Perigosamente Juntos / Legal Eagles

Nota: ★★★☆

Anotação em 2011: Rever Perigosamente Juntos/Legal Eagles, depois de vários anos, foi um imenso prazer. O filme, feito por Ivan Reitman em 1986, com o charme e a beleza de Robert Redford, Debra Winger e Daryl Hannah, é uma delícia, bem-humoradíssimo, uma bela junção de aventura, romance e comédia com um pouco de tribunal.

No quesito diversão, Legal Eagles é simplesmente perfeito.

Me lembrei, ao rever o filme, do díptico de Stanley Donen nos anos 60, Charada e Arabesque. Têm, os três filmes, algumas características em comum: o humor fino, inteligente, a trama bem bolada que mistura ação, mistério, crime, com romance, atores belos e fascinantes em química perfeita – Charada tem Cary Grant e Audrey Hepburn; Arabesque tem Gregory Peck e Sophia Loren.

(Agora, parênteses: díptico é muito chique, não é não? Eu tinha anotado a palavra e prometido pra mim mesmo que um dia iria usá-la. Parece texto de crítico de cinema.)

Uma festa, um incêndio criminoso, e passam-se 18 anos

A história – criada pelo diretor Ivan Reitman e pelos dois roteiristas, Jim Cash e Jack Epps Jr. – trata de sacanagens, malandragens para se obter fortuna na área das artes plásticas, que vão acabar envolvendo figuras do mundo jurídico na capital do mundo.

O filme abre com um letreiro para identificar local e época: Nova York, 1968. Enquanto vão rolando os créditos iniciais, temos uma espécie de prólogo. Uma festona num grande apartamento de dois andares – é o aniversário de oito anos de Chelsea, a filha e grande paixão do dono da casa, um pintor renomado, Sebastian Dearden (James Hurdel). Dearden presenteia a filha com a festa para dezenas e dezenas de pessoas, um bolo descomunal e mais um quadro, com a dedicatória no lado de trás da tela. A festa é pelo aniversário da garotinha, mas a única criança presente é ela – os convidados são adultos, dançando e bebendo e se divertindo no ano mais psicodélico da história.

Na mesma noite, depois que quase todos os convidados foram embora, começa um incêndio no apartamento – e mesmo o espectador mais desatento perceberá de cara que é um incêndio criminoso. Um amigo de Dearden carrega a pequena Chelsea para fora, mas o pintor é atingido por uma viga, e morre no apartamento que é totalmente destruído pelo fogo.

Corta, e vemos um noticiário de TV contando que Chelsea Dearden, filha do famoso pintor, agora com 26 anos de idade – estamos agora, portanto, 18 depois, em 1986 –, foi presa tentando roubar, do apartamento de um empresário rico, um quadro de seu pai – na verdade, o quadro que ele fez para dar a ela de presente no aniversário de oito anos.

O noticiário de TV está sendo visto por um sujeito que prepara, com uma falta de jeito descomunal, o café da manhã para ele e a filha de uns dez anos. Ele e o espectador não vêem a notícia até o fim, porque a garota desliga a TV dizendo que o noticiário é chato. O sujeito é Robert Redford, na pele de Tom Logan, assistente do promotor de Nova York. Veremos em seguida sua chegada à promotoria, e logo depois acompanharemos um caso em que ele atua diante de um juiz.

Um sujeito, Marchek (David Hart), foi pego com dezenas de eletrodomésticos roubados em sua casa – diversos aparelhos de TV, aparelhos de som. Sua advogada de defesa se chama Laura Kelly (o papel de Debra Winger, no centro da foto acima). E Laura Kelly é uma figuraça. Uma vez quis colocar um cachorro para depor num julgamento. Para defender Marchek, pego com a boca da botija, sai-se com uma ótima: apresenta ao juiz e aos jurados uma penca de parentes do acusado – 27! –, cada um deles atestando que deu de presente para o bom homem um daqueles eletrodomésticos. Nenhum deles tem recibo, mas os recibos a gente perde mesmo, argumenta a advogada.

À saída do julgamento do receptador de objetos roubados, Laura procura seu oponente, o promotor assistente Tom Logan. Quer falar com ele sobre sua cliente, Chelsea Dearden (Daryl Hannah, no auge de sua assombrosa beleza). A princípio, Logan se recusa a conversar sobre o assunto – o caso, diz ele, será resolvido no tribunal.

