O Inventor da Mocidade / Monkey Business

Nota: ★★★☆

Já foi feita muita, muita bobagem, em cento e tantos anos de cinema, mas poucos filmes são tão bobos quanto O Inventor da Mocidade/Monkey Business. É, seguramente, uma das comédias mais bobas que o cinema já produziu – e também uma das maiores delícias.

O filme que o mestre Howard Hawks lançou em 1952 já começa com uma brincadeirinha, uma sacadinha, um fogo de artifício que é uma pequena pérola.

Temos o logotipo da Twentieth Century Fox, aquele tradicionalíssimo. Então temos uma tomada da porta de uma casa – a câmara do lado de fora, focalizando a porta. Cary Grant, um dos atores mais populares do mundo na época, abre a porta do lado de dentro, para sair. Está em black-tie, como em tantos outros filmes em que havia atuado, belo e charmoso, e em black-tie, mas com óculos de fundo de garrafa, o ar meio sonâmbulo.

Uma voz em off diz: -“Ainda não, Cary.”

E Cary Grant, ar sonâmbulo, fecha a porta.

Sobre a tomada da porta fechada, surge o início dos créditos: “Twentieth Century Fox presentes”, em letras pequenas, e, em letras maiores, os nomes dos atores: “Cary Grant, Ginger Rogers, Charles Coburn, Marilyn Monroe’.

A porta se abre novamentre, e, exatamente como na tomada anterior, surge Cary Grant.

A voz em off repete: “Ainda não, Cary.”

E Cary Grant, ar sonâmbulo, fecha a porta.

Vem então a continuação dos créditos iniciais, desde o nome do filme, até o nome o diretor, Howard Hawks, o dono da voz que disse duas vezes “Ainda não, Cary”.

E então, pela terceira vez, Cary Grant abre a porta de sua casa.

O Inventor da Mocidade é uma comédia deliciosa desde os créditos iniciais.

Cary Grant está ótimo como o professor aloprado – e os diálogos são hilariantes

E a sequência que vem a seguir é ainda mais gostosa. É brilhante, genial.

Atrás de Cary Grant, na sala da casa, pronta para sair, com um vestido de noite, está Ginger Rogers. Ela passa por Cary Grant, adianta-se a ele, sai da casa, e dá a eles as instruções: vou ali ligar o carro, e enquanto isso você apaga a luz de dentro, acende a luz de fora, fecha a porta e vem se encontrar comigo no carro.

Cary Grant apaga a luz de fora, acende a luz de dentro, e entra de novo em casa.

O diálogo que se dá em seguida entre o brilhante químico Barnaby Fulton e sua mulher Edwina é uma maravilha, uma total delícia – uma prova viva de que a humanidade, essa peste que surgiu no planeta após bilhões de anos de involução, também consegue às veze ser brilhante.

Barnaby Fulton é um grande cientista. Depois de ser bem sucedido em diversos projetos, está trabalhando agora numa fórmula capaz de transmitir a força da juventude para as pessoas que já passaram dessa fase.

Como os cientistas brilhantes costumam ser (pelo menos nos filmes e nos desenhos animados), o doutor Fulton tem dessas coisas: na hora de sair, engalanado, para uma festa, fica pensando sobre a fórmula na qual tem trabalhado nos últimos tempos.

Edwina, sua mulher, compreende e aceita o comportamento doidão do marido. São apaixonados um pelo outro.

Essa primeira sequência do filme é longa,e os diálogos são afiadíssimos, hilariantes. Chega à casa dos loucos e felizes Fultons o velho amigo de Edwina, Hank Entwhistle (Hugh Marlowe), com quem eles iriam à festa. O casal já havia decidido ficar em casa, trocar a festa por uma trepadinha. Hank – um eterno apaixonado por Edwina – vai embora sozinho, puto dentro das calças.

Corta, e estamos no dia seguinte. O professor aloprado chega ao trabalho, numa grande indústria química. Somos então apresentados aos dois outros personagens importantes da história: o patrão de Barbaby, Mr. Oxley (interpretado pelo sempre ótimo Charles Coburn), e sua secretária, a srta. Lois Laurel (o papel de Marilyn Monroe).

