Pat Garrett & Billy the Kid

Nota: ★★★☆

Anotação em 2010Pat Garrett & Billy the Kid, que Sam Peckinpah fez em 1973, com trilha sonora original de Bob Dylan, é um fascinante caso de filme que é mal recebido por crítica e público no lançamento e, com o passar dos anos, vai obtendo mais e mais respeito.

O filme foi realizado quando o diretor Peckinpah (1926-1984) estava no auge da fama e do reconhecimento. Ele já havia feito diversos filmes de boa bilheteria e fartos elogios da crítica: depois do extraordinário, melancólico Pistoleiros do Entardecer/Ride the High Country, de 1962, tinham vindo Juramento de Vingança/Major Dundee, de 1965, e Meu Ódio Será Tua Herança, de 1969. Tinham vindo também sucessos que não eram westerns, embora fossem sempre violentos, sobre violência: Sob o Domínio do Medo/Straw Dogs, de 1971 – quase um manifesto pró-violência, em que um pacato professor americano instalado no interior da Inglaterra reage aos imbecis que vão perturbar sua vida e mata um bando deles, com uma ferocidade de cão perigoso; e Os Implacáveis/The Getaway, de 1973, com os astros de primeiríssima grandeza Steve McQueen e Ali McGraw.

E, aqui, um rápido parênteses: a companhia de Peckinpah não devia mesmo ser uma coisa tranqüilizadora. Durante as filmagens de Os Implacáveis, a bela Ali McGraw, estrela do gigantesco sucesso Love Story, traiu o marido e patrão, Robert Evans, então o chefão da Paramount, com seu co-astro, o feio charmoso McQueen. Foi um baita escândalo.

         O western tradicional estava soterrado pelo bangue-bangue italiano

Sam Peckinpah estava no auge da forma e da fama, mas o western, não. Desde meados dos anos 60, não por coincidência a época da grande revolução dos costumes e da guerra do Vietnã, não se faziam muito westerns, e menos ainda grandes westerns. A onda eram os western-spaghettis – filmes italianos, de orçamento baixo, que eram quase uma paródia, uma gozação dos faroestes originais. Pistoleiros muito maus, com a barba por fazer, cara suja, roupa suja, poucos diálogos, muito tiro, muito morto.

E, no meio dessa onda que parecia irresistível, que conquistava o mundo inteiro, aconteceu de surgir um gênio cinematográfico, um romano nascido em 1929 que era mestre da arte, Sergio Leone. E aconteceu de esse romano cruzar seu destino com um californiano de San Francisco, boa pinta pra caramba, nascido um ano depois, em 1930, que tinha tentado atuar na televisão e no cinema em seu país mas não tinha dado muito certo. Em 1964, Sergio Leone deu a Clint Eastwood o papel principal em um western-spaghetti de poucas palavras e muito tiro, Por um Punhado de Dólares – e aí o bangue-bangue italiano soterrou de vez o western americano.

Em meados dos anos 60, Hollywood passou a fazer suas próprias paródias de westerns, como Dívida de Sangue/Cat Balou, com Jane Fonda, em que Lee Marvin fazia papel duplo – um deles era um pistoleiro decadente e bêbado que montava um cavalo igualmente bêbado.

Em 1970, Arthur Penn, americano com educação e gosto europeus, fez um glorioso western pró-índios e anti-cowboys, uma obra-prima, Pequeno Grande Homem. Mais uma pá de cal sobre o bangue-bangue tradicional. O gênero não estava com nada, naquela época.

Foi quando Peckinpah resolveu voltar ao gênero que ele próprio havia abandonado depois de fazer um faroeste-gozação, em 1970, A Morte Não Manda Recado/The Ballad of Cable Hogue. Escolheu abordar um dos nomes mais mitológicos do mitológico Oeste, que já havia sido personagem de trocentas histórias, inclusive o filme de estréia de Arthur Penn, em 1958, Um de Nós Morrerá/The Left-Handed One, com Paul Newman no papel principal – Billy the Kid, o bandido bonzinho, uma espécie assim, mutatis mutandis, de Robin Wood do novo mundo.

Basicamente, o filme mostra a perseguição final a Billy the Kid (Kris Kristofferson), movida por Pat Garrett (James Coburn, os dois na foto acima). Billy e Garrett haviam sido grandes amigos, companheiros, no passado. Mas Garrett havia mudado de lado; comprado por um latifundiário, virou xerife. No começo da narrativa escrita pelo roteirista Rudolph Wurlitzer, Garrett procura o velho amigo para aconselhá-lo a fugir para o México; seus dias de assaltante impune haviam acabado. Se permanecesse em território americano, Garrett não teria outra opção a não ser caçá-lo, prendê-lo – ou matá-lo. 

