Corações Perdidos / Welcome to the Rileys

Nota: ★★★★

Uma maravilha de filme, este Corações Perdidos, no original Welcome to the Rileys. Drama sério, adulto, para público adulto, com interpretações não menos que magníficas de seus três atores principas, James Gandolfini, Melissa Leo e a garota Kristen Stewart.

Uma das coisas boas da vida é ver um filme sobre o qual não sabemos coisa alguma, e ser surpreendido pela grande qualidade da obra. Não acontece com grande freqüência, mas é exatamente o caso deste Corações Perdidos. Não tinha ouvido falar dele, não tinha lido uma linha sobre ele; pegamos na locadora apenas porque era um drama, estava entre os lançamentos e tinha o nome dos três atores na capa do DVD.

Como tantos filmes recentes – é uma produção de 2010, e não dos grandes estúdios -, ele não tem créditos iniciais, e portanto só ficamos sabendo quem era o diretor depois do fim da narrativa, nos créditos finais.

É de Jake Scott, e o nome por si só não fez cair ficha alguma. Só em seguida, quando os créditos indicam que é uma produção de Ridley Scott e Tony Scott, me lembrei que Jake é filho de Ridley, sobrinho de Tony.

Que família! Outra filha de Ridley, Jordan Scott, também é diretora – fez Sedução/Cracks, de 2009, um filme de visual assombrosamente belo mas que se revela, ao final, na minha opinião, um grande desapontamento.

Jake Scott, nascido em 1965, vem do universo musical, pelo que se vê no IMDb. Dirigiu vídeos de grandes nomes – R.E.M., Tori Amos, Cranberries, Smashing Pumpkins. Parece que este aqui é seu segundo longa-metragem, apenas.

Perda, o tocar a vida depois dela, marginalidade, pobreza, falta de opções

Que coisa impressionante, chocante. Jovem demais, o cara dirige feito gente grande, com uma maestria, um domínio da narrativa, uma capacidade para obter grandes interpretações que muito veterano não tem.

Teve a inteligência, o bom gosto de participar de um projeto que tinha uma bela história, contada num roteiro de primeiríssima qualidade.

É um drama familiar; fala sobre perda, e o tocar a vida depois dela, um tema duro, importante, que tem sido bastante abordado em filmes americanos, especialmente os independentes – Reencontrando a Felicidade, As Coisas Impossíveis do Amor, Em Busca de uma Nova Chance, Vida que Segue.

Fala também sobre marginalidade, pobreza, falta de opções – os deserdados, os deixados de lado pelo Sonho Americano.

Na primeira tomada, vemos um carro em chamas. Fade out, a tela fica negra e surge apenas o título do filme – Welcome to the Rileys. Em seguida vemos, numa tomada muito escura, em close-up, o rosto de um homem que acende um cigarro. Ele se afasta, a câmara permanece fixa, e vemos que é James Gandolfini. Seu personagem, o Riley do título original, Doug Riley, tinha saído para fumar um cigarro; está em meio a um jogo de pôquer com os amigos. Do pôquer, vai a um restaurante simples, comer waffles. Conversa com a garçonete, Vivian – e pela conversa deles ficamos sabendo que toda quinta-feira, após jogar cartas com os amigos, Doug vai até aquele lugar comer sempre o mesmo prato de waffles – e, em seguida, come Vivian, a garçonete. São amantes há quatro anos.

Quando Doug chega em casa, a câmara mostra uma plaquinha na parede de fora: “Welcome to the Rileys”. Bem-vindo ao lar dos Rileys. Uma ironia dura, trágica, a do título do filme – como, por exemplo, os títulos Estamos Todos Bem, do filme de Giuseppe Tornatore, mais tarde refeito nos Estados Unidos como Everybody’s Fine, e Não Se Preocupe, Estou Bem!, de Phillippe Lioret. As coisas não estão nada bem, nos dois filmes citados.

Assim como as coisas não estão nada bem, no lar dos Rileys.

Oito anos depois da perda da filha, Lois continua em depressão, agorafóbica

Nos primeiros 15 minutos do filme, de uma forma absolutamente natural, numa narrativa tranquila, revela-se para o espectador uma série de fatos sobre os Rileys:

Têm uma vida bastante confortável, em termos materiais. Moram numa boa casa. Doug é sócio majoritário de uma empresa que possui lojas de material de construção.

Sua mulher, Lois (o papel de Melissa Leo, na foto acima), é uma mulher que vive em depressão desde que a filha única do casal, Emily, morreu, em 2001. A ação se passa em 2009, e a depressão de Lois dura portanto já oito anos. É tamanha, que ela desenvolveu agorafobia – em oito anos, jamais pisou fora de casa. Jamais voltou a ter relações sexuais com o marido.

Os dois se amam, se respeitam – mas é uma vida a dois tristíssima, sem gestos de afeto, sem conversas sobre a dor que sentem.

Com exatos dez minutos de filme, Doug fica sabendo que sua amante Vivian morreu subitamente, de ataque cardíaco.

Doug passa noites insones, fumando na garagem, chorando.

Ele tem que fazer uma viagem até New Orleans, para uma convenção de trabalho – vivem em Indiana. Planejara viajar com Vivian. Na cidade festeira, já se reconstruído após a passagem do furacão Katrina, a dor da perda de Vivian o oprime. Sai um dia do hotel em que se realiza a convenção, perambula pelo bairro francês, acaba entrando numa boate de strip-tease. Aos exatos 20 minutos de filme, na boate, é abordado por uma dançarina, uma garota que diz ter 22 anos mas tem a aparência de uns 16 – o papel de Kristen Stewart. A garota tenta excitá-lo, recita sua tabela de preços. Uma garota da idade da filha que ele perdeu.

