Desconhecido / Unknown

Nota: ★★½☆

Tem coisas boas este filme de mistério-suspense-ação do cinemão comercial europeu. A trama fisga o espectador logo de cara; o diretor catalão Jaume Collet-Serra, apesar de ser extremamente jovem, sabe criar um bom clima e é um artesão de grande competência.

Depois, como quase tudo no cinemão comercial, o filme se embaralha em implausibilidades e parte para aquelas insuportáveis seqüências de perseguição de carros – bem, insuportáveis para mim, mas que devem fazer a alegria de muita gente, ou então não haveria tanta perseguição de carro nos filmões de orçamento milionário.

E, já quase no fim, tem uma reviravolta de fato inesperada. Um danado de um pulo do gato.

Desconhecido começa nos apresentando um casal que parece em paz e apaixonado, num vôo dos Estados Unidos para Berlim. O marido nos é introduzido como o dr. Martin Harris (o papel de Liam Neeson), especialista em biotecnologia, que está chegando a Berlim para participar de um ciclo de conferências de cobrões da área. Sua mulher, Elizabeth, Liz (interpretada por January Jones, na foto abaixo), parece devotada, grande companheira.

Martin e Liz não percebem o que o diretor Collet-Serra mostra claramente: ao entrar num táxi no aeroporto de Berlim, o casal deixa no carrinho de bagagens uma maleta dessas de executivo. Martin só dá pela falta da maleta ao chegar ao hotel caro, elegante, em que vão se hospedar e que será a sede das conferências sobre biotecnologia. Enquanto Liz está se preparando para fazer o check-in no hotel, Martin pega um táxi para voltar ao aeroporto e reaver a maleta.

ATENÇÃO: Os parágrafos abaixo revelam fatos surpreendentes do início da trama; para quem não viu o filme, melhor pular para o próximo intertítulo

Pelo retrovisor, dá para ver que quem dirige o táxi é uma mulher. Mas só lá pela terceira tomada dela é que o espectador verá que a motorista é interpretada por Diane Kruger, aquele colírio abençoado que faz bem à vista.

O trânsito está pesado. No banco de trás do Mercedes (na Alemanha, os táxis são Mercedes, certo?), Martin se impacienta; tenta falar no celular, mas não há sinal. Ele pede à motorista que tente outro caminho.

Teria sido melhor enfrentar o trânsito pesado.

Na nova rota escolhida pela motorista, o tráfego flui, o táxi avança velozmente; mas, diante dele, vai um utilitário carregando algo como uma geladeira, que, nada germanicamente, consegue se desvencilhar das cordas e cai no chão, quase atingindo em cheio o Mercedes. Ao tentar desviar do projétil, o táxi faz uma curva acelerada, um motociclista quase bate nele, a motorista perde o controle do veículo quando ele está passando sobre uma ponte, o Mercedes arrebenta a mureta e mergulha na água gelada do rio lá embaixo.

A seqüência é brilhantemente executada. Brilhantemente. Gente do ramo, artesãos testados e comprovados tipo Tony Scott, Michael Mann, seguramente assinaria embaixo do trabalho do garoto Collet-Serra nesta e nas demais seqüências de ação do filme.

Martin bate com a cabeça no vidro, perde os sentidos.

Não se percebe o momento em que a motorista de táxi que vem na pele linda e loura de Diane Kruger grita shazam!, mas o fato é que de repente ela vira Mulher Maravilha. Salva-se, e mergulha nas águas geladas para resgatar o passageiro desacordado.

Deposita o desacordado Martin na margem do rio, e, enquanto os paramédicos começam a cuidar dele – aí, sim, a eficiência germânica se fez presente, e os paramédicos já estão lá a postos para cuidar do ferido assim que ele é carregado para fora do rio –, a motorista linda, loura e molhada desaparece bem rapidinho da cena.

Os paramédicos tentam de tudo para reativar o coração de Martin – e, nesse momento do filme, não consegui deixar de lembrar da sequência em que dois homens tentam reanimar a personagem interpretada por Cecile de France no maravilhoso Além da Vida/Hereafter, de Clint Eastwood, depois que ela é tragada pelas águas do tsunami.