Toda a lógica humana vai para o espaço, para o lixo – o que vale é a gargalhada

Aciono a tecla de fast forward no texto, e então, para resumir, temos a seguinte trama: o chimpanzé usado nas experiências do doutor Barnaby Fulton mexe nos tubos de ensaio, bota isso, bota aquilo, e joga o seu coquetel dentro da caixa de água do bebedouro do laboratório do cientista.

O dr. Barnaby Fulton continua suas experiências à procura de uma droga rejuvenescedora, sem saber, é claro, que a droga rejuvenesdora já havia sido criada pelo chimpanzé, e estava no bebedouro.

A partir daí, vai acontecer tudo o que é mais ilógico, anti-racional, inverossímil, louco.

O que rola nos primeiros 20, 30 minutos a partir daí é delicioso, engraçadíssimo. O que vem depois também é hilariante – mas é tão ilógico, tão doido, tão absurdo, que poderá parecer bocó demais para muitos espetadores.

E as situações criadas pelos roteiristas Ben Hecht, Charles Lederer e I.A.L. Diamond (todos do primeiríssimo time das comédias de Hollywood em seus anos mais dourados) nos últimos 20 minutos de filme são uma afronta vigorosa a qualquer pessoa que se atenha ao raciocínio lógico, normal, racional.

Trata-se, afinal, de uma screwball comedy – um subgênero da comédia que surgiu nos Estados Unidos quando menos as pessoas tinham motivos para rir, a Grande Depressão dos anos 30.

Na screwball comedy, as coisas não se dão como na vida real. A lógica, a verossimilhança, tudo desse tipo vai para o espaço, para a lixeira. Mais vale uma gargalhada do que qualquer lógica – essa poderia perfeitamente ser a palavra de ordem da screwball comedy.

A screwball comedy é assim uma espécie de farsa ainda mais exagerada que a farsa.

E O Inventor da Mocidade vai fundo, bem fundo, no exagero.

Quando a câmara a focaliza, a beleza de Marilyn solta faíscas, as lentes quase derretem

Marilyn Monroe está estupidamente linda, como sempre. Dizer que Marilyn está estupidamente linda é pleonasmo desnecessário. Mas a questão é que o papel criado para ela é o do protótipo da loura burra.

Na primeira seqüência em que ela aparece, Fulton é chamado à sala do patrão, Mr. Oxley. Fulton, com aquele ar de professor aloprado, muito distante deste insensato mundo, das coisas materiais, mundanas, se encontra primeiro com a secretária do patrão, na ante-sala deste. A senhorita Laurel – o espectador percebe de cara – tem uma quedinha pelo professor aloprado. Ele é doido, avoado, usa aqueles óculos de fundo de garrafa, mas é um tipão, bonitão, charmoso – afinal, é Cary Grant.

A senhorita Laurel está sentada à sua mesa, perto da porta da sala do patrão. Quando a câmara a focaliza pela primeira vez, em plano americano, a beleza de Marilyn solta faíscas.

Ela diz para ele se sentar e esperar; Mr. Oxley está ao telefone. Fulton se senta, e a senhorita Laurel se levanta de sua mesa e se aproxima dele. Vemos Marilyn de corpo inteiro pela primeira vez, aquele corpo de Marilyn, aquela coisa cheia, volumosa, curvilínea, mil anos-luz das modelos anoréxicas das últimas décadas.

Se o espectador reparar bem, a câmara e suas lentes estão em absoluto êxtase.

Ela: – “Que bom que temos um minuto. Quero mostrar uma coisa para o senhor.

E então põe o pé esquerdo sobre o sofá em que Fulton está sentado, e levanta a saia. O joelho esquerdo de Marilyn fica à vista, a poucos centímetros dos olhos de Fulton. Vemos a perna, o joelho, o comecinho da coxa – só o comecinho.

Ela: – “Não é maravilhoso?”

Ele: – “Como?”

Ela: – “As meias não rasgáveis que o senhor inventou.”

Ele: – “Oh! O projeto de acetato N-41!”

E então ele tira os óculos para examinar de perto – não os joelhos de Marilyn, o início da coxa de Marilyn, mas a meia.

Ela: – “Este é um par experimental, o primeiro a sair da fábrica. O senhor não fica orgulhoso?”

Ele: – “Ficou muito bom.”

Ela: – “Pois eu digo: você não consegue rasgar, furar, nem nada, não importa o que você tente fazer. Não quer tentar? O senhor ficaria surpreso.”

