Como Arrasar um Coração / L’Arnacoeur

Nota: ★★½☆

É gostosinha, às vezes bem divertida e, naturalmente, descartável, esta comedinha romântica do cinemão comercial francês. Não é para ser levada a sério – e ela mesma não se leva a sério. É um divertissement, tout court, e, como tal, cumpre bem seu papel.

Parte de uma ideiazinha engenhosa, e o começo do filme promete muito.

O início, antes de qualquer crédito inicial: um jovem casal está de férias no Marrocos. O garotão está à beira da piscina do hotel, olhando para as mulheres gostosas. A moça quer passear, conhecer os lugares, ver as dunas do deserto. O garotão vai junto, carregado por ela, ao centro da cidade, mas chegam tarde, o ônibus já havia saído. Alguém chega perto da moça, diz que aquele sujeito ali no jipe, um médico, está indo para um povoado bem perto das dunas – quem sabe ele poderia levar vocês? O garotão confessa que não está a fim de passear coisa nenhuma, que prefere ficar na piscina – será que ela ficaria chateada se fosse sozinha?

A moça vai então até o tal médico do jipe (o papel de Romain Duris), pede carona. Ele dá a carona, com um jeitão de quem não está nem ligando para a moça.

No caminho, ele recita alguns versos em português (!!!). A moça pergunta o que é, ele diz que é de um poeta brasileiro; tinha estado em Salvador, e adorado tudo lá. “Sei que você também esteve lá”, diz ele. Ela fica fascinada – como ele sabe disso? Ele indica a fitinha do Senhor do Bonfim que ela carrega.

Chegam a um povoado miserável de país miserável, décimo-quinto mundo. Uma enfermeira os recebe. Enquanto o médico vai ao encontro dos muitos garotinhos do povoado, a enfermeira conta para a moça que o médico tinha feito uma beleza de operação, separando dos garotinhos siameses.

A moça está cada vez mais admirada com aquele sujeito.

Ele a leva para ver as dunas. Mostra para ela aves que voam lindamente, coisa rara naquela época do ano.

A moça está se apaixonando pelo cara, tão fascinante, tão charmoso, um médico em missão humanitária na África, um aventureiro, um homem do mundo, tão diferente daquele namorado babaca dela, preguiçoso, que só quer ficar bebendo à beira da piscina e olhando as mulheres gostosas de biquíni.

A moça beija o cara.

O cara chora, diz que está muito ferido porque perdeu seu grande amor, que não está preparado para amar de novo – mas que ela, ah, ela, mulher maravilhosa, fantástica, ela merece tudo, ela merece alguém muito melhor do que ele!

Um especialista em desmanchar namoros/casamentos

Isso que estou relatando em pormenores é mostrado muito rapidamente, ao longo dos primeiros cinco, sete minutos do filme. O espectador vê elementos estranhos – há algo suspeito naquilo tudo…

A moça cata sua bagagem no hotel e pega um vôo de volta para a França. Ali no aeroporto mesmo, vemos que o irmão da moça – que estava profundamente infeliz com o fato de a irmã estar namorando um babaca – paga o falso médico por seus serviços.

E aí o falso médico, Alex Lippi, se apresenta para o espectador.

Alex diz para o espectador que existem três tipos de mulher: a feliz, a infeliz que sabe que é infeliz, e a infeliz que ainda não percebeu que é infeliz. Ele cuida desse terceiro tipo. É um arrasador de corações profissional, um arnacoeur – e o título original do filme surge na tela, L’Arnacoeur. Meu Petit Larousse, que de Petit só tem o nome mas é quase tão velho quanto eu, não registra a palavra, mas é isso mesmo, quebrador de corações, arrasador de corações. (Em inglês, o filme se chama Heartbreaker.)