Martin sai do coma quatro dias depois, num hospital germânica e imaculadamente limpo, perfeito. O médico que o assiste conversa com ele; explica que, como ele sofreu um trauma, ficou minutos sem que o coração bombeasse o sangue, e em seguida esteve desacordado por quatro dias, será natural que ele tenha algum tipo de amnésia.

Bem rapidamente, no entanto, Martin se lembra: estava chegando ao hotel com Liz, iam fazer o check-in, ele tinha vindo a Berlim participar do simpósio sobre biotecnologia. Liz deve estar apavorada, sem notícias dele há quatro dias.

Muito depressa, Martin convence o médico de que está bem, pode ter alta, pode sair do hospital: quer ir ao hotel, encontrar Liz.

Chega ao hotel, vê Liz, vai falar com ela – mas ela dá mostras de que não o reconhece. E ao lado dela está seu marido, o dr. Martin Harris (interpretado por Aidan Quinn).

O que se relatou acima acontece nos primeiros 15 minutos do filme

Estamos com menos de 15 minutos de filme, e diante de um imenso mistério.

A trama que virá a seguir é engenhosa, interessante. Implausível a não mais poder, complicada, complexa, mas engenhosa – e ela prenderá o interesse do espectador até o fim dos 113 minutos de duração do filme.

Para quem gosta de filme de mistério-suspense-ação do cinemão comercial, e curte seqüências de perseguição de carros, é um prato cheio. Bem cheio.

O diretor Jaume Collet-Serra, nascido em Barcelona em 1974 (!), apenas um ano antes da minha filha, havia feito três filmes antes deste Desconhecido. O anterior, de 2009, é A Órfã, um suspense também de grande orçamento, com Vera Farmiga e Peter Sarsgaard, e mais Isabelle Fuhrman no papel-título; não vi o filme, mas a capinha do DVD, com o rosto impressionante dessa Isabelle Fuhrman, com uma danada cara de louca, assim meio Christina Ricci, me assusta sempre que vou à locadora. Fez e faz bastante sucesso, esse A Órfã.

Seguramente foi o sucesso de A Órfã que fez com que esse catalão tão pirralho fosse encarregado de dirigir esta produçãozona de US$ 30 milhões, bancados por produtores dos três países mais ricos da hoje tão pobre Europa – Inglaterra, França e Alemanha.

O garoto é um artesão de grande competência. Coisa louca, a Espanha dos 20% de população sem emprego: como brota diretor e roteirista de cinema competente naquele país, meu Deus do céu e também da terra.

O personagem de Diane Kruger é inverossímil. Mas ela é tão bela que não faz mal

Dezoito anos após interpretar o papel principal na obra-prima de Steven Wonder Spielberg, A Lista de Schindler, o grande Liam Neeson deixa-se dirigir pelo garoto 22 anos mais jovem que ele – e nos entrega uma interpretação nunca menos que correta. Acho que Liam Neeson não sabe como não trabalhar direito.

O personagem de Gina, a motorista de táxi capaz de atos heróicos à la Mulher Maravilha, é inverossímil como uma nota de dois guaranis, ou a honestidade dos carloslupis ou orlandosilvas do lulo-petismo, mas não há muito problema: a gente olha para o rosto perfeito de Diane Kruger e acredita em qualquer coisa, Papai Noel, Saci Pererê…

A produção é tão caprichada que tem, em papéis pequenos – embora importantes na trama complicada –, os grandes atores de língua alemã Bruno Ganz e Sebastian Koch.

Bruno Ganz, suíço da parte de fala alemã, que já foi anjo na obra-prima de Wim Wenders, Asas do Desejo, e conseguiu dotar de alguma humanidade uma das criaturas mais diabólicas que já pisaram na superfície do planeta, em A Queda! As Últimas Horas de Hitler, está excelente como Ernst Jürgen, a quem o protagonista Martin Harris recorre para tentar provar que é Martin Harris. Jürgen declara de pronto para Martin que trabalhou durante décadas na Stasi, a pavorosa polícia política da Alemanha comunista – e em seguida acrescenta que tem orgulho de seu passado.

