O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas / St. Elmo’s Fire

Nota: ★★½☆

Com toda a certeza, não é um grande filme. A rigor, a rigor, talvez nem seja um bom filme. Tem – me pareceu – alguns momentos em que avança muito além da fronteira da bobagem. E, no entanto, gostei muito de ver, pela primeira vez, com um quarto de século de atraso, O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas/St. Elmo’s Fire.

Para começar, o título escolhido pelos distribuidores brasileiros. Há dezenas, centenas de títulos imbecis que os distribuidores brasileiros inventam – assim como os portugueses, os franceses, os americanos. Já fiz um post com uma gigantesca tabela de títulos imbecis, esquisitos, loucos, absurdos. Pelo sujeito que bolou este título, O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas, tiro o chapéu e me curvo em reverência, como um educado japa.

Passei boa parte da minha vida profissional perseguindo os bons títulos. Talvez tenha feito alguns títulos razoáveis, mas não me lembro de nenhum verdadeiramente espetacular. Jamais cheguei perto de um “Picassso morreu, se é que Picasso morre”, que o Guilherme Cunha Pinto, o Jovem Gui, perpetrou no Jornal da Tarde.

Para um filme que fala do rito de passagem, da dolorosa, muitas vezes dolorosíssima passagem da inocência, da bobagem da adolescência para o início da idade adulta; das farras sem fim para o tempo da responsabilidade, da obrigação da escolha de um emprego, uma profissão, a vida para levar; a troca, como dizia Paulo Vanzolini, do retrato pelo relógio na cabeceira, não poderia haver título mais brilhante do que O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas.

Sete jovens rindo para a câmara, no momento de começar o resto de suas vidas

St. Elmo’s Fire, O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas, começa com uma tomada de sete jovens que acabaram de se formar na universidade. Um grupo de sete grandes amigos, todos aí entre os 22 e os 25 anos, aquela época em que nossos sonhos são mais fortes, mais poderosos – a véspera do momento em que temos que, de verdade, decidir o que fazer na vida.

É uma bela tomada – sete jovens saindo da escola, logo após a formatura, alguns com uma beca na cabeça, todos sorrindo larga, abertamente, caminhando em direção à câmara.

Corte rápido, e estamos em um hospital; uma daquelas jovens está sendo atendida lá, após uma batida de carro. Os vários outros vão chegando todos ao hospital, querendo ajudar, querendo liberar o responsável pela batida do carro.

Pouco depois estão todos bebendo no bar chamado St. Elmo’s – uma das origens do título original do filme.

É tudo muito rápido, e os personagens são muitos – sete! – , e o diretor Joel Schumacher e os roteiristas não ajudam o pobre espectador a entender direito quem é quem, quem gosta de que, quem está com quem, quem está a fim de quem. Parece que, ao contrário, eles querem é confundir, e não explicar, à la Chacrinha.

Um pouquinho sobre nossos personagens

Então vamos aos sete personagens, os sete garotos e garotas. Temos Kirbo (Emilio Estevez). Quer ser advogado, mas por enquanto trabalha como garçom no bar que a turma freqüenta, o St. Elmo’s. É perdida, loucamente apaixonado, obcecado, por uma mulher mais velha, que não tem nada a ver com a turma, uma médica, Dale (Andie MacDowell).

Billy (Rob Lowe) é o doidão da turma, o mais bonito, o mais cabeludo, músico, tocador de saxofone, o único que usa – em 1985 ainda não era propriamente moda – brinco grande em uma orelha. Billy é o cara que provoca o acidente do início da narrativa, dirigindo o carro caríssimo de Wendy.

Wendy (Mare Winningham) é a filha de um sujeito muito rico, interpretado pelo veterano Martin Balsam. Wendy é perdidamente apaixonada por Billy. Como é filha de um sujeito riquíssimo, tem culpas atávicas, e trabalha em programas sociais, tentando ajudar os pobres, os despossuídos. É também virgem, embora estejamos em 1985, alguns muitos anos após a revolução sexual.

Jules (Demi Moore) também é filha de um homem rico – só que o pai dela é dado a casar de novo, e então há sempre o perigo de não sobrar muito dinheiro para ela na herança. De toda a turma, é a que tem o emprego mais estável, num banco, onde paquera o patrão, na esperança de subir na vida – aquela história antiga de que o saco do patrão, ou, no caso, o membro que fica entre as duas bolas do saco do patrão, é a escada da vida. É consumista, aparenta muita riqueza. Assim como Wendy é a mais careta do grupo, Jules é a mais avançadinha: gosta de dar, cheira cocaína.