Ele: – “Ah, não, eu não ficaria surpreso. Fiz muitas experiências com esse tipo de material. Mas agora isso tudo é coisa do passado.”

Nesse momento, o patrão, Mr. Oxley, abre a porta da sua sala. O pé de Marilyn ainda está em cima do sofá, o joelho e o início da coxa à vista. Ela se recompõe.

Mr. Oxley, para Fulton: – “Você pode entrar agora, se não estiver muito ocupado.”

Ele: – “A senhorita Laurel estava me mostrando seus acetatos”.

“Qualquer um pode datilografar”

O cientista e o patrão conversam na sala dele. Depois de algum tempo, a secretária entra na sala: o assistente do doutor Fulton ligou, é urgente, está acontecendo algo muito grave no laboratório.

Mr. Oxley pega um papel e entrega para a secretária: – “Arranje alguém para datilografar isso.”

Ela: – “Oh, Mr. Oxley, não posso tentar de novo?”

Mr. Oxley: – “Não. É muito importante. Melhor arranjar alguém para datilografar para você.”

Ela se encaminha para fora da sala; a câmara a segue, até que ela fecha a porta. Vemos os dois homens olhando na direção de onde estivera a bunda dela. Mr. Oxley diz, à guisa de explicação:

– “Qualquer um pode datilografar.”

 Marilyn estava com 26 anos, no meio da ascensão meteórica, fulminante

Marilyn estava com 26 anos, em 1952. Entre 1947 e 1949, tinha aparecido em papéis bem secundários em sete filmes sem qualquer importância. Em 1950, foram lançados dois grandes filmes em que ela tinha papéis pequenos, mas já mais visíveis, A Malvada/All About Eve, de Joseph L. Mankiewicz, e O Segredo das Jóias/The Asphalt Jungle, de John Huston.

Em 1951 foram lançados quatro filmes em que ela aparecia – filmes menores, que sumiram na poeira do tempo.

Em 1952 chegaram às telas Páginas da Vida/O. Henry Full House, um filme de cinco episódios, cada um realizado por um diretor, o drama pesado Almas Desesperadas/Don’t Bother to Knock, e este O Inventor da Mocidade.

A trajetória de Marilyn foi absolutamente meteórica; em 1955, o ano de O Pecado Mora ao Lado/The Seven Year Itch, já era a mais famosa estrela do cinema mundial, após Como Agarrar um Milionário e Torrentes de Paixão/Niagara (1953) e O Rio das Almas Perdidas/River of no Return e O Mundo da Fantasia/There’s no Business like Show Business (1954).

Certamente era desse tipo de personagem como o da senhorita Laurel – a típica loura burra – que Marilyn tentava se livrar, quando, em 1955 e 1956, entrou para o Actors Studio de Lee Strasberg, casou-se com o dramaturgo Arthur Miller e aceitou o convite de Laurence Olivier, então o mais respeitado ator do cinema e do teatro ingleses, para filmar com ele o que viria a ser O Príncipe Encantado/The Prince and the Showgirl.

O fantástico, no entanto, é que, mesmo num papel tolo como este, que, a rigor, a rigor, é até indecente, ofensivo às mulheres, Marilyn brilha.

“Comédia maluca irritante”. Ou seria “uma comédia genial, uma obra-prima, um grande filme erótico”?

Leonard Maltin deu ao filme 3 estrelas em 4: “Grant descobre um soro rejuvenescedor, que afeta a ele, à esposa Rogers, o patrão Coburn, e a secretária Marilyn nesta comédia boba. A fala clássica de Cobunr para MM: “Arranje alguém para datilografar isso”. Escrito por Ben Hecht, Charles Lederer, and I.A.L. Diamond; é a voz de Hawks nos créditos iniciais.”

Hummm.. Não é o personagem de Cary Grant que descobre o soro rejuvenescedor, e a personagem de Marilyn não é afetada pela tal droga. Detalhinhos.

Dame Pauline Kael já sai matando: “Comédia maluca irritante. Como um professor de meia-idade que bebe uma poção rejuvenescedora, exige-se de Cary Grant que aja como um garoto travesso; é penoso vê-lo brincando de índio e caubói com um bando de crianças. Como sua esposa, que também toma a poção, Ginger Rogers é reduzida a um infantilismo de chupar o dedo, e tem uma atuação nervosa, própria de pesadelo.”