Dois grandes atores em atuações esplêndidas, James Gandolfini e Melissa Leo. E Kristen Stewart muito bem

James Gandolfini é um grande ator. Tornou-se internacionalmente conhecido por seu papel central da série de imenso sucesso Família Soprano. Trabalhou em filmes dos irmãos Coen (O Homem Que Não Estava Lá), de John Turturro (Romance e Cigarros), de Joel Schumacher (Oito Milímetros), de Tony Scott (O Seqüestro do Metrô 1 2 3). Já ganhou 17 prêmios e outras 25 indicações.

Teve aqui um de seus melhores papéis, se não o melhor – e seu desempenho é absolutamente extraordinário.

Melissa Leo também é uma grande atriz. Não é uma estrela; não tem imensa beleza, e trabalha basicamente no cinema independente, mas ganhou o Oscar de melhor coadjuvante por O Vencedor, em 2011, dois anos após ter sido indicada na categoria principal por Rio Congelado. Tem um total de 32 prêmios e 16 indicações.

A interpretação dela neste Corações Perdidos é um espetáculo; dá vontade de aplaudir de pé como na ópera.

Há uma sequência, já na segunda metade do filme, em que os dois grandes atores estão juntos, que é uma coisa antológica, brilhante, emocionante.

Kristen Stewart contrabalança o fenômeno Crepúsculo com bons filmes

Aparecer em um filme sério, denso, em que estão James Gandolfini e Melissa Leo, não é para qualquer jovem ator. E sai-se bem, bastante bem, essa garotinha Kristen Stewart. A menina teve a sorte grande (ou seria um grande azar?) de ter sido escolhida para o principal papel feminino na série Crepúsculo, um sucesso absolutamente extraordinário entre os adolescentes do mundo todo.

É inteligente, esperta, ou então tem agentes muito bons, ou as duas coisas juntas, porque não deitou sobre os louros do sucesso comercial da série sobre vampiros. Teve uma interpretação bastante boa no papel da roqueira Joan Jett em The Runaways – Garotas do Rock. E teve a sorte de ser escolhida para o papel dessa jovem prostituta inteiramente perdida na vida.

Um Scott que promete demais, um filme que cala a boca de muita gente

Jake Scott. Eis aí um nome para guardar. Tem imenso talento, segurança, firmeza. Dá para se esperar muita coisa boa desse rapaz.

É uma beleza, uma maravilha de filme. Desses de calar a boca de quem – eu inclusive – reclama muito que o cinema se emburreceu nos últimos anos, nas últimas décadas; que o cinema se infantilizou com superproduções que dependem de efeitos especiais; que são muito poucas as histórias de pessoas comuns, gente como a gente; que é difícil se encontrar um filme adulto, para uma platéia madura, com personagens bem construídos.

Corações Perdidos/Welcome to the Rileys cala a boca de quem diz tudo isso aí. Quem diz tudo isso aí – eu inclusive – cai no pecado mortal da generalização, do falar sem ter base, lastro

A verdade é que, quando a gente generaliza, sem conhecer direito aquilo sobre o que se está falando, a gente fala muita merda. E há uma perigosa tendência de as pessoas acharem que conhecem muito mais do que a rigor conhecem. A verdade, mesmo, é que toda generalização é reducionista, pouco inteligente. Quando alguém empina o nariz e diz que detesta filme americano, pode acreditar: é generalizador, reducionista, pouco inteligente.

Fazem-se muitos bons filmes, hoje em dia, sim, décadas depois de o cinemão comercial ter ficado mais raso, burro. Fazem-se muitos bons filmes, hoje, sim, inclusive – e especialmente – nos Estados Unidos. Nem só de blockbusters idiotas vive o cinema americano. Até porque não há um cinema americano, mas diversos tipos de cinema feitos nos Estados Unidos.

Este aqui, por exemplo, é uma beleza, uma maravilha de filme.

Anotação em novembro de 2011

Corações Perdidos/Welcome to the Rileys

De Jake Scott, EUA-Inglaterra, 2010.

Com James Gandolfini (Doug Riley), Kristen Stewart (Allison, ou Mallory), Melissa Leo (Lois Riley), Joe Chrest (Jerry), Ally Sheedy (Harriet), Tiffany Coty (Tara), Eisa Davis (Vivian)

Argumento e roteiro Ken Hixon

Fotografia Christopher Soos

Música Marc Streitenfeld

No DVD. Produção Samuel Goldwyn Films, Destination Films, Scott Free Productions, Argonaut Pictures, Film Rites. DVD Imagem Filmes.

Cor, 110 min

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4 Comentários para “Corações Perdidos / Welcome to the Rileys”

  1. Um filmaço sem dúvida alguma.
    Melissa Leo e James Gandolfini, soberbos !!!
    Foi por suas presenças que me interessei em ver este filme.
    Mas qual não foi minha surpresa em ver a atuação da Kristem. Só vi um daquela “saga”.
    Quanta diferença .
    A outra surpresa foi ver Gandolfini fazendo este drama tenso, forte.
    Acostumei-me vê-lo em policiais ou filmes de ação. E aqui ele e a Melissa arrasaram.
    De fato, “Rio congelado” outro grande filme com Melissa. E também ” O vencedor ” onde ela ganhou o oscar e também onde gostei da atuação do Christian Bale.
    Eu a aplaudiria de pé nestes dois filmes e para mim ela é uma mulher muito linda.
    Achei o final muito bom , real .
    Um abraço !!

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