         Orçamento estourado, filme adulterado pelo estúdio – um fracasso

Peckinpah estourou o orçamento, o tempo de filmagens e a duração que seria admissível para o filme, segundo o estúdio, a MGM. O estúdio mexeu na montagem de Peckinpah e cortou longos trechos. O filme que estreou nos cinemas americanos estava desfigurado. 

Foi um fracasso de bilheteria e de crítica.

Leonard Maltin, por exemplo, deu ao filme duas estrelas em quatro: “Um olhar revisionista sobre o xerife Garrett (Coburn) e sua perseguição ao ex-companheiro Billy the Kid (Kristofferson) é interessante mas longe do Peckinpah nota 10; para começar, não há contraste suficiente entre as duas atuações principais. (…) A versão do diretor, que nunca chegou às salas de cinema, agora aparece em vídeo e na TV a cabo, e é de fato uma grande melhora em relação à versão de ritmo ruim de 103 minutos exibida em 1973. Uma outra versão ainda do filme, com muito menos violência, foi lançada na TV comercial nos anos 70.”

Eu não sabia disso na época, mas o fato é que o filme que vi uma única vez, em 1974, num cinema da Rua Augusta que fechou faz muitas décadas, foi a versão cortada, adulterada pelo estúdio, de 103 minutos. A versão que chega agora ao DVD no Brasil, pela Lume, é a do diretor – e de fato ela contém cenas de mulheres peladas, palavrões e violência de que eu não lembrava de forma alguma na versão dos cinemas na primeira metade dos anos 70.

A resenha de Pauline Kael está na edição brasileira do livro dela, 1001 Noites no Cinema, da Companhia das Letras, na tradução de Sérgio Augusto:

“História ambiciosa, erótica e peculiarmente irrealizada de como Garrett (James Coburn) caça seu melhor amigo Billy (Kris Kristofferson), com Bob Dylan (que canta a música do filme, composta por ele) fazendo um companheiro de Billy. Sam Peckinpah dirigiu, com um roteiro de Rudolph Wurlitzer. Com um elenco impressionante, que inclui Jason Robards, Katy Jurado, Rita Coolidge (…) É provável que nenhum dos envolvidos tenha ficado muito satisfeito com os resultados; Dylan não decola de modo algum.”

Acho que a palavra “relato” seria uma tradução muito mais apropriada de “account” do que “história” – já que se trata aqui da forma como Peckinpah escolheu para relatar a história -, mas tudo bem. Sobre Dylan, falo depois.   

A longa resenha de Roger Ebert, sujeito que admiro bastante, termina com a seguinte frase: “A canção título escrita por Bob Dylan é horrorosa”. Ebert arrasa com o filme.

         Os críticos passam, as obras ficam, chegam novos críticos

Os críticos, mesmo os bons, como Ebert, passam, e as obras ficam. Pat Garrett & Billy the Kid já teve três edições especiais em DVD nos Estados Unidos – duas delas em disco duplo, com diversos extras.

Ao contrário dos críticos da época do lançamento, o livro Great Hollywood Westerns, de Ted Sennett, e o AllMovie – para dar só dois exemplos – tratam o filme com respeito e admiração. Os dois realçam o que há por trás da história simples, da ação que o filme narra, e que é exatamente o que Peckinpah já havia feito em Pistoleiros do Entardecer: com um tom melancólico, outonal, de fim de um ciclo, o filme fala do desaparecimento do Velho Oeste tal como era conhecido e tal como havia sido mitificado em mil narrativas escritas e centenas e centenas de filmes. Ficava para trás o tempo glorioso dos pioneiros, dos desbravadores – chegavam o capitalismo, os grandes fazendeiros, os magnatas. Uma outra civilização.

O texto de Lucia Bozzola no AllMovie sintetiza que Pat Garrett, ao aceitar o cargo de xerife oferecido pelos grandes fazendeiros, com a bênção do próprio governador do Novo México (um pequeno papel que coube a Jason Robards Jr.), havia feito “um pacto de Fausto com o progresso”. “Com um roteiro escrito por Rudolph Wurlizter, Peckinpah usa as bases históricas da morte de Billy para fazer a elegia de um Oeste de sonhos, embora violento, enquanto ele é dessacralizado por corruptos capitalistas. Tanto Pat quanto Billy sabem que seu tempo está terminando. Usando atores de westerns como Slim Pickens e Katy Jurado, Peckinpah sublinha a existência do Oeste como um mito da mídia. Assim como o derramamento de sangue de The Wild Bunch, de 1969, evocava a guerra do Vietnã, a escolha de Kristofferson e Dylan aludia à realidade do final dos anos 60 e início dos 70; a contracultura teria pouco espaço num futuro dominado pelas corporações. Também como The Wild Bunch, Pat Garrett foi truncado pelo estúdio; os cortes não ajudaram em nada nas bilheterias. Cenas chave, particularmente a parte que mostra o destino de Garret, foram depois restauradas na versão em vídeo. Nessa versão fiel à forma final dada por Peckinpah, Pat Garrett & Billy the Kid aparece como um dos filmes mais belos e complexos de Peckinpah, matando o mito do Oeste no momento em que o saúda.”