O quebrador de corações Alex não trabalha só. Sua empresa conta com ele próprio, mais sua irmã Mélanie (Julie Ferrier) e o marido dela, Marc (François Damiens). Mélanie e Marc fazem de tudo: pesquisam sobre a vida da mulher a ser seduzida, dão todo o apoio logístico. Foi Marc que, no Marrocos, havia indicado o jipe de Alex, e, no deserto, tinha soltado algumas aves que levara numa gaiola; Mélanie havia encenado a farsa na aldeiazinha dos garotos.

A Alex cabe o trabalho de campo: a tarefa de seduzir a mulher e fazê-la finalmente deixar de lado seu namorado, marido, amante que não a satisfaz.

A nova missão do sr. agente anti-matrimônio será bem difícil

O diretor Pascal Chameuil e seus roteiristas levam não mais que dez minutos para nos apresentar essa bela idéia, essa bela sacada – uma agência de anti-matrimônio! –, e nos fazer conhecer Alex e sua equipe.

Mais cinco minutos, e ele apresenta a trama: Alex, o arnacoeur, o heartbreaker, o arrasador de corações, o sr. agente anti-matrimônio, será contratado para impedir que uma bela jovem, filha de um pai milionário, mezzo grande empresário mezzo mafioso, se case com seu noivo. A jovem, Juliette Van Der Becq, é interpretada por Vanessa Paradis, aquela gracinha de atriz de dentinhos da frente separados.

Haverá problemas, é claro. O primeiro: Alex, sujeito íntegro, honesto, que jamais come as moças que seduz (é para abrir os olhos delas, e não as pernas, diz, com franqueza total, o cunhado Marc), só aceita um trabalho se a vítima estiver infeliz no namoro, ou no casamento – e Juliette parece estar absolutamente feliz com o namorado, Jonatham (Andrew Lincoln), um inglês podre de rico, como os franceses sempre imaginam que são os ingleses.

O segundo problema: o casamento está marcado para daí a 15 dias. O tempo é insuficiente, diz Alex. Mas ele está cheio de dívidas, aquele serviço será bem pago – e então é obrigado a aceitar.

Os lugares mais belos, elegantes, cobiçados do planeta

A ação, a partir daí, poderia perfeitamente se passar em Paris mesmo, uma das mais lindas, românticas, maravilhosas, glamourosas cidades do mundo, se não a mais de todas. Mas quiseram os roteiristas, os produtores, os diretores, que tudo acontecesse em Mônaco – até porque o filme é uma co-produção França-Mônaco.

Se algum dia uma civilização alienígena chegasse a este pobre Planeta e tivesse interesse em estudar os costumes da humanidade através dos filmes, chegaria rapidamente à conclusão que os lugares mais belos, elegantes, cobiçados da Terra são Manhattan, Paris, Londres e a Côte d’Azur. Talvez não exatamente nessa ordem.

A Côte d’Azur tem a vantagem de fornecer tomadas em que aparece o mar belíssimo.

Cada coisa que o cinemão comercial inventa para criar comedinhas românticas…

Enquanto via o filme, me lembrei de Armações do Amor/Failure to Launch, uma comedinha romântica do cinemão comercial americano. Engana-se muito quem acha que existe uma entidade fina, inteligente, chamada cinema francês, ou cinema europeu, em contraposição à entidade maldita, burra, chamada cinema americano. Comedinha romântica do cinemão comercial é uma coisa só, seja feito nos Estados Unidos ou na França ou em qualquer outro lugar.

Em Armações do Amor, fala-se de um fenômeno antropológico, sociológico, mais ou menos recente, mas presente em diferentes civilizações ocidentais, que é o fato de que cada vez mais os filhos adultos permanecem vivendo com seus pais, em vez de, como se fazia na minha geração, cascarem fora de casa para viver com independência assim que tivessem 16, 18, 20 anos. Um sujeito bem passado dos 30 anos, interpretado por Matthew McConaughey, está lá vivendo com papai e mamãe – que então contratam uma empresa especializada em mexer com esses bebezões, dar uma chacoalhada na vida deles, para ver se enfim se coçam e vão viver em suas próprias casas.

Moça contratada para tirar solteirão de dentro de casa, sujeito contratado para acabar com casamentos ou namoros infelizes. Cada coisa que o cinemão comercial inventa para poder fazer comedinhas românticas…

Romain Duris é aquele tipo feioso mas cheio de charme, como era Belmondo

Pensei também, ao ver o filme, sobre o tremendo sucesso que Romain Duris faz no cinema francês nas duas últimas décadas. Aos 37 anos, é um ator requisitadíssimo, com 41 filmes no currículo, desde a estréia, em 1994 – vários deles filmes de grande bilheteria.

Está bem neste filme aqui – faz todas as caretas necessárias para a história, e seu personagem é muito engraçado. Mas o bicho é feio que nem a fome: como pode fazer tanto sucesso?

Me peguei pensando que talvez Romain Duris seja, neste início de século, o que Jean-Paul Belmondo era no cinema francês dos anos 60: um sujeito danado de feio – mas charmoso.

Pensei também que há mais close-ups de Romain Duris do que de Vanessa Paradis. O que me parece uma pena.

Vanessa Paradis é gracinha, com aqueles dentinhos da frente separadinhos. Mas está magra demais, tadinha. Seca. Sequinha. Numa hora lá, Alex Lippi-Romain Duris olha para as coxinhas de Juliette Van Der Becq-Vanessa Paradis, e a câmara as focaliza – mas, credo, são umas coxinhas tão magricelas…

Gostosas homenagens ao cinema americano – ou gozações, ou as duas coisas juntas

Há momentos no filme em que a trama, as situações ficam um tanto babacas demais – até mesmo para renitentes apreciadores de comedinhas românticas descartáveis como eu. Quando a personagem Sophie (Héléna Noguerra), amiga de Juliette, bêbada e sempre louca pra dar pra qualquer um, ataca Alex no quarto do hotel chiquérrimo, fiquei com vergonha de mim mesmo: pô, cara, por que não pára com essa bobagem e bota filme bom pra ver?

Mas, se a gente conseguir relevar um pouco esses momentos mais idiotas, é um bom divertissement.

Legal ver as homenagens – ou gozações, ou as duas coisas juntas – ao cinema americano. As diversas citações a Dirty Dancing são divertidas, gostosas – Juliette é apaixonada pelo filme, e Alex treinará os números de dança para impressioná-la (foto acima). O final tem toques de A Primeira Noite de um Homem/The Graduate (mais uma vez!) e a um filme de Frank Capra de que não me lembro bem, mas de que os roteiristas seguramente se lembram. Ah, sim, o filme é Órfãos da Tempestade/Here Comes the Groom, de 1951, que, por sua vez, verifico, após consultar o excelente site 50 Anos de Filmes, faz uma citação do grande clássico do próprio Capra, Aconteceu Naquela Noite/It Happened One Night, o primeiro filme a ganhar os cinco principais Oscars.

Sempre achei fascinante esse fenômeno de os franceses, de uma maneira geral, e os grandes cineastas (vide François Truffaut e Jacques Demy) de maneira especial, admirarem mais o cinema americano do que boa parte dos brasileiros mais cultos, que tendem a torcer e empinar seus narizes diante do que chamam, com desprezo, de “filme americano”.

Quem torce o nariz diante do que chama, com desprezo, de “filme americano”, deveria, em prol de sua sanidade, passar longe desta comedinha boba, pouco importante – e bem gostosinha.

Já os seres humanos felizes, que curtem a vida e gostam de um filme diversão, esses podem ver Como Arrasar um Coração numa boa. Apesar de alguns momentos francamente babacas, o filme tem seu charme – um charme feioso como Romain Duris, e gostoso como os dentes separadinhos de La Paradis.

Anotação em outubro de 2011

Como Arrasar um Coração/L’Arnacoeur

De Pascal Chaumeil, França-Mônaco, 2010

Com Romain Duris (Alex Lippi), Vanessa Paradis (Juliette Van Der Becq), Julie Ferrier (Mélanie), François Damiens (Marc), Héléna Noguerra (Sophie), Andrew Lincoln (Jonathan Alcott), Jacques Frantz (Van Der Becq)

Roteiro Laurent Zeitoun, Jeremy Doner e Yoann Gromb

Baseado em idéia original de Laurent Zeitoun

Fotografia Thierry Arbogast

Música Klaus Badelt

Produção Quad Productions, Script Associés, Focus Features

Cor, 105 min

**1/2

7 Comentários para “Como Arrasar um Coração / L’Arnacoeur”

  1. Ai, Sérgio, dentinhos da frente separados é eufemismo, né? No espaço entre os dentões da Vanessa cabe uma drágea da caixinha amarela da marca Chiclets, como diria um primo meu.
    O Romain Duris está mais para esquisito que pra feio, e é magro demais pro meu gosto.
    No mais, o filme parece ser bonzinho mesmo e o texto está ótimo. Adorei a referência ao excelente site 50 Anos de Filmes. hehehe

  2. Eu achei chatinho e arrastado, longo demais pra uma comédia romântica. As alusões a Dirty Dancing também achei bem sem graças. Enfim, gosto de comédia romântica mas essa eu achei fraquinha.
    E outra: na cena em que ele aparece no carro com uma das “clientes-vítimas” e diz que está recitando um poema brasileiro, a moça diz que não fala “brasileiro”. Não fala brasileiro? Peloamordasanta, hein?! Eu não falo brasileiro, falo português. Pensei que só os americanos achassem que o Brasil só tem três cidades (Rio, Salvador e São Paulo) e que nossa capital é Buenos Aires.

  3. Jussara, querida, acho que você está mal-humorada quando viu o filme.
    Não que ele seja muito bom, ótimo. É uma diversão passável, não pretende ser mais do que isso.
    Mas você pegou no pé de coisinhas menores. A francesinha dizer que não fala “brasileiro” é engraçadinho – como é engraçacinho John Wayne dizer que não fala “mexicano”. Ou como o personagem de Tim Robbins, um bobão, em “Sorte no Amor”, ouvir Edith Piaf cantando e berrar para a personagem de Susan Sarandon: “Eu sei que você está aí, porque estou ouvindo aquela mexicana maluca cantando!” Para o bobão inculto, jogador de beisebol bom de braço e péssimo de cuca, tudo que não é inglês é mexicano – assim como para o cowboy grandalhão.
    Coisas dos mais ricos, e portanto etnocêntricos, como diriam os professores, ou umbigocêntricos, como eu digo.
    Tudo brincadeirinha, Juos! Não é pra fazer brava…
    Abração.
    Sérgio

  4. Ah, e um PS. Tenho ouvido portugueses dizerem “brasileiro”, ao se referirem à língua que falamos aqui. E o professor Higgins dizia – você, é claro, se lembra – que na América não se fala inglês faz séculos…
    Um grande abraço.
    Sérgio

  5. Hehehe, eu não estava mal-humorada, acho que o filme não me agradou desde o início, por isso nem percebi que era “engraçadinho” o que a moça falou.
    Pelo o que tinha lido aqui eu esperava mais. Mais um para a minha série “texto melhor que o filme”.

    Se a gente fala mesmo brasileiro prefiro nosso brasileiro ao português deles. Assim como a recíproca deve ser verdadeira. Cada um no seu quadrado. hahaha
    Existe a mesma questão no espanhol, mas não sei quem considera ter o espanhol mais “puro” etc e tal.
    Abraços!

  6. Essa Vanessa …pelo amor de Deus! Johnny estava louco e cego,ficou com essa dragão por 14 anos!!!Se ela não tivesse dado 2 filhos no começo do relacionamento,ele não ia durar com ela nem 2 meses,ele é muito família!

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