Você Vai Conhecer o Homem de Seus Sonhos / You Will Meet a Tall Dark Stranger

Nota: ★★★½

Anotação em 2011: Aos 75 anos de idade, no seu filme de 2010, Woody Allen mostra que às vezes as ilusões fazem bem. Os autores e adoradores dos livros de auto-ajuda, psiquiatras e psicólogos provavelmente não aprovarão a tese.

Bem, não chega a ser uma novidade. Já faz anos que Woody Allen diz em seus belos, maravilhosos filmes, que nas questões de amor – os livros de auto-ajuda e os psicólogos que nos desculpem – é necessária uma boa dose de sorte.

A ação se passa em Londres – e é interessante notar isso. Dos sete filmes mais recentes filmes do cineasta, seis se passam na Europa, foram produzidos na Europa: Match Point (2005), Scoop – O Grande Furo (2006), O Sonho de Cassandra (2007), Vicky Cristina Barcelona (2008), este Você Vai Conhecer o Homem de Seus Sonhos (2010), e Meia-Noite em Paris (2011). Apenas o filme anterior a este aqui, Tudo Pode Dar Certo (2009), se passa na Nova York que Allen focalizava em todos os seus filmes anteriores a 2005.

Também não chega a ser novidade o fato de que, há muito tempo, Woody Allen faz mais sucesso na Europa do que em seu país natal. É natural, portanto, que encontre financiadores no Velho Continente. Você Vai Conhecer… foi feito com capital dos Estados Unidos e da Espanha.

Um narrador externo à história, que não é um dos personagens

Nos créditos iniciais – os mesmos créditos iniciais de sempre de todos os filmes de Woody Allen, fundo preto, letrinhas brancas, sempre na mesma tipologia –, ouvimos “When You Wish Upon a Star”, o clássico da canção americana, criado pela dupla Ned Washington-Leigh Hariline para o desenho Pinóquio, de Walt Disney, de 1940. “When you wish upon a star / Makes no difference who you are / Anything your heart desires / Will come to you” – ou, numa tradução vagabunda, que perde todo o encanto, quando você faz um desejo para uma estrela, não importa quem você seja; qualquer coisa que seu coração desejar vai acontecer com você.

O filme tem um narrador em terceira pessoa – é um narrador externo à história, não é um dos personagens. A voz em off é de um sujeito chamado Zak Orth; é uma voz comum, normal, não empostada, não a voz forte de um grande ator. O texto que ele fala é sempre brilhante, mas num tom casual, despretensioso, na maior parte das vezes. Abre com uma citação de Shakespeare, mas não há aparência de se querer esnobar, mostrar erudição. Ao contrário. É como se uma pessoa comum estivesse contando uma história para um grupo de amigos no bar:

– “Shakespeare dizia que a vida está cheia de som e fúria, e, no fim, nada significa. Muito bem, vamos começar com Helena.”

E estamos vendo Helena descer de um daqueles táxis londrinos, pretos, bem antigos, numa rua de bairro mais periférico. Helena (interpretada, genialmente, por Gemma Jones, na foto acima com Naomi Watts), uma senhora de mais de 60 anos, talvez beirando os 70, está indo pela primeira vez a uma vidente, Cristal (Pauline Collins).

A vida de Helena não anda bem. Seu marido, Alfie (Anthony Hopkins), a abandonou, após 40 anos de vida em comum. Com uma situação financeira extremamente confortável, Alfie mudou-se para um apartamento de solteiro, passou a correr e a fazer exercícios físicos e musculação. Tem a ilusão de que não está velho.

Abandonada, Helena tentou se matar tomando um vidro de pílulas. Agora busca saber o que o futuro reserva para ela – e a vidente Cristal vê um futuro glorioso.

Os nomes que Allen escolheu para seus personagens

Parênteses para comentar sobre dois nomes dos personagens. Alfie remete ao jovem conquistador interpretado pelo então garotão Michael Caine em Como Conquistar as Mulheres/Alfie, de 1966. A canção “Alfie”, composta para o filme pela dupla Burt Bacharach-Hal David, cantada, na versão exibida na Inglaterra, por Cilia Black, e, na versão americana, por Cher, seria um tremendo sucesso mundial na voz de Dionne Warwick. E o filme, claro, seria refeito em 2004 como Alfie – O Sedutor/Alfie, com Jude Law no papel que havia sido de Michael Caine.

E Cristal… É uma brincadeira cristalinamente clara chamar uma vidente de Cristal, certo?