Ted Sennett, no livro Great Hollywood Westerns, tem visão semelhante à da moça que escreveu a crítica no AllMovie. “Lançado em 1973 em meio a uma mistura de controvérsia e aclamação, o filme optava por uma visão triste e elegíaca do tema, em vez de fazer uma paródia. O filme mostrava Billy (Kris Kristofferson) como um andarilho sem rumo que chega ao crime por acaso, e Pat Garrett (James Coburn) como um homem desiludido que serve à lei apenas para manter sua liberdade. Pat Garrett & Billy the Kid é um filme outonal em que explosões de violência, no estilo Peckinpah, não conseguem afastar a sensação de pesar.”

Segundo o autor, tanto o bandido perseguido quanto o xerife perseguidor (que não tem respeito nenhum pela estrela de lata que usa no peito – “É só uma maneira de permanecer vivo”) desprezam as influências “civilizatórias” representadas pelos homens de negócio ambiciosos que querem “construir cercas ao redor do país” – essas duas frases anteriores entre aspas são diálogos do filme. “Em uma das grandes cenas do filme, Garrett atira em Billy, e em seguida atira amargamente em sua própria imagem refletida no espelho, cheio de desprezo por si mesmo por ter se vendido e de tristeza por ter que matar alguém que, apesar de ser um fora-da-lei, compartilha com ele mesmo seu descontentamento com os novos tempos que chegam.”

         Acabou a parte objetiva. Agora vêm minhas opiniões, meu viajandão

Gosto dessas análises que transcrevi aí acima, boas análises. Não desconheço as qualidades do filme de Peckinpah (na foto, durante as filmagens no México), de forma alguma Mas é engraçado: minha, digamos assim, relação pessoal com Pat Garrett & Billy the Kid é um tanto tumultuada, perturbada. Lembro que não fiquei encantado com o filme quando o vi pela primeira vez – e mantive na memória que vi num cinema da Rua Augusta que depois acabou. Vejo agora no caderninho que o cinema era o Marachá, logo acima da Dona Antônia de Queiróz, à direita de quem sobe do Centro para a Paulista; foi em abril de 1975. Não fiquei encantado, embasbacado; ao contrário, foi até uma decepção.

E também agora, 35 anos depois, ao rever o filme pela primeira vez, ao lado de Mary, que nunca tinha visto antes, fiquei um tanto distante – o filme lá, eu aqui, um estranhando o outro. Cheguei até a anotar, depois de tomar umas: “minha sensação foi a de que é um western-spaghetti embelezado e valorizado por lindíssimas melodias e canções; na verdade, Pat Garrett & Billy the Kid me pareceu hoje um estranho caso de um filme que vale menos que a trilha sonora criada para ele”.

Esta foi a primeira sensação. Não é objetiva, nem lógica. O filme tem muito valor, sim, conforme apontam muito bem os trechos que transcrevi acima.

Minha questão pessoal é que primeiro conheci e me apaixonei pela música, e só depois vi o filme, quando já sabia as músicas de cor e salteado. E aí tem a coisa puramente pessoal, afetiva: gosto dos filmes do Peckinpah, tenho respeito por ele, sempre tive, desde que vi Pistoleiros do Entardecer adolescente, ainda em Belo Horizonte, lá por 1964, ou 1965. Mas Dylan é outro papo completamente diferente. Dylan era um dos meus grandes ídolos quando tinha 20 e poucos anos – é até hoje. Fui checar no LP. Está anotado nele; comprei o LP importado com a trilha sonora de Pat Garrett e Billy the Kid em 11/73 – apenas um mês depois do lançamento do disco nos EUA! (Como era bom de importação o Museu do Disco da Dom José de Barros, cacilda.) E ouvi direto e reto, nos vários meses seguintes, e só fui ver o o filme, em abril de 1975, quatro meses antes de minha filha nascer.

Devo ter saído do Marachá exatamente com a mesma sensação que senti de novo logo depois de rever o filme em casa: que a trilha sonora é maior que o filme.

         Sim, Dylan queria destruir o mito do Dylan porta-voz da geração

Cada cabeça, uma sentença. “A canção título escrita por Bob Dylan é horrorosa”, sentenciou o bom crítico Roger Ebert. Na Rolling Stone da época, o então crítico Jon Landau, sujeito respeitabilíssimo, escreveu: “A trilha sonora original de Pat Garrett & Billy the Kid é uma extensão de seu predecessor destruidor de mito Self Portrait, um disco que vai mais fundo na eliminação da possibilidade de qualquer pessoa colocar Bob Dylan em um pedestal. É, em cada momento, tão inepto, amador e embaraçoso quanto o álbum anterior… Um álbum nem excepcional, nem de fato diferente, apenas e tão somente horroroso.”