Verdade: o filme é bobo mesmo, conforme eu anotei de cara, lá no início do texto. Mas a grande dama da crítica americana estava muito mal humorada. É uma bobagem, sim, mas deliciosa.

E eis o que diz dela o Guide des Films de Jean Tulard:

“’Uma comédia genial, uma obra-prima de Hawks e uma das melhores reflexões sobre a infância que a ficção-científica já nos deu’ (Jacques Goimard). Talvez, mas é também um grande filme erótico, como mostra aquela cena em que Oxley, velho senhor muito digno subitamente desenfreado, persegue Lois dirigindo o jato do sifão de água ao posterior dela.”

Hêhê… É muito divertido ver como os críticos franceses adoravam filmes aos quais os próprios americanos não davam grande valor.

Como é que as pessoas sobrevivem à juventude?

Comédia maluca, inteiramente maluca, boba, mas divertidíssima, O Inventor da Mocidade tem uma observação muito séria a respeito da vida.

Depois que o professor Fulton tem sua experiência de rejuvenescimento, resolve destruir a fórmula na qual estava trabalhando. Eis o diálogo entre ele e sua mulher Edwina:

Ele: – “Concluí que a fórmula é a descoberta mais duvidosa desde o pó-de-mico, e tão útil quanto.”

Ela: – “Eu não diria isso. Curou sua bursite, melhorou sua visão. Você se sentiu mais jovem.”

Ele: – “Humpf! Estou começando a duvidar se ser jovem é tão bom assim. Sonhamos com a juventude, nos lembramos dela como se fossem rouxinóis cantando, cartas de amor. Mas e na verdade? Desajustamento, quase idiotice e uma série de desastres de comédias ruins. Eis o que é a juventude. Não sei como as pessoas sobrevivem a ela.”

Verdade, verdade, verdade. É difícil explicar como as pessoas sobrevivem à juventude. Talvez seja porque – como costumam dizer os mais velhos – a juventude é uma doença que o tempo cura.

Anotação em julho de 2012

O Inventor da Mocidade/Monkey Business

De Howard Hawks, EUA, 1952

Com Cary Grant (Prof. Barnaby Fulton), Ginger Rogers (Edwina Fulton), Charles Coburn (Mr. Oliver Oxley), Marilyn Monroe (Lois Laurel),

Hugh Marlowe (Hank Entwhistle), Henri Letondal (Dr. Siegfried Kitzel), Robert Cornthwaite (Dr. Zoldeck), Larry Keating (G.J. Culverly)

Roteiro Ben Hecht, Charles Lederer e I.A.L. Diamond

Baseado em uma história de Harry Segall

Fotografia Milton Krasner

Música Leigh Harline

Montagem William B. Murphy

Produção Sol C. Siegel, 20th Century Fox. DVD Fox

P&B, 97 min

R, ***

Título em Portugal: A Culpa foi do Macaco. Título na França: Chérie, je me sens rajeunir.

 

16 Comentários para “O Inventor da Mocidade / Monkey Business”

  1. Uma das melhores comédias de todos os tempos, deliciosamente divertida. Genial Hawks, aqui no seu melhor. A Pauline Kael só podia estar mesmo com dor de corno…
    Aqui em Portugal o filme foi baptizado como “A Culpa Foi do Macaco”.

  2. E a culpa foi mesmo do macaco! O título em Portugal – eu o transcrevi na ficha técnica, abaixo do meu texto – tem aquela exatidão lógica que muita gente atribui jocosamente aos portugueses.
    E o título na França? “Chérie, je me sens rajeunir” também tem exatidão lógica, mas me parece bem bobo…
    Grande abraço, caro Rato!
    Sérgio

  3. Adoro esse filme, pode parecer Bobo. Mas diz Muito nas Entrelinhas, sobre a Maturidade e as Agruras da Vida e a Perda da Inocência. A nossa Mocidade recolhida dentro de nós, e na Maioria das Vezes matamos a Criança que está dentro nós. Cary Grant e Ginger Rogers estão Magníficos. Além de Charles Coburn e a Ainda Desconhecida Marilyn Monroe, já Chamando a Atenção.

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