Uma trama complexa, gostosa, um divertido triângulo amoroso

Mas Laura Kelly é esperta, bola um golpe e consegue convencer o promotor, o chefe de Logan, a botá-lo para examinar a história. E assim Logan e Laura vão à galeria de arte de Victor Taft (interpretado por Terence Stamp), para checar a alegação de Chelsea de que o quadro que ela tentou roubar do rico empresário é na verdade seu mesmo, tem no verso a dedicatória de seu pai. O espectador já havia visto Victor Taft, ainda que muito rapidamente: ele estava na festa de oito anos de Chelsea; foi ele que a tirou da cama, enquanto o incêndio se espalhava muito rapidamente pelo apartamento, e a salvou.

O que virá a seguir é uma trama deliciosa, complexa, que envolverá surpresas, reviravoltas, assassinatos, explosões, perseguições de carro, um policial que diz ter trabalhado no caso do incêndio e afirma que foi proposital, para matar o pintor Dearden, um gigantesco complô envolvendo as obras de Dearden que teriam sido queimadas mas que, se porventura reaparecessem, valeriam uma fortuna bilionária – e, ainda por cima, um divertido triângulo amoroso entre o promotor assistente, a advogada de defesa e a acusada Chelsea.

A trama tem lógica, faz sentido. Às vezes fica tão enrolada que o espectador pode até se perder um pouco – mas não faz mal, porque é tudo tão divertido, bem humorado, inteligente, e o elenco é tão bom, que as tramóias no mundo das artes plásticas podem até ficar difíceis de se acompanhar.

Um trio de atores em fase gloriosa de suas carreiras

Todos estavam numa fase gloriosa de suas carreiras. Robert Redford vinha de uma sequência de bons filmes: Butch Cassidy, Nosso Amor de Ontem, Golpe de Mestre, Três Dias do Condor, Todos os Homens do Presidente, O Cavaleiro Elétrico, Brubaker, Um Homem Fora de Série, Entre Dois Amores. Tinha estreado com brilho como diretor com Gente como a Gente/Ordinary People, e dois anos depois, em 1988, faria seu segundo filme, também muito bom, Rebelião em Milagro. Está ótimo como o promotor Tom Logan, tão à vontade nas cenas engraçadas, com belos diálogos, quanto nas cenas de ação.

Daryl Hannah, belíssima, interminável – eta mulher grande -, no esplendor de seus 26 aninhos, tinha virado a cabeça de meio mundo como a andróide de Blade Runner e estrelado um filme de sucesso, Splash – Uma Sereia em Minha Vida, feito para exibir sua beleza, ao lado do jovem Tom Hanks, o então novo namoradinho da América.

E Debra Winger…

Debra Winger é demais. Debra Winger é uma das melhores atrizes que o cinema americano já teve. Sua personalidade forte, sua rebeldia contra o sistema hollywoodiano fizeram com que trabalhasse em muito menos filmes do que deveria. Só sua presença na tela já garante qualidade ao filme, seja ele qual for. Dela Pauline Kael, a grande dama da crítica de cinema dos Estados Unidos, dizia ser “uma grande razão para se continuar indo ao cinema nos anos 80″.

Estava no auge da fama que depois desprezaria. Vinha de uma série de filmes de sucesso: Cowboy do Asfalto, Paixões Sem Destino, A Força do Destino, Laços de Ternura; nos anos seguintes, faria O Mistério da Viúva Negra, Atraiçoados, O Crime que o Mundo Esqueceu, O Céu que nos Protege.

Está brilhante como a advogada esperta, inteligente, que vai se apaixonando pelo sujeito que está do outro lado do ringue enquanto tenta defender a cliente que é belíssima e acaba chegando primeiro à cama do promotor assistente. Seus olhares, seus pequenos gestos são engraçadíssimos, divertidos. Debra Winger não é uma mulher de beleza extraordinária e óbvia à la Daryl Hannah, mas ao mesmo tempo é ainda mais linda, de uma beleza de mulher forte, mulher porreta – e nunca esteve tão linda quanto neste Legal Eagles.

