No Tempo das Borboletas / In the Time of the Butterflies

Nota: ★☆☆☆

No Tempo das Borboletas conta uma história real importante, que deveria ser mais conhecida. Passa-se na República Dominicana, durante a ditadura de Trujillo, e expõe a brutalidade, a violência, o horror dela. Pena que o filme seja tão absolutamente ruim.

Começa com fotos em preto-e-branco da época em que Trujillo reinou no país, e com letreiros para dar o contexto:

“De 1930 até 1961, o general Leônidas Trujillo manteve absoluto controle sobre a República Dominicana. Suas alianças secretas com a Igreja, aristocratas, intelectuais e a imprensa eram as fundações de sua ditadura. Sua fórmula de se manter no poder era simples: assassinar quem se opusesse a ele. Mais de 30 mil pessoas foram executadas durante seu regime de terror.”

A primeira tomada do filme é de uma cela de uma prisão, uma masmorra, onde está uma mulher que foi torturada. Chama-se Minerva Mirabal, é interpretada por Salma Hayek, e é a narradora da história. Ali, presa na masmorra, ela se lembra de sua infância com as três irmãs – e então vemos quatro garotinhas brincando em uma fazenda. Era 1934, e as quatro irmãs Mirabal eram filhas de um fazendeiro rico, Enrique (Fernando Becerril).

Há um corte no tempo, e temos então as irmãs agora adolescentes. Por insistência de Minerva, a mais ativa, inteligente, forte das quatro, são mandadas para estudar em um colégio católico para filhos de ricos, onde passam quatro ou cinco anos. Durante o período naquele internato, Minerva tem seu primeiro contato com o general Trujillo (interpretado por Edward James Olmos) – e pela primeira vez ouve falar que ele, el Jefe, o presidente adorado pelas madres do colégio e pelas famílias mais ricas do país, é um assassino, um ditador sanguinário.

Novo corte no tempo, e temos as irmãs de volta à fazenda dos pais, agora já no final da adolescência, quase adultas. Minerva, que havia sido interpretada por duas jovens atrizes, agora vem na pele de Salma Hayek – meu Deus do céu e também da terra, que pele. Mate, uma das irmãs, agora é interpretada por outra beleza esplendorosa, Mia Maestro.

A família Mirabal recebe um convite de Trujillo para um baile no palácio presidencial. O ditador não havia se esquecido da jovem Minerva, após o incidente acontecido no colégio de freiras. E, no baile, dança com ela; aperta-a, e bota a mãozorra na bunda da moça.

Leva um tapa na cara. Em público.

Estamos ainda no início da narrativa, aí com uns 25, 30 minutos de filme.

De boas intenções, o inferno dos filmes ruins está cheio

As irmãs Mirabal existiram de fato. A história delas faz parte da história da República Dominicana: tiveram um papel importante na luta contra a ditadura de Trujillo. (A Wikipedia tem bom verbete sobre elas, Mirabal Sisters – http://en.wikipedia.org/wiki/Mirabal_sisters.) Em 1999, a Organização das Nações Unidas, em homenagem a elas, marcou o dia 25 de novembro como o Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres.

Em 1994, a escritora Julia Álvarez, uma dominicana radicada nos Estados Unidos, escreveu um romance com base na história das irmãs, In the Time of the Butterflies. Foi com base nesse romance que se produziu este filme para a TV, uma co-produção entre Estados Unidos e México; todo o filme foi rodado no México.

Uma história real, e uma história importante, que deveria ser muito mais conhecida. Mary e eu resistimos à vontade de parar de ver o filme porque não conhecíamos nada da história, e isso é um absurdo.

Mas a verdade é que, com cinco minutos, fica mais do que claro que é um filme ruim, muito ruim. E vai piorando cada vez mais.

É bem intencionado. É um libelo contra uma ditadura sanguinária. Quanto às intenções, não há o que questionar: são as melhores possíveis.

De boas intenções, o inferno dos filmes ruins está cheio.

Mas como assim, um filme ruim, já que é bem intencionado, e conta uma história importante?

Ruim, ora bolas. Mal feito. Feito sem qualquer talento.

Roteiro frouxo, diálogos óbvios, cheios de clichês. Situações clichês, outras simplesmente inverossímeis. Elenco homogeneamente mal dirigido, atuações lastimáveis. Salma Hayek, com aquela beleza toda, aquela garra que ela demonstra muitas vezes (no ano seguinte, estaria magnífica em Frida), tem uma interpretação fraca, e o resto do elenco está pior ainda. Edward James Olmos está um horror como Trujillo: parece ausente, parece simplesmente não estar lá – atua como um autômato, um robô.

