Sangue sobre o Sol / Blood on the Sun

Nota: ★☆☆☆

Anotação em 2011: Para algum douto historiador, seja dos importantes fatos políticos e sociais, seja do cinema, este Sangue Sobre o Sol, um perfeito espelho da Grande História, pode ter algum interesse. O filme foi feito em 1945, o último ano da Segunda Guerra Mundial – a rendição da Alemanha foi em 8 de maio, e a dos japoneses veio após o lançamento das bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki, em 6 de agosto.

Então, um filme americano feito em 1945, o conflito ainda acontecendo, passado no Japão do final dos anos 1930, o país se preparando para a guerra, tem um senso de urgência, de coisa feita no calor da batalha que pode sem dúvida trazer lições para os historiadores.

Mesmo para o comum dos mortais, é interessante ver que o herói da narrativa, Nick Condon, um jornalista americano vivendo e trabalhando em Tóquio – interpretado por um dos maiores astros do cinema americano, o sempre durão James Cagney – tem grandes simpatias pela China e um imenso desprezo pelo Japão.

Tem toda lógica: parte da China estava então invadida por tropas japonesas. O Japão havia atacado a base naval de Pearl Harbor, no Havaí, em dezembro de 1941, e a partir daí os Estados Unidos lutavam contra os japoneses no Pacífico e contra a Alemanha nazista no Atlântico e na Europa. Assim, não há nada estranho que o filme mostre a China como uma quase aliada, e o Japão como um país dominado por uma máquina militarista, dirigida por um déspota, o primeiro-ministro Tanaka.

Mas é irônico, tragicamente irônico, lembrar que, apenas cinco anos após Sangue Sobre o Sol ter sido feito, escassímos cinco anos após as bombas americanas sobre Hiroshima e Nagasaki, o Japão era um grande aliado dos Estados Unidos, e o inimigo tinha passado a ser a República Popular da China, já então comunista sob as vitoriosas forças de Mao Tsé-Tung.

Uma trama cheia de furos, ridícula, atuações péssimas

Sim, tá legal, mas e o filme?

Bem, o filme, na minha opinião, é uma porcaria danada. Tirando fora o interesse aí museológico, histórico, é um péssimo filme.

A trama tem um monte de pontos simplesmente ridículos, furados, absurdos, babacas. As atuações são, todas elas, todas, sem exceção alguma, grotescas, exageradas, caricaturais. E não há de se poupar o grande James Cagney. Foi um astro gigantesco, uma personalidade fascinante; deixou uma marca fortíssima no cinema dos anos 30 e 40, em seus muitos papéis como bandido, gângster, homem brutal, de personalidade e punhos fortes – mas em muitas de suas atuações é exagerado, over do over, gestos largos demais, sempre berrando demais, sempre arregalando demais os olhos.

Talvez seja uma questão de contexto; talvez eu não consiga enxergar Cagney no contexto devido, os filmes policiais durões da Warner dos anos 30, em que se firmou. Pode ser, deve ser. Mas, na minha opinião, do que eu vi na vida, o melhor desempenho de James Cagney foi seu último papel, quando voltou a atuar, por uma única vez, após 20 anos de aposentadoria, como o comissário de polícia de Nova York Rheinlander Waldo na epopéia dirigida por Milos Forman No Tempo do Ragtime, de 1981.

Um jornalista e super-herói americano no Japão

Aqui, Cagney interpreta Nick Condon, jornalista e super-herói. Viveu um tempo na China, fez grandes amizades lá, fala mandarim muito bem. Em Tóquio, assumiu na prática a direção de um jornal em língua inglesa que ia mal das pernas, o The Tokyo Chronicle, se não me falha a memória, e aumentou imensamente sua circulação e seu faturamento publicitário. É repórter e ao mesmo tempo o manda-chuva do jornal – o diretor da empresa, um imbecil, não pode nada contra ele.

Ah, e ele também é um ás nas artes marciais. Luta judô melhor que os japoneses.

Não se precisa o ano em que a ação se passa, mas seguramente estamos nos anos 30, às vésperas da Segunda Guerra; o Japão já invadiu partes da China, a Mandchúria, Xangai. Quando a narrativa começa, o Tokyo Chronicle acabou de dar em manchete que o governo do primeiro-ministro Tanaka tem planos para dominar o mundo, a começar pela invasão dos Estados Unidos.