Dois críticos arrasam com o filme; a gente se divertiu muito

Aliás, Legal Eagles é um belo título, com duas palavras que rimam, que soam quase iguais, uma aliteração provocante, que se perderia completamente na tradução literal, águias legais. Perigosamente Juntos acabou sendo uma boa saída, um exemplo de bons títulos brasileiros (e há tantos títulos esdrúxulos que os exibidores escolhem, conforme se mostra num texto deste site, que os acertos são sempre bem-vindos).

O diretor Ivan Reitman também vinha de um grande sucesso, Os Caça-Fantasmas/The Ghostbusters, de 1984. Verdade que Ivan Reitman não é propriamente um grande diretor – ao contrário de seu filho Jason, que começou a carreira muito bem, com Obrigado por Fumar, Juno e Amor Sem Escalas, três ótimos filmes.

Vou atrás de outras opiniões, e me deparo, mais uma vez, com essa coisa fascinante que é a disparidade de visões que se pode ter de um mesmo filme. Leonard Maltin detestou o filme. Deu 2.5 estrelas em quatro e fuzilou: “Mal escrito, superproduzida comédia romântica sobre assistente de promotor que se envolve com flaky advogada (Winger) e sua ainda mais flaky cliente (Hannah). O considerável carisma de Redford em seu momento mais brilhante ajuda a compensar a falta de faísca entre ele e Winger, e outras fraquezas do filme. A versão apresentada na TV comercial oferece um final completamente diferente daquela do filme apresentado nos cinemas.”

Hum… Gostaria de saber que final deram para o filme na versão mostrada na TV americana. O final tal como está no filme é delicioso.

Quanto ao adjetivo que Maltin usa para qualificar as personagens de Debra Winger e Daryl Hannah, flaky, significa, segundo o dicionário da Longman, pessoa de comportamento irresponsável ou tolo, de uma maneira tal que não permite que as pessoas confiem nela.

Me perdoe o Maltin, mas se de fato o personagem de Daryl Hannah age de forma irresponsável, não é o caso da advogada Laura Kelly. Chelsea é meio biruta, ou completamente biruta – mas bastante esperta. E Laura Kelly é esperta, malandra, safa – se não fosse, não poderia ter escolhido aquela profissão, uai. É por ser esperta, malandra e safa que é boa advogada criminal.

Dame Pauline Kael destrói o filme em texto mais longo que o de costume no seu livro 5001 Nights at the Movies. De Debra Winger – que, como se disse acima, ela admira –, a crítica diz que “está amarrada no papel aritificial, certinho, de uma jovem advogada de defesa esforçada; tem lampejos de humor, mas o papel é uma camisa-de-força emocional, e a deixa praticamente inexpressiva”.

Cáspite! Achei Debra Winger expressivíssima!

Mais adiante, Pauline Kael diz que o filme mistura “pedaços de comédias românticas como Charada e comédias de tribunal como A Costela de Adão”.

Minha lembrança de Charada, antes, é claro, de ler a crítica de Pauline Kael, então não foi mesmo gratuita. E, sim, faz lembrar A Costela de Adão, naturalmente – nele, o casal representado por Katharine Hepburn e Spencer Tracy, feliz em casa, se enfrenta no tribunal, ele como promotor, ela como advogada de defesa da mulher acusada de tentar matar o marido mulherengo.

Bem. É isso. Dois críticos respeitáveis arrasaram o filme. Mary e eu gostamos mais do que na primeira vez – e nos divertimos muito

Perigosamente Juntos/Legal Eagles

De Ivan Reitman, EUA, 1986

Com Robert Redford (Tom Logan), Debra Winger (Laura Kelly), Daryl Hannah (Chelsea Deardon), Brian Dennehy (Cavanaugh), Terence Stamp (Victor Taft), James Hurdel (Sebastian Dearden), David Hart (Marchek)

Argumento Ivan Reitman, Jim Cash e Jack Epps Jr.

Roteiro Jim Cash& Jack Epps Jr.

Fotografia László Kovács

Música Elmer Bernstein

Produção Universal Pictures, Mirage e Northern Lights Entertainment. DVD Universal

Cor, 116 min

R, ***

Título na França: L’affaire Chelsea Deardon

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