Alex (Judd Nelson) é o que mais rapidamente se enquadra no estilo de vida adulto. Quando a ação começa, trabalha como assessor de um senador democrata – mas, por um salário melhor, deixa de lado os ideiais, se é que algum dia os teve, e passa a assessorar um republicano.

Alex vive com Leslie (Ally Sheedy). Quer porque quer casar, mas ela ainda não está decidida. Enquanto ela não se decide, Alex aproveita para traçar toda pessoa de saia que passa por seu caminho.

Kevin (Andrew McCarthy) trabalha como jornalista, no início de carreira. Pretende ser um escritor. Não namora ninguém, algumas pessoas chegam a pensar que é gay. É absolutamente apaixonado por Leslie, a mulher do amigo Alex.

Quem resiste a um filme sobre um grupo de amigos que desenha uma época?

O diretor Joel Schumacher, que se deixe claro, não é sujeito de comédia de costumes, comédia romântica, comédia dramática sobre rito de passagem. A mão do cara é pesada. Joel Schumacher fez competentes filmes de ação, thrillers. Mão pesada, coitado, não fica muito à vontade com essa coisa de falar de seres humanos normais, ou no mínimo mais ou menos normais.

Mas quem resiste a um filme sobre um grupo de amigos? Quem resiste a um filme sobre um grupo de amigos que, de alguma forma, desenha uma época, uma geração?

Eu não resisto. Muito ao contrário: eu babo por filmes assim.

Tudo bem: este aqui não é tão sério quanto O Reencontro/The Big Chill, de Lawrence Kasdan. Nem tão belo quanto Para o Resto de Nossas Vidas/Peter’s Friends, de Kenneth Branagh. Nem tão encantador quanto Os Boas Vidas/I Vitelonni, de Federico Fellini. Nem sequer é tão gostoso quanto Sobre Ontem à Noite…, que seria feito no ano seguinte, 1986, com dois dos atores deste filme aqui. Mas a verdade é que gostei deste filme adolescente, bobo, irregular.

A geração do individualismo, do cada um por si e mais vale a grana

A geração que o filme mostra – repito – é a das pessoas que estavam, em 1985, com 22, 23 anos. As pessoas nascidas aí por 1962, 1963. Pouco mais jovens que Mary, mas, a rigor, muito distantes da geração dela, que, precoce, é mais próxima da minha, bem mais velha.

Sei lá. Falar de gerações a rigor parece tão simplista, e idiota, quanto as generalizações a respeito das origens geográficas – os italianos são assim, os franceses são assado, os espanhóis são aquilo.

Apesar disso, penso que as pessoas que estavam com 22, 23 anos em 1985, como as personagens deste filme, tinham, tadinhas, um handicap: vieram depois de uma geração dourada, ou, pelo menos, que se achava dourada. Vieram depois da geração que viveu jovem os anos 60, e o começo dos 70.

Os anos 60 foram os do sonho, da coisa coletiva, ampla, libertária. Os 70 foram de alguma forma o prolongamento deles. Os anos 80 foram os anos do contrafluxo, do contrário, do pêndulo para o outro lado – foi a era do yuppismo, o anti-sonho geral, global, o auge do individualismo, o cada um por si e, se algum deus for contra, que se dane o deus, e mais vale a grana.

Minha amiga Jussara Ormond, outro dia mesmo, falando sobre este filme, disse: “Os anos 80 lembram minha infância, e por ter sido criança nessa época, não vi muitos filmes da década (a mais brega, na minha opinião)”.

Concordo: foi mesmo uma década brega, a da geração que O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas mostra.

“Alguns dos melhores atores da nova geração, num filme que eles deveriam esquecer”

Leonard Maltin deu para o filme 2.5 estrelas em 4: “Hábil veículo para alguns jovens atores carismáticos, como recém-graduados da universidade tendo um tempo difícil enfrentando a Vida Real. Convida à comparação com The Breakfast Club e The Big Chill, mas estes ‘jovens adultos’ são bastante imaturos, assim como o filme, escrito pelo diretor Schumacher”.

Roger Ebert foi ainda mais severo na cotação: 1.5 estrelas em 4. “O filme tem um monte daquelas cenas em que os personagens discutem o Sentido da Vida, o que poderia ser legal, exceto pelo fato de que o roteiro não tem nenhuma idéia a respeito do assunto.”

