A Vida Íntima de Pippa Lee / The Private Lives of Pippa Lee

Nota: ★★★☆

Anotação em 2010: Rebecca Miller fez o roteiro e dirigiu este filme, baseado em novela de sua própria autoria. É um belo, sensível drama sobre casamento, relações familiares e as surpresas que a vida nos apresenta quando menos esperamos. Todo o elenco cheio de bons nomes está impecável, mas o show é de Robin Wright Penn.

Ela já havia dado diversas mostras de talento – só para dar alguns exemplos, em Questão de Vida/Nine Lives, de Rodrigo García, Deixe-me Viver/White Oleander, de Peter Kosminsky, Sorry, Haters, de Jeff Stanzier. Está absolutamente maravilhosa como a mulher madura, mãe de dois filhos já adultos, casada com um homem bem mais velho, que acaba de vender seu apartamento em Nova York e se muda para um sossegado, tranqüilo subúrbio em Connecticut – a Pippa Lee do título.

Quando o espectador a conhece, na primeira seqüência do filme, Pippa Lee é a perfeita dona de casa, boa cozinheira, boa anfitriã, que cuida com esmero da casa e do marido, Herb (o grande Alan Arkin), dono de uma editora de livros. Depois de três ataques cardíacos, Herb e Pippa trocaram a agitação da cidade pela calma do subúrbio; na primeira seqüência do filme, estão jantando em sua confortável casa nova com um grupo de amigos. Um deles, um escritor, Sam (Mike Binder) faz um brinde a Pippa, que conheceu um quarto de século antes, elogiando suas diversas qualidades.

Pippa vai então contar para o espectador, a bela voz da linda Robin Wright Penn em off, que ela já teve outras vidas – e vai nos narrá-las, desde seu nascimento, coberta de pelo, o que assustou tremendamente sua mãe, Suky (interpretada por Maria Bello). O filme vai então alternando seqüências da vida de Pippa hoje, em Connecticut, com outras que mostram seu passado, ou seus passados. A Pippa garotinha de sete anos – que aparece em umas três ou quatro seqüências apenas – é interpretada por Madeline McNulty; a Pippa adolescente até o início da vida adulta é feita por Blake Lively, uma jovem belíssima (na foto abaixo, com Suky, Maria Bello).

         Um toque fantástico, numa narrativa pé na terra

Se há uma certa incursão num realismo fantástico na coisa de a garotinha ter nascido peluda, como um macaco, o resto da narrativa – tanto na vida passada de Pippa quanto na presente – é absolutamente pé na terra. Mas a Pippa jovem não condiz em nada, conforme o espectador verá, com aquela dona de casa exemplar em que se transformou na maturidade.

Suky, a mãe, era do tipo agarrado demais à filha – e era também uma dependente de remédios, anfetaminas, que deixavam seu comportamento errático e imprevisível. Sufocada, Pippa saiu de casa com 16 anos – e a partir dos 17 era uma adolescente afundada não até o pescoço, mas até o alto da cabeça, em drogas.

Foi o encontro com Herb, então com o dobro de sua idade, e casado com uma milionária excêntrica, Gigi (interpretada pela deusa Monica Bellucci), que mudou sua vida – mas isso só será mostrado quando a narrativa já está bem adiantada.

O Herb de 25 anos antes dos dias de hoje, assim como o seu amigo Ben, são interpretados pelos mesmos atores já citados, Alan Arkin e Mike Binder. A opção da diretora Rebecca Miller de colocar duas atrizes fazendo Pippa não é apenas porque seria mais difícil mostrar a passagem de um quarto de século no rosto de uma mesma intérprete; claro, deve ser por isso também, mas o mais importante, me parece, é para salientar ainda mais as diferenças brutais entre a Pippa doidona da adolescência para a dona de casa aparentemente tranqüila da idade madura.

Aparentemente tranqüila – mas só aparentemente. O espectador verá que há um vulcão prestes a entrar em erupção, sob aquela aparência de tranqüilidade.

         A dificuldade de relacionamento entre mãe e filha

Há uma cena reveladora quando estamos aí com uns 12, 15 minutos de filme. Pippa e Herb estão num restaurante elegante, onde se encontrarão com os dois filhos. Chega Grace, a filha (interpretada por Zoe Kazan, neta do grande Elia Kazan, filha de Nicholas, ele também roteirista e diretor). Grace faz a maior festa para o pai, abraçam-se; ela dá a volta na mesa, passa perto da mãe, Pippa sorri e se prepara para receber um abraço dela, mas a filha passa direto, senta-se, diz que está com fome, e em seguida começa a mostrar fotos que fez para o pai.

Quando jovem, Pippa odiava a mãe que a sufocava. Madura, Pippa é ignorada pela filha. A dificuldade de relacionamento mães-filhas é uma característica extremamente forte, importante, no filme de Rebecca Miller, ela mesma filha do grande dramaturgo Henry Miller (1915-2005) e de uma fotógrafa, Inge Morath. Fotógrafa – a mesma profissão de Grace, a personagem criada pela escritora, roteirista e diretora Rebecca.

Bem mais adiante na narrativa, Pippa dirá para Chris (Keanu Reeves), o rapaz filho de sua vizinha Dot (Shirley Knight):

– “Minha filha Grace me odeia. Fico pensando se fiz tudo errado com ela. Só não queria sufocá-la do jeito como minha…”

Ela não termina a frase, mas o espectador sabe que ela se refere à sua mãe, Suky. Pippa e Chris haviam saído para dar um passeio de carro, e ela disse que queria mostrar a ele a casa em que crescera. Estão parados no carro diante da casa que foi de sua mãe quando há esse diálogo. Pippa prossegue:

– “Acho que isso acontece nas famílias, de vez em quando. Estamos sempre indo e voltando, de geração em geração, errando de jeitos opostos.”

Uma frase apenas – que concentra, condensa o que diversos tratados e teses poderiam dizer a respeito da educação de filhos ao longo das últimas décadas.

E depois Pippa acrescenta:

– “Eu nunca mais a vi, minha mãe. Depois que eu fugi de casa, ela morreu. Teve um ataque cardíaco.

E aí, numa sacada de grande talento, o filme nos mostra uma cena que jamais aconteceu: Pippa, madura, se encontra com a mãe, e mostra para ela fotos de seus filhos, enquanto, em off, a voz de Robin Wright Penn diz:

– “Se eu pudesse ter qualquer coisa que quisesse, pediria mais uma tarde com minha mãe. Seria gentil com ela.”

         Espécie em extinção: um personagem humano

Belíssima cena, belos diálogos. Rebecca Miller deve seguramente ter tido problemas com a mãe, e se penitencia neste belo filme.

Bons filmes merecem bons textos. O texto do AllMovie sobre o filme, assinado por Philip Maher, começa assim: “Com este ótimo filme, Rebecca Miller anuncia sua ascendência ao escalão mais alto dos diretores americanos e envia uma mensagem a cada autor que já se lamentou por Hollywood ter dessacrilizado um livro seu: se você quer que seja bem feito, faça você mesmo. Trabalhando sobre sua própria novela, Miller belamente traduz literatura para o cinema, permitindo que a necessária especifificidade do filme anime seu personagem título de formas que surpreendem e deliciam, enquanto retém espaço para a imaginação da audiência. A versão de Pippa Lee que emerge do roteiro de Miller e da gloriosa atuação de Robin Wright Penn é simultaneamente definitiva e aberta à interpretação. Pippa é uma das espécies mais em extinção em Hollywood: um personagem que poderia ser humano.”

Uau! Um belo texto para um belo filme.

         Na capa do DVD, propaganda enganosa

Ah, sim, é preciso fazer um registro: os caras que cuidaram da capa do DVD do filme no Brasil fizeram um trabalho indecente, quase criminoso. Puseram fotos e os nomes de Keanu Reeves e Monica Bellucci em destaque – não há menção a Robin Wright Penn, a protagonista, na capa. Keanu Reeves e La Bellucci são coadjuvantes, aparecem bem pouco, assim como Julianne Moore e Winona Ryder. E além disso ainda escreveram errado o título original do filme, que de The Private Lives of Pippa Lee virou “The Secret Life of Pippa Lee”. Propaganda enganosa – um vexame. O filme não merecia isso.

A Vida Íntima de Pippa Lee/The Private Lives of Pippa Lee

De Rebecca Miller, EUA, 2009

Com Robin Wright Penn (Pippa Lee), Blake Lively (Pippa jovem), Alan Arkin (Herb Lee), Keanu Reeves (Chris Nadeau), Maria Bello (Suky Sarkissian), Zoe Kazan (Grace Lee), Winona Ryder (Sandra Dulles), Mike Binder (Sam Shapiro), Monica Bellucci (Gigi Lee), Julianne Moore (Kat), Shirley Knight (Dot)

Roteiro Rebecca Miller, baseado em livro dela mesma

Fotografia Declan Quinn

Música Michael Rohatyn

Montagem Sabine Hoffman

Produção Grand Army Entertainment

Cor, 98 min

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