Um casal que não anda bem – e surgem outros em suas vidas

Depois de nos apresentar Helena e Alfie, o narrador nos fala de Sally e Roy. Sally (Naomi Watts, na foto com Anthony Hopkins) é filha de Helena e Alfie, e, segundo a mãe, não teve sorte no casamento. Roy (Josh Brolin) formou-se em Medicina, mas nunca praticou. Meteu na cabeça que queria ser escritor; publicou um livro que fez sucesso, mas, depois deste primeiro, nunca mais escreveu nada que prestasse; no momento mostrado no filme, está trabalhando em um livro que não consegue acabar. O casal mais jovem precisa da ajuda de Helena para pagar as contas.

Não vai muito bem o casamento de Sally e Roy. Foram apaixonados, no passado, mas agora discutem muito, não têm grande prazer com a presença do outro. Roy ficará fascinado pela moça que mora num apartamento ao lado do seu, uma violonista que toca Boccherini – veremos depois que se chama Dia, e é interpretada por Freida Pinto (na foto abaixo), a jovem atriz de grande beleza, nascida em Bombaim, na Índia, em 1984, que trabalhou em Quem Quer Ser um Milionário?

Uma indiana na vida de Roy, um espanhol na de Sally. Sally, formada em Artes, vai trabalhar em uma galeria pertencente a um espanhol bonitão, Greg (Antonio Banderas) – e vai se engraçar pelo patrão.

O pai dela, Alfie, vai se engraçar por uma jovem que poderia sua filha, Charmaine (Lucy Punch), um mulherão, alta, comprida, vistosona, sempre vestida de forma mais do que provocante, as longas coxas à mostra. O personagem de Charmaine lembra um pouco o da puta interpretada por Mira Sorvino em Poderosa Afrodite, de 1995.

A vidente Cristal continua prometendo a Helena que ela têm um belo futuro à sua frente, inclusive com um futuro amor.

“E quando você pensa que as coisas não podem piorar…”

Helena costuma visitar a filha, conta para ela o que Cristal vê em seu futuro. Roy reage com irritação àquelas histórias, diz que tudo é fraude. É após uma dessas visitas de Helena que Sally e Roy discutem sobre essa coisa de a velha senhora estar se alimentando das promessas que a vidente lhe faz, e então Sally diz para o marido:

– “Às vezes as ilusões dão melhores resultados que os remédios.”

As intervenções do narrador são sempre inteligentes, gostosas, um belíssimo texto. Lá pelas tantas, quando Roy está numa situação especialmente ruim, o narrador diz:

– “E quando você pensa que as coisas não podem piorar, o destino mostra que há problemas ainda maiores.”

Brilho de frase. Faz lembrar o que outro gênio judeu americano, Bob Dylan, diz em “Not Dark Yet”: “Sometimes my burden seems more than I can bear / It’s not dark yet, but it’s getting there” – às vezes meu fardo parece mais pesado do que posso aguentar. Não está escuro ainda, mas vai ficar”.

Uma narrativa sóbria, discreta – e alguns planos-seqüência dentro de casa

Em diversos de seus filmes, Woody Allen costuma usar brincadeirinhas formais. Neste aqui, não. Sua narrativa está absolutamente sóbria, discreta. Há a voz em off do narrador pontuando a história, que é uma característica típica, específica. Mas na verdade não é só isso. Há uma outra jogadinha que ele cria, brilhante, bem realizadíssima, mas que não chegará, provavelmente, a ser percebida por muitos espectadores, porque o cineasta não quis fazer uma coisa exagerada, tipo foguetório, fogos de artifício. É o seguinte: em diversas das sequências passadas na casa de Sally e Roy, Woody Allen faz pequenos planos-seqüência. Sally e Roy andam muito pelos diversos cômodos do apartamento, vão e vêm de um lugar para outro, pela sala, pela cozinha, pelo quarto – e aí a câmara vai seguindo os personagens, sem cortes.

São sequências brilhantes, memoráveis. Woody Allen é um extraordinário diretor de atores, e a jovem Naomi Watts e a veterana Gemma Jones dão shows de interpretação. Esse Josh Brolin, que faz Roy, não me parece um brilho, mas, dirigido por Allen, dá pro gasto.

Até mesmo Antonio Banderas, esse careteiro incorrigível, dá pro gasto, sob a batuta e o freio de mão de Allen.

Anthony Hopkins (na foto com Lucy Punch)  é Anthony Hopkins. É um ator exagerado – mas exagera com brilho.

E, como sempre, o final chega depressa demais

Como sempre nos filmes de Woody Allen, o final chega cedo demais. Fico sempre com a sensação de quero mais, que droga que já vai acabar, quando seus maravilhosos filmes vão se encaminhando para o fim.