Estava cáustico, o Ebert: “O filme é estrelado por alguns dos melhores e mais brilhantes atores da nova geração, mas é uma obra que eles serão aconselhados a tirar fora de seus currículos.”

E ele encerra assim: “St. Elmo’s Fire me deixou com muita raiva, e o que me deixou mais com raiva foi o ar de auto-congratulação que ele carrega. O diretor e co-roteirista, Joel Schumacher, obviamente pensa que está fazendo algum tipo de afirmação sobre a geração que estava com 20 e poucos anos, mas tudo o que ele de fato diz é que ele não pode imaginar essas pessoas como seres humanos tridimensionais, e então ele tem que cair no melodrama, nos clichês, e uma visão cínica do amor entre os sexos que dificilmente vale o esforço. Nota: para um bom filme sobre o mesmo tema, também com Lowe e Moore, veja About Last Night…

Vixemaria.

Por exemplo: um diálogo gostoso no momento da separação

Mas acho que o bom Ebert exagerou. Claro, não é um ótimo filme, talvez nem chegue a ser bom – comecei minha anotação dizendo isso. Tem muita coisa boba, é verdade. Mas tem alguns bons momentos.

O diálogo entre Alec e Leslie, quando os dois estão para se separar, por exemplo, é bem gostoso. Leslie é que vai sair de casa; começa a mexer nos discos, Alec de olho.

Alec: – “Você não pode levar o primeiro disco dos Pretenders. É meu.”

Leslie: – “Fui eu que comprei.”

Alec: – “Não foi! Pode levar todos os Billy Joels… menos The Stranger.

Leslie: – “Vou levar o Thriller e a nona do Mahler.”

Alec: – “Kevin gosta tanto de Mahler…”

Leslie: – “Tô morando com a Jules”.

Alec: – “Ah, que legal, colegas de quarto de novo… Nenhum Springsteen sai desta casa! Você pode ficar com todas as Carly Simons.”

Leslie: – “Você me deu esses no Dia dos Namorados. Lembra que eles foram presentes de Dia dos Namorados?”

Alec: – “Você acabou com a nossa relação. Aguente as consequências.”

Leslie: – “Eu não acabei com coisa nenhuma. Você acabou.”

Alec: – “Você trepou com Kevin.”

Leslie: – “Você trepou com tantas!”

Alec: – “Tantas sem nome, sem rosto.”

Leslie: – “Obrigado, me sinto bem melhor agora.”

Um acredita no amor de verdade, o outro detesta o amor

Ou neste outro diálogo, quando Kirby está falando da paixão que sente pela médica interpretrada por Andie MacDowell:

Kirby: – “É amor de verdade, meu amigo.”

Kevin: – “Amor, amor, você sabe o que é o amor? O amor é uma ilusão criada por advogados para perpetuar outra ilusão chamada casamento para criar a realidade do divórcio e então a ilusória necessidade de advogados para fazer o divórcio.”

Bem, é preciso registrar que o título original, St. Elmo’s Fire, é bastante pretensioso. Uma metáfora metida para essa época da vida, o finalzinho da adolescência, a passagem para a vida adulta. St. Elmo’s Fire, em português fogo-de-santelmo, é um fenômeno meteorológico: segundo a Wikipédia, “uma descarga eletroluminescente provocada pela ionização do ar num forte campo elétrico provocado pelas descargas elétricas. Mesmo sendo chamado de fogo, é na realidade um tipo de plasma provocado por uma enorme diferença de potencial atmosférica”.

Uma delícia ver aqueles jovens atores. Mas é Andie MacDowel que rouba a cena

Dá prazer ver aquele bando de jovens atores. Demi Moore está linda na flor dos 23 aninhos, e o garoto Rob Lowe é uma espécie de Alain Delon bem jovem. Emilio Estevez, o filho mais velho de Martin Sheen, está ótimo, com carinha de garotinho; mais tarde, seria também diretor, com pelo menos um belíssimo filme de sua autoria, Bobby, um painel sobre um grande número de personagens que estavam no hotel em que Bob Kennedy foi assassinado.

Mas, para mim, quem acaba roubando a cena é a atriz que faz a médica, motivo da paixão obsessiva do garoto Kirby. E Kirby estava certo: é para ficar obcecado mesmo com aquela mulher. Andie MacDowell (na foto) está estupidamente, arrasadoramente bela. É um pouco mais velha que os sete atores do grupo de amigos: estava com 27 anos, na época, e era uma supermodelo famosérrima e bem paga. Havia tido, antes deste filme, apenas uma outra experiência no cinema, como a Jane do Tarzan de Greystoke, de Hugh Hudson, de 1984. Quatro anos depois, viraria estrela, com sexo, mentiras e videotape, de Steven Soderbergh.

