparável de interpretação, mas que infelizmente não lançam em DVD; e Kenneth Brannagh, que ator!!! As filmagens que dirigiu das peças de Shakespeare não me comoveram diante das de
    Olivier, mas sua atuação na trilogia de “Wallander” que fez para a BBC é inacreditável, e faz-me revê-la sempre, não pelas histórias já conhecidas, mas apenas para admirar suas expressões (e a direção é
    pródiga nos closes)e trejeitos. Atualmente,
    quando leio que ele faz parte do elenco já
    corro para assistir o filme.
    Um abraço do
    Mário

  12. Vi este filme no sábado, 18, anteontem .
    Um filmaço , verdadeiramente, um filmaço !!!
    Maior riqueza de detalhes,impossível, Sergio.
    Maravilha este teu texto.
    Uma Diva,uma Deusa,um furacão de mulher,tudo isso foi Marilyn Monroe.
    Ao contrário do Mario Silva, tenho só dois filmes com Marilyn.
    ” O pecado mora ao lado ” e ” Nunca fui santa” . E mesmo só tendo estes dois, ao contrário do Mario, gosto mais do segundo.
    Também gosto muito da Michelle e, como voce disse, a concorrência era duríssima.
    A Rooney Mara eu não vi mas assim como a Michelle, também a Glenn Close e a Viola Davis mereciam a estatueta mas Meryl Streep mais uma vez foi ” Suprema “.
    Gostei do Kenneth Branagh e também de sua caracterização , era o próprio L. Olivier.
    Judi Dench, ótima como sempre e a presença marcante da linda e maravilhosa Julia Ormond.
    Como voce diz, Valentin Bulgákov e Colin Clark nasceram com o “distinto” virado para a lua.
    Um abraço !!

  13. Na internet a gente lê coisa grande sim, desde que seja de qualidade como esse texto.

    Parabéns pela análise do filme. Excelente.

  14. Sérgio! Que prosa mais poética…faz tempo que leio nada tão detalhista, sensível e mágico assim sobre cinema. Estava assistindo pela terceira vez,creio e babo com a atuação da Michele, cheguei a seu texto em uma pesquisa sobre Lowrence Olivier. Obgda!

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