Você Vai Conhecer o Homem de Seus Sonhos/You Will Meet a Tall Dark Stranger

De Woody Allen, EUA-Espanha, 2010

Com Gemma Jones (Helena Shebritch), Anthony Hopkins (Alfie Shebritch), Naomi Watts (Sally Channing), Josh Brolin (Roy Channing), Freida Pinto (Dia), Antonio Banderas (Greg), Lucy Punch (Charmaine), Pauline Collins (Cristal), Roger Ashton-Griffiths (Jonathan), Ewen Bremner (Henry Strangler), Zak Orth (voz, narrador)

Argumento e roteiro Woody Allen

Fotografia Vilmos Zsigmond

Produção Mediapro, Versátil Cinema, Gravier Productions, Antena 3 Films, Antena 3 Televisión, Dippermouth. Blue-ray e DVD Paris Filmes.

Cor, 98 min

***1/2

 

 

15 Comentários para “Você Vai Conhecer o Homem de Seus Sonhos / You Will Meet a Tall Dark Stranger”

  1. Outro do Woody Allen…
    E outro que eu não vejo. Fico com comichões (coceira como vocês dizem) só de pensar em ver outro filme dele.
    O homem faz filmes como uma galinha a por ovos.

  2. Hêhê… É o tal negócio: há os adoradores de Woody Allen e os que odeiam Woody Allen…
    Mas, meu caro José Luís, é como o ditado: galinha feliz bota ovo bom!
    Um abraço!
    Sérgio

  3. Sou arroz de festa em todos os posts sobre Woody Allen. Gosto bastante dessa fase Europa. E que delícia esse seu comentário sobre o nome dos personagens..eu não tinha reparado.

  4. O filme ficou um tempão num cinema que me é difícil ir. Mas… vi ontem numa sessão especial (na minha casa às 16:00). Valeu e valeu muito a pena. Filme passado em Londres, muda o cenário e eu gosto. Os intérpretes também são bons. Enfim, foi muito bom, adorei. Os comentários do Sergio são especiais pois ele conhece cinema. Eu não. Simplesmente, gosto ou não e desse gostei. Está cheio de considerações sobre o comportamento das pessoas que nos levam a reconhecer os fatos…

  5. Ora, Maria… Sem essa de que eu “conheço cinema”. Você conhece tanto – se não mais – do que eu…
    Você já sabe, mas repito: é sempre uma honra receber comentários seus!
    Um abraço.
    Sérgio

  6. Filme bonito e suave sobre a ilusão da juventude. Adorei, vi duas vezes. Woody Allen não perde a mão nunca, deve ser porque trabalha sempre com o homem comum, os sonhos cotidianos, as dificuldades que todos temos.

  7. Alguns dias atrás quando estava dando uma opinião sôbre o filme “Meia noite em Paris”,eu dizia que com alguma vergonha, era esse o primeiro filme de Allen que eu vía.
    Muito bem, me propus a asistir outros e, o segundo é este aqui, “Voce vai conhecer…”
    E este aqui, Sergio,é o primeiro,de todos os filmes que vi até hoje, sem antes ler a sinopse. Só sabía (claro) que era do Allen.
    Gostei muito,mas muito mesmo. É um filme bonito que contagia, prende, que faz com que queiramos ver logo a cena seguinte; achei todas as tramas muito bem desenvolvidas e, nós vamos nos envolvendo com a história, tá tão gostoso, e de repente, que pena… acaba.
    De fato, como dizes, a Naomi e a Gemma(conheci neste),dão show mas, o show maior fica por conta da Gemma. Que atuação!!!!! Com certeza, deve ter sido muito bonita quando jóvem. Como a Helena dela gostava de um whisky, não é ?? Eu também… Incrível como ela se vidrou naquela vidente.
    Até hoje, me parece muito estranho carro com a direção no lado direito. Nenhum homem com 70 ou 80 anos,tem o direito de reclamar dos chifres que vai levar de uma mulher bem mais jóvem ao se envolver com ela. Afinal,foi ele quem pagou para tê-los…
    A trilha sonora é muito bonita também.
    Alfie,de fato,foi um sucesso extraordinário com a Dionne principalmente aqui no RJ e, ela se não me engano está morando na Bahia.
    É como dizes, o Hopkins, exagera mas, com muito talento, sou “macaco” dele.
    Gostei demais de “Meia noite em Paris” mas, gostei um pouquinho mais deste “Voce vai…”
    Já tenho o terceiro filme de Allem para ver. É ele, “Scoop-O Grande Furo”.

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