Uma coincidência curiosa com a filmografia do ótimo Sebastian Koch, que interpretou o aristocrata Oberst Claus Graf Schenk von Stauffenberg, um dos oficiais nazistas que participaram da tentativa de assassinato de Hitler, em 1944, no filme Operação Valkiria/Stauffenberg (que seria desnecessariamente refeito pelos americanos, com Tom Cruise no papel central) – e, depois, interpretou um intelectual da Alemanha comunista espionado pela Stasi no excelente A Vida dos Outros/Das Leben der Anderen.

É humanamente impossível, mesmo para os super-homens alemães, livrar-se do peso de Hitler e da Stasi. A lembrança desses dois horrores permanecerá para sempre.

Bem ao contrário da fala que puseram na boca de Bruno Ganz neste Desconhecido. Lá pelas tantas, seu personagem, o ex-espião da Stasi Ernst Jürgen, diz algo assim (não é ipsis literis; não anotei na hora):

– “Nós, alemães, somos especialistas em esquecer. Esquecemos Hitler e o nazismo, esquecemos o comunismo.”

Uma boutade, uma frase de efeito. Não dá para esquecer tragédias daquela dimensão, as ditaduras nazista e comunista, que o povo alemão teve que enfrentar consecutivamente ao longo de quase um século inteiro.

Ao contrário deste filme aqui, muito bem feito, mas a rigor, a rigor, nada importante. Um filme de ação competente para se ver – e fácil de se esquecer em seguida.

Anotação em novembro de 2011

Desconhecido/Unknown

De Jaume Collet-Serra, Inglaterra-Alemanha-França, 2011

Com Liam Neeson (Dr. Martin Harris), Diane Kruger (Gina), January Jones (Elizabeth Harris), Aidan Quinn (Martin B), Bruno Ganz (Ernst Jürgen), Frank Langella (Rodney Cole), Sebastian Koch (Professor Leo Bressler)

Roteiro Oliver Butcher & Stephen Cornwell

Baseado no romance Out of My Head, de Didier Van Cauwelaert

Fotografia Flavio Labiano

Música John Ottman e Alexander Rudd

Produção Warner Bros., Dark Castle Entertainment,

Panda Productions, Canal+. Blu-ray e DVD Warner.

Cor, 113 min

**1/2

11 Comentários para “Desconhecido / Unknown”

  1. Adorei sua frase: “Um filme de ação competente para se ver – e fácil de se esquecer em seguida”. É isso mesmo! Outro ponto verdadeiro: Liam Neeson é sempre competente, por vezes sério demais, mas sempre bom.

  2. Eu gostei. Tem um monte de mentirada, mas qual filme de ação não tem?
    As sequências de perseguição de carro me irritam um pouco, eu também não curto. Até pq no final todos saem ilesos, mesmo que os carros batam, capotem ou explodam.

    Liam Neeson ainda está um charme (o tempo é mais generoso com os homens do que com as mulheres, infelizmente) e em boa forma.
    Essa January Jones é muito fraquinha. Ainda bem que quase não aparece.

    Se o filme tivesse seguido mais pelo caminho do suspense, e menos pelo da pancadaria eu teria gostado mais.
    Só achei a trama um pouco confusa.

  3. Além das perseguições de carro que como voce,eu tbm odeio, é que o cara sai depois
    deles da casa da Gina e, ainda vai dar uma
    fechada neles lá na frente … putz !!!!!!!!!

    É como vc diz, a Diane é tão linda que se esquece o resto da personagem…
    Concordo com a Jussara quando diz que a January é bem fraquinha e que se o filme tivesse continuado pelo suspense e não pancadaria sería bem melhor. E aí, ele fica
    confuso e ( para mim ) tão doideira quanto o
    “suspeito de uma certa rua”.
    Acabei de assistir na HBO.

Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *