RED – Aposentados e Perigosos / RED

Nota: ★★★☆

Anotação em 2011: Um filme de ação de grande orçamento, com muito, mas muito, mas muito tiro e explosão e assassinato. Personagens que não são seres humanos, gente como a gente – são super-heróis, de deixar Indiana Jones no chinelo. Tudo absolutamente exagerado, o over do over do over. E, no entanto, é um filme gostoso, divertido – e que diz coisas.

Parece impossível, absurdo.

Já desci a lenha aqui em diversos filmes de ação, grandes produções do cinemão comercial, coisas imbecis, gasto de dinheiro à toa. Digo sempre que são cada vez mais raras, nas grandes produções do cinemão comercial, histórias que falem do que realmente interessa, da realidade, de gente como a gente, pessoas comuns.

Pois é. E no entanto, apesar de ter todos esses elementos, este RED – Aposentados e Perigosos é um bom filme, na minha opinião.

O diretor Robert Schwentke, os roteiristas Jon Hoeber e Erich Hoeber e o elenco cheio de grandes nomes (Bruce Willis, Mary-Louise Parker, Helen Mirren, John Malkovich, Morgan Freeman) conseguiram realizar uma façanha dificílima. Fizeram um filme com todos os elementos da pior porcaria que ao mesmo tempo é uma grande gozação desse gênero – e, se o espectador quiser perceber, é também uma crítica ferina à CIA, a agência de inteligência do governo americano, e, por extensão, a toda a gigantesca, inchada, mastodôntica (e, é claro, custosa, biliardária) máquina da segurança do país mais rico do mundo.

E uma das coisas fantásticas que o filme consegue é que é uma grande gozação dos filmes de ação, de seus exageros – mas, equilibrando-se no fio da navalha, tem tudo para agradar às pessoas que gostam desse gênero.

Não é uma gozação escrachada demais, do tipo Apertem os Cintos que o Piloto Sumiu ou Loucademia de Polícia. É uma grande gozação, sim – mas com inteligência, alguma classe, algum refinamento. Não daria para dizer com alguma sutileza, porque aí já seria demais. Mas, sim, com alguma classe, algum refinamento.

Um filme de ação que começa suave, lento

Desde a abertura o diretor Schwentke conseguiu dar o tom. Fiquei fascinado com a abertura, toda em tom menor, como se fosse um filme sério e sensível sobre seres humanos. Passam-se aí uns bons cinco minutos, talvez até mais, em um clima suave, lento, agradável. Vemos o personagem de Bruce Willis, em uma boa casa, em um bairro agradável de Cleveland, no inverno. É um homem solitário, vive absolutamente sozinho em sua casa ampla, mais ampla do que uma única pessoa precisa. Acorda às 6 horas, prepara seu café da manhã, malha, faz exercícios físicos.

O personagem de Bruce Willis – chama-se Frank Moses – então dá uma espiada na correspondência. Pega um envelope do serviço de pensões do governo (os tradutores usaram nas legendas do DVD a sigla “INSS”, o que é risível, ou ridículo, ou os dois), disca um número, pede para falar com uma atendente. Vemos então uma imensa sala de repartição pública. A atendente Sarah (o papel de Mary-Louise Parker) está entretida lendo um livro, e atende ao telefone com aquele ar de funcionário público nada chegado ao trabalho. Mas sua expressão se ilumina quando reconhece a voz. O espectador percebe que os dois volta e meia se falam.

Frank Moses está segurando o cheque da pensão que recebeu pelo correio, mas diz a Sarah que mais uma vez o envelope chegou vazio, sem cheque. Ela promete que vai tomar providências.

Claro: é só uma desculpa para falar com Sarah. Pergunta que livro ela está lendo – ela lê romances baratos de aventuras, espionagem e amor. Ele comprará o livro que ela está lendo para ler também.

Os fãs de filmes de ação a essa altura já devem estar um tanto impacientes: quando é que vão começar os tiros, as porradas, as explosões?