As autoridades japoneses – a começar pelo próprio primeiro-ministro Tanaka – estão fulas da vida com o jornal, e em especial com Nick Condon. No entanto, não o prendem (ou melhor, até prendem, mas apenas por uma noite), não fazem nada contra ele, nem contra o jornal. É um governo militarista, expansionista, imperialista, mas, diante de Nick Condon, não é duro como um samurai – é suave como uma gueixa.

E o primeiro-ministro Tanaka usa como espiã uma mulher que é meio chinesa, meio ocidental, Iris Hilliard (o papel de Sylvia Sidney). Iris será incumbida por Tanaka de roubar de Nick Condon importante documento que comprovaria os planos expansionistas do Japão. Estranhíssimo, porque até os peixes da baía de Tóquio sabem que Iris, meio chinesa, vai se aliar a Nick Condon contra o Japão.

Todos os japoneses, ou quase absolutamente todos, são mostrados como imbecis, idiotas, incompetentes.

Ah, sim. Naturalmente, o Japão mostrado no filme – que tem todo o tipo de produção B, coisa de orçamento limitado e talento idem – é todo de papelão. Ed Wood, o cara que é tido como o pior diretor do mundo, adoraria a direção de arte do filme.

Satisfazendo “a necessidade do público de odiar os japas”

E chega das minhas opiniões. Vou aos alfarrábios, que sabem muito mais.

Leonard Maltin dá nota 3 em 4: “Cagney, no Japão durante os anos 1930, cheira que os problemas estão chegando, mas é virtualmente impotente; bom melodrama. Também mostrado em versão colorizada por computador”.

Truco! Ninguém da equipe do Maltin viu o filme!

No livro The United Artists Story, há informações. (O filme foi distribuído pela empresa, embora tenha sido uma produção da William Cagney Productions.) Está lá: “Os produtores William e James Cagney (os dois eram irmãos) satisfizeram a necessidade do público de odiar os japas (japs, no original) com Blood on the Sun, que rendeu nas bilheterias US$ 3,4 milhões.”

Meu Deus do céu e também da terra, foi sucesso de bilheteria, esta droga!

No magnífico AllMovie, mais informações: “Como era costume nos filmes da época da guerra, quase todos os personagens de japoneses de Blood on the Sun são interpretados por atores chineses, coreanos ou caucasianos; por exemplo, Robert Armstrong faz o papel do coronel Tojo, enquanto o primeiro-ministra Tanaka é interpretado por John Emery. Tendo caído em domínio público, Blood on the Sun está disponível em cópias de vários distribuidores, e também existe em uma versão colorizada por computador”.

Nem mesmo um filme tão ruim merece o que fizeram no DVD

O texto do AllMovie toca num ponto importante. Produzido por uma empresa pequena, a William Cagney Productions, distribuída por um estúdio, a United Artists, que foi vendido à MGM há décadas, antes de a própria MGM ser posta à venda, o filme, como tantas centenas de outros, perdeu o dono, não é mais propriedade de ninguém. Qualquer um pode lançar o filme em DVD. No Brasil, foi a tal Continental Filmes que lançou o DVD – uma das muitas empresas que fazem pirataria pura e simples, embora tenham existência legal, CGC, teoricamente até pague algum tipo de imposto ao governo.

Além de ter lançado a versão colorizada – a água das banheiras e do ofurô é azul como a do Mar Egeu! –, conseguiram uma proeza inimaginável nas legendas. Absolutamente nada do que se diz tem qualquer coisa a ver com as legendas. Não é que tenha erros de tradução – a tradução simplesmente não tem nada a ver com o que se fala! É indescritível, é um absurdo, é um crime, é uma ofensa ao Código de Defesa do Consumidor!

Como será que eles fizeram isso? Usaram um programa ruim de computador para traduzir? Não deve ser, porque não acredito que haja na praça um programa de tradução tão incompetente. Não dá para imaginar como eles conseguiram fazer essa “tradução”, porque de fato é uma proeza, uma conquista, um Prêmio Nobel da desfaçatez.

Nem mesmo um filme ruim como este aqui merece tamanho aviltamento.

Sangue sobre o Sol/Blod on the Sun

De Frank Lloyd, EUA, 1945

Com James Cagney (Nick Condon), Sylvia Sidney (Iris Hilliard), Porter Hall (Arthur Bickett), John Emery (Premier Giichi Tanaka), Robert Armstrong (coronel Hideki Tojo), Wallace Ford (Ollie Miller), Rosemary DeCamp (Edith Miller)

Roteiro Lester Cole

Baseado em história de Garrett Fort

Fotografia Theodor Sparkuhl

Música Miklos Rozsa

Produção William Cagney Productions. DVD Continental Filmes.

P&B, 98 min

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