É isso. É de fato o mais fraco dos filmes sobre grupos de amigos e sua geração dos vários que citei aqui – mas não chega a ser o horror monstruso descrito por Roger Ebert.

Anotação em setembro de 2011

O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas/St. Elmo’s Fire

De Joel Schumacher, EUA, 1985.

Com Emilio Estevez (Kirbo), Rob Lowe (Billy), Andrew McCarthy (Kevin), Demi Moore (Jules), Judd Nelson (Alex), Ally Sheedy (Leslie), Mare Winningham (Wendy), Martin Balsam (Mr. Beamish), Andie MacDowell (Dale Biberman), Joyce Van Patten (Mrs. Beamish), Jenny Wright (Felicia), Blake Clark (Wally), Jon Cutler (Howie Krantz)

Argumento e roteiro Joel Schumacher e Carl Kurlander

Fotografia Stephen H. Burum

Música David Foster

Produção Columbia Pictures, Delphi IV Productions . Blu-ray e DVD Sony.

Cor, 108 min

**1/2

16 Comentários para “O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas / St. Elmo’s Fire”

  1. Algumas vezes o cinema aparta completamente a razão da emoção…pelo menos em mim. Posso saber que esse filme não é bom, mas isso não tem nenhum efeito: eu realmente gosto dele. Daquele jeito inexplicável que se guarda uma mancada da adolescência, um bem querer menos pelo evento e mais pelo que ele lhe propicia de lembrança de quem se era.

  2. E eu não disse, mas devia ter dito: seus posts sempre me levam ao melhor das minhas lembranças. Parecem em conduzir pela mão pela forma generosa como são escritos.

  3. Como sempre uma bela crítica. Não é um grande filme. Quando o vi em seu lançamento,
    gostei mais -ou me identifiquei mais? – do
    que hoje. Tem poucos momentos bons. Mas, se
    você não resiste a filmes sobre grupos, eu
    não resisto a filmes sobre a passagem da
    adolescência para a vida adulta. Inesquecível. Demi Moore e Andie MacDowell!! E o que Rob Lowe poderia ter sido…

  4. Luciana, Mário, muito obrigado pelos belos comentários.
    O que Rob Lowe poderia ter sido… Verdade, verdader.
    Um abraço.
    Sérgio

  5. Hahaha, Sérgio, quer me matar de vergonha colocando no seu texto, trecho de e-mail bobo meu? Nem sei se pontuei direito. De todo modo, agradeço meus minutos de fama, e fico lisonjeada, claro.

    Concordo com o Mario: “o que Rob Lowe poderia ter sido…” Lembro que ele era o galã que “rivalizava” com o Tom Cruise. O Tom Cruise deslanchou e ele ficou pra trás.

  6. É um filme delicioso, charmoso,e não há quem não se identifique com pelo menos uma das situações vividas por esse grupo de amigos,não por acaso formado por atores também bonitos e charmosos. Eu também assisti o filme com atraso de duas décadas, e amei.
    Não importa, sinceramente, o que a crítica “determine” sobre o filme. Porque cinema se assiste com emoção,identificação com os personagens, interesse pela história. E St.Elmos’Fire proporciona tudo isso. Tanto, que quando filmes assim, gostosos de se ver terminam, a gente fica sentada, vendo os passar os letreiros e ouvindo a música.E desejando que a história continue…

  7. Acabei de assistir no TCM,sempre adorei filmes nesses gêneros e com esse não foi diferente muito bom,

  8. Assisti uma vez. Estava saindo aa adolescencia e entrando na fase adulta, assim como os jovens da estória. Na época não achei tão bobo. Acho que no contexto do filme os jovens em final de adolescência apesar de algumas vezes serem introspectivos,terem dúvidas existenciais e tal, não levam as coisas do mundo adulto tão a sério. Agora que sou uma senhora de meia idade vou ver novamente. E creio que com os mesmos olhos de quando era jovem.

  9. Tinha 17 anos quando vi o filme pela primeira vez no cinema em 1985. Depois disto o assisti umas 10 vezes, a última acho que perto dos 50. Sempre gosto muito de revê-lo. Concordo com a Lucia Martins: “cinema se assiste com emoção, identificação com os personagens, interesse pela história.” Muitas vezes não sabemos por que gostamos de um filme, apenas sabemos que o mesmo “mexeu” conosco.

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