Mais tarde – estamos ainda vendo os créditos iniciais, enquanto a ação vai se desenrolando –, Frank Moses se veste, leva seu lixo para fora e, depois de cumprimentar uma simpática senhora vizinha, percebe, junto com o espectador, a câmara fazendo um giro de 360 graus, que a única casa da rua que não tem enfeites de Natal é a dele.

E então ele retira de algum baú de dentro de sua casa uns enfeites de Natal, um Papai Noel e umas renas, bem bregas, como todos os enfeites de Natal, e os coloca diante de sua casa. Agora ela parece normal.

Sei, mas cadê os tiros?

Pois é – passam-se uns cinco minutos, talvez um pouco mais, e tudo o que a tela mostrou foi a rotina de um sujeito aposentado.

E aí vêm os tiros.

Um grande grupo de homens bem armados como uma equipe da Swat entra na até então pacífica, ordeira, arrumada casa de Frank Moses, no meio da madrugada, para matá-lo. Frank Moses mata vários deles, e foge, enquanto a casa praticamente cai no chão depois de tanto tiro.

RED significa aposentados extremamente perigosos

Frank viaja então de Cleveland até Kansas City, a cidade em que Sarah trabalha. Entra na casa dela – e a rapta, seqüestra, depois de botar uma fita isolante em sua boca. Enquanto dirige rumo a uma terceira cidade, tenta explicar a ela: não gostaria que o primeiro encontro deles fosse assim. Mas está sendo caçado por um grupo grande, poderoso, e a essa altura eles – sejam lá quem forem – já estão sabendo dos telefonemas dos dois, e portanto ela está em perigo também, e é melhor que ele a proteja.

Para resumir um pouco a trama: há uma lista de pessoas que estão condenadas à morte, e Frank está na lista. Além dele, estão também velhos amigos dos tempos em que era um agente da CIA na ativa: Joe (Morgan Freeman) e Marvin (John Malkovich), mais uma repórter do New York Times, e ainda outras pessoas.

A esta altura o filme já revelou o significado da sigla RED do título: são as iniciais de retired, and extremely dangerous. Aposentados e extremamente perigosos.

Não demora muito para que o filme entregue ao espectador: quem está atrás de Frank para matá-lo é a própria CIA. Os motivos só ficarão claros bem mais tarde – quando a trama já terá incluído um ex-agente do governo soviético nos Estados Unidos, Ivan Simanov (Brian Cox), e uma outra ex-agente da CIA, agora dona de um adorável hotelzinho no campo, Victoria (o papel da fantástica Helen Mirren), um executivo de uma gigantesca corporação da área de segurança e armamentos (Richard Dreyfuss) e o próprio vice-presidente dos Estados Unidos (Julian McMahon).

O filme consegue o difícil equilíbrio entre a ação e a gozação

A trama é boa, bem construída, tem lógica. Há umas quatro ou cinco seqüências de ação, espetaculares, muito bem feitas – exageradas, exageradíssimas, é claro, como se exige nos filmes de ação. Numa delas, há até uma citação de Matrix, uma bala que intercepta uma outra bala, em pleno ar. Mas é fantástico como, entre essas seqüências, há momentos mais lentos, sem grandes correrias, atropelos. O diretor Robert Schwentke e os roteiristas de fato conseguiram um difícil equilíbrio entre a ação e os momentos mais lentos, entre a ação e a gozação.

Vai se desenvolvendo de forma gostosa, divertida, a historinha de amor entre o ex-agente da CIA aposentado obrigado a voltar à ativa para defender sua vida e a funcionária de repartição pública fascinada por aventuras nos livros baratos que lê. Mary-Louise Parker, grande atriz, faz carinhas de surpresa com o mundo louco ao qual vai sendo apresentada pelo super-herói – é uma interpretação deliciosa, que já valeria o filme.