Há algumas situações em que o espectador fica vermelho de vergonha – não dá para acreditar que esteja vendo algo tão ruim. Às vezes, No Tempo das Borboletas parece um teatro escrito e encenado um grupo de adolescentes de alguma escola bem fraquinha, tadinha.

Mary, sempre arguta, cortante, o melhor texto da casa, seja escrevendo, seja falando, definiu com perfeição: é um filme tão ruim que, ao contar uma história verdadeira, parece fake.

É isso: é um filme falso como uma nota de três guaranis.

Produções de anglo-saxões sobre o que acontece ao Sul do Rio Grande costumam dar com os burros n’água

Não é incomum anglo-saxões pisarem no tomate, no tomateiro todo, ao contarem histórias passadas ao Sul do Rio Grande, protagonizadas por essa gente que eles chamam genericamente (e pejorativamente) de latin. Uma das maiores pisadas no tomate do grande, gigantesco John Ford, na minha opinião, foi Domínio de Bárbaros/The Fugitive, de 1947, em que Henry Fonda interpreta um padre num país latino-americano cuja ditadura havia proibido a existência de padres. Tudo em The Fugitive é fake – como é fake este No Tempo das Borboletas.
(Coincidência interessante, neste mundo de coincidências: em The Fugitive, o grande ator mexicano Pedro Armendáriz faz um tenente de polícia. Neste No Tempo das Borboletas, Pedro Armendáriz Jr. interpreta um capitão da polícia de Trujillo.)

O inglês Mike Newell, roteirista de primeiríssima, diretor do maravilhoso Quatro Casamentos e um Funeral e do respeitado Donnie Brasco, conseguiu transformar O Amor nos Tempos do Cólera, aquele romance sublime, maior, em um filme de merda.

Lembro esses dois exemplos (poderia lembrar de vários outros) para dizer que essa coisa acontece sempre. Este filme aqui não é o único caso de produção americana (ou inglesa) que não consegue entender, interpretar, a realidade latino-americana.

Claro: há casos de produções anglo-saxãs passadas na América Latina que são belas, às vezes excelentes, como, só para lembrar uma delas, A Casa dos Bebês/Casa de Los Babys, do politizado e independente americano John Sayles. Há exemplo para tudo que se queira. Mas o fato é que esta co-produção EUA-México sobre uma realidade latino-americana não é a única a dar com os burros n’água.

O diretor desta porcaria de filme bem intencionado sobre história importante é um catalão. Mariano Barroso nasceu em Barcelona, em 1959. Não reconheço nenhum dos outros 18 títulos de sua filmografia no IMDb. Ele é responsável por parte da ruindade do filme, é claro – como a atuação deplorável do elenco. Mas parte dela, sem dúvida, deve ser creditada – ou melhor, debitada – aos roteiristas, Judy Klass & David Klass. Trabalhinho ruim eles fizeram.

Anotação em maio de 2012

No Tempo das Borboletas/In the Time of the Butterflies

De Mariano Barroso, EUA-México, 2001

Com Salma Hayek (Minerva Mirabal), Edward James Olmos (Trujillo), Mía Maestro (Mate Mirabal), Demián Bichir (Manolo), Pilar Padilla (Dede Mirabal), Lumi Cavazos (Patria), Marc Anthony (Lio), Pedro Armendáriz Jr. (Capitão Pena), Ana Martín (Mama Mirabal), Fernando Becerril (Enrique Mirabal, o pai), Anthony Alvarez (Palomino)

Roteiro Judy Klass & David Klass

Baseado no romance de Julia Álvarez

Fotografia Xavier Pérez Grobet

Música Van Dyke Parks

Produção MGM, Showtime Networks, Ventanarosa Productions.

Cor, 95 min

*

7 Comentários para “No Tempo das Borboletas / In the Time of the Butterflies”

  1. A metodologia usada pelos:
    Capataz, capangas, cacique, ditadores.”É política do medo e pão”. Que a humanidade que foi favorecida com estas pessoas e esta família de Márteres, proporcionaou liberdade para as Naçoes incluisive a sua e explemplo de fidelização com sua ética, limites moral e com respeito ao próximo.
    Rezemos por estes que fez o bem sem olhar a quem e continua expandindo sua história e como o big-bang do universo, mesmo com seus sofrimento contínuo.

  2. Estou lendo o livro da Julia Alvares e resolvi pesquisar mais sobre a história.
    O livro é bom.
    Não vou ver o filme.

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