Bruce Willis está absolutamente à vontade no papel de sua persona, o Bruce Willis duro de matar. Fala com a voz cada vez mais grave e baixa, quase suave.

Morgan Freeman é sempre um grande prazer de se ver. E como Marvin, o personagem de John Malkovich, é um sujeito inteiramente louco, pirado, paranóico, a teoria da conspiração ambulante, o ator careteiro se dá bem no papel.

A grande Helen Mirren – tirando férias de dramas sérios, parecendo se divertir à beça – constrói uma delícia de personagem, a ex-agente, exímia atiradora, matadora impiedosa agora cuidando dos arranjos de flores de seu agradável hotel.

E ainda tem Rebecca Pidgeon, a senhora David Mamet, ótima atriz, ótima cantora, no papel de uma malvada chefona da CIA, e, numa participação especialíssima, o veterano Ernest Borgnine, inteirão aos 93 anos, como o guardador do arquivo morto (e tão secreto que ele mesmo diz que não existe) da CIA.

No meio de tanto tiro e explosão, diálogos saborosos, hilariantes

Há diálogos saborosos, divertidos, como “a conversa de mulheres”, conforme definição da matadora profissional Victoria. Ela diz para Sarah, a funcionária pública que se meteu na maior aventura de sua vida, que nunca tinha visto Frank daquele jeito. E sintetiza: – “Por isso, não o faça sofrer, ou eu mato você e enterro o corpo no meio do mato”.

Ou o primeiro diálogo entre Frank e Sarah, sobre o livro que ela está lendo naquele momento:

Sarah: – “O título é O Segredo Selvagem do Amor”.

Frank: – “Legal. E é bom?”

Sarah: – “É terrível. Estou amando. É um horror”.

Ou outro diálogo entre Frank e Sarah, fugindo do grupo que está tentando matar o ex-agente e quase pega Sarah com uma injeção de droga:

Frank – “Eu esperava que você agora já compreendesse um pouco melhor a situação.”

Sarah: – “Eu esperava não ser seqüestrada. Ou drogada. Eu esperava que você tivesse cabelo (Bruce Willis está careca no filme). Então parece que nossos sonhos não estão virando realidade neste exato momento.”

Ou então mais este diálogo, de novo entre Frank e Sarah, depois que eles chegam à casa maluca do muito doidão Marvin, o ex-agente interpretado por John Malkovich:

Sarah: – “Uau! Esse cara é louco.”

Frank: – “Bem, ele acha que foi submetido a um projeto secreto do governo sobre o controle da mente. Na verdade, deram para ele doses diárias de LSD durante 11 anos.”

Sarah: – “Então, nesse caso, ele parece ótimo.”

Velhinhos que se divertem na briga contra o Sistema e os jovens autoconfiantes

E ainda tem a coisa do confronto de gerações – o jovem agente da CIA muito bem treinado, Cooper (Karl Urban), contando com todo o inesgotável poder da agência federal, não consegue admitir que está tão difícil cumprir sua missão de matar aqueles velhinhos aposentados. Há boas piadas com a coisa dos velhinhos – e os atores, veteranos, experientes, parecem de fato se divertir demais naquela briga contra o Sistema e contra os jovens cheios de autoconfiança.

Nisso, o filme faz lembrar a graça de Cowboys do Espaço, de 2000, em que Clint Eastwood se diverte e nos diverte com as aventuras de veteranos astronautas, interpretados pelo próprio diretor e mais Tommy Lee Jones, Donald Sutherland e James Garner.

Neste filme aqui, os astros todos estão ótimos – mas as melhores interpretações, as mais gostosas, divertidas, perfeitas, são das mulheres. Mary-Louise Parker e Helen Mirren roubam o show.

Atrás da cortina de tiros, uma dura crítica aos serviços de inteligência dos EUA

Com inteligência, graça, um senso de humor interessante, que, repito, não cai no absoluto escracho, este RED – Aposentados e Perigosos, além de poder agradar aos fãs dos filmes de ação e mesmo a quem, como eu, não é nada fã desse gênero, conduz, o tempo todo, a uma crítica séria do excessivo poder, do gigantismo das instituições federais americanas de segurança e inteligência.

A CIA é apresentada como uma imensa força que está acima do controle dos poderes democráticas – Executivo, Legislativo, Judiciário -, que muitas vezes toma decisões por conta própria, que treina e forma assassinos profissionais que vão trabalhar em diversos países, atentando contra sua soberania. Um poder gigantesco, incomensurável e sem controle do Estado.

A intenção dos realizadores de, por trás da cortina de tiros e explosões e exageros, fazer uma denúncia forte contra as instituições de segurança e inteligência, é muito clara, o tempo todo. Mas, para que não sobre dúvida alguma, o DVD do filme apresenta, entre seus muitos extras, apresentações especiais, cinco ou seis filmetes curtos relatando ações absurdas da CIA, reveladas quando arquivos antes secretos tiveram que ser abertos ao público. Um dos filmetes fala sobre o projeto secreto de tentativa do controle da mente com uso de drogas alucinógenas, em especial o LSD, o que faz lembrar Os Homens Que Encaravam Cabras; outro mostra como a CIA depôs nos anos 50 um governo democraticamente eleito da Nicarágua para garantir a continuidade do trabalho de uma grande empresa americana, a United Fruits. É tudo tão absurdo, inadmissível, que parece coisa criada por loucos paranoicos como o personagem de John Malkovich – mas os realizadores garantem que é tudo verdade.

Um filme sobre velhinhos aposentados que se deu bem nas bilheterias

O AllMovie faz muitas ressalvas ao filme, questiona o ritmo (que eu achei ótimo, entremeando ação rápida e momentos mais lentos). O público parece que gostou. Vejo no Box Office Mojo que o filme custou US$ 58 milhões, rendeu US$ 90 milhões no mercado americano e já chegou a US$ 186 milhões no mundo todo.

Legal ver um filme sobre velhinhos aposentados render tanto. Mesmo que sejam velhinhos aposentados super-heróis.

RED – Aposentados e Perigosos/RED

De Robert Schwentke, EUA, 2010

Com Bruce Willis (Frank Moses), Mary-Louise Parker (Sarah Ross), Helen Mirren (Victoria), John Malkovich (Marvin Boggs), Morgan Freeman (Joe Matheson), Karl Urban (William Cooper), Rebecca Pidgeon (Cynthia Wilkes), Brian Cox (Ivan Simanov), Ernest Borgnine (Henry, o arquivista), Jaqueline Fleming (Marna)

Roteiro Jon Hoeber e Erich Hoeber

Baseado na graphic novel de Warren Ellis e Cully Hamner

Fotografia Florian Ballhaus

Música Christophe Beck

Produção Summit Entertainment, Di Bonaventura Pictures, DC Entertainment. DVD Paris Filmes.

Cor, 111 min

***

11 Comentários para “RED – Aposentados e Perigosos / RED”

  1. Como sempre, Sérgio, você consegue colocar em mim um desejo irresistível de ver um filme que se calhar nem me daria ao trabalho de procurar. É por isso que prezo tanto este teu espaço.
    Abraço

  2. Este filme é muito divertido. Diferente das ações descerebradas de sempre, concordo plenamente contigo ao falar do ótimo ritmo e dos diálogos bem feitos.

    Ótimo para quem gosta de ação, mas mesmo quem não curte muito vai se divertir.

    Como sempre, excelente texto – deu vontade de rever

  3. Desconfio que desta vez não vou atrás do Rato, pelo menos nos tempos mais próximos.
    Na minha locadora(?)é “novidade” o que quer dizer que é mais caro e é ainda pouco conveniente por causa das regras da dita locadora.
    Só alugo novidades em caso de grande confiança na qualidade do filme.

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