Há uma grande verdade aí: de fato, era um disco em que Bob Dylan – assim como havia feito em Self Portrait – usava todas as forças para destruir o mito do Bob Dylan porta-voz da geração, o profeta, a consciência política da América jovem, ou qualquer outro rótulo desse tipo que tinham pregado nele. Nisso Jon Landau está certíssimo, e não há como discutir – é fato. Dylan escreveu isso com todas as letras em suas Chronicles Volume One.

Como as coisas são fantásticas. Naquele mesmo ano de 1973, um garoto estava lançando seu primeiro disco, na mesma gravadora de Dylan, a Columbia, aqui CBS, hoje Sony. Em Greetings from Ashbury Park, N.J., o novato Bruce Springsteen bebia na fonte de Dylan descaradamente, abertamente – da mesma maneira como, em sua estréia em 1962, Dylan havia bebido descarada e abertamente na fonte de Woody Guthrie, e assim vai o mundo, e a Lusitana roda.

O mesmo Jon Landau que dizia que o novo disco de Dylan era “tão somente horroroso” saudou o novato como o cara que tinha chegado para salvar o rock. O terceiro disco de Bruce tinha produção de Jon Laudau – assim como o quarto, o quinto…

Bruce jamais escondeu a influência de Dylan.

Esta anotação toda já está meio sem sentido, no 50 Anos de Filmes – talvez tivesse algum sentido no 50 Anos de Textos, sei lá –, e teria menos sentido ainda eu me alongar dando uma pormenorizada apreciação de Pat Garrett, o disco. Resumo o seguinte: são seis músicas instrumentais, compostas para acompanhar a ação do filme de Peckinpah, com gente de primeiríssima nos instrumentos: Booker T. Washington, Roger McGuinn dos Byrds, Bruce Langhorn. Há ainda três versões da mesma canção-tema, “Billy 1”, “Billy 4” e “Billy 7”, em que um narrador – algo como o coro da tragédia grega – se dirige diretamente a Billy the Kid, para alertá-lo sobre os perigos que corre, a perseguição de Pat Garrett, para lembrar a ele passagens de sua vida, para instá-lo a fugir enquanto é tempo. Há imensas variações no andamento, na instrumentação, na colocação da voz de Dylan em cada uma das três faixas – horrorosas, segundo Ebert, Landau e muito mais gente, ou geniais, na minha opinião. Belíssimas canções, um lamento doido, doído, uma coisa sombria, melancólica e profundamente triste – todo o espírito de fim de era do filme está nessas três faixas, que, no entanto, independem dele, são agradáveis de se ouvir mesmo completamente separadas da história de Billy the Kid.

         Uma das mais belas canções folk – ever

E há ainda na trilha (na foto, a contracapa do disco) uma pequena canção feita para a seqüência do filme em que um velho casal de amigos de Billy the Kid está sendo assassinado por Pat Garrett, junto a um riacho, num entardecer. Tanto no filme quanto no disco, a pequena canção dura apenas 2 minutos e 33 segundos. Ebert, Landau, o escambau que me perdoem, mas “Knockin’ on Heaven’s Door” é uma obra-prima, uma das mais belas canções folk – ou pop – que já foram escritas.

Nos anos 70, Eric Clapton andava com a cabeça cheia de cocaína, cachaça e quanto mais droga passasse pela sua frente, mas o bicho sempre foi grande, mesmo chapadão. Sua gravação de “Knockin’ on Heaven’s Door”, puxando para um reggae forte, com uma beleza de guitarra, é uma maravilha. Milhares e milhares e milhares de pessoas que não conheciam a gravação original conheceram a canção com a versão de Clapton – e Clapton, como diziam os muros pichados em Londres, é Deus.  

Em 1991, portanto 18 anos depois do disco original e do filme, eu já havia desistido fazia tempo de tentar acompanhar tudo quanto é novidade no rock e no pop, e aí minha filha (que ainda estava na barriga da Suely quando vi o filme pela primeira vez) apareceu em casa com o disco de um conjunto barulhento, um tal de Guns N’Roses – e tive que admitir que eles fizeram uma bela versão de “Knockin’ on Heaven’s Door”.

A revista Rolling Stones colocou a canção entre as 500 maiores músicas da história do rock. Houve gravações do U2, de Dolly Parton, de Bryan Ferry, do alemão Selig, dos sul-africanos do Ladysmith Black Mambazo, de Warren Zevon, de Jon Bon Jovi.

Não tem jeito de alguém gravar essa música e torná-la feia, ou sequer morna, mas gosto especialmente da gravação dos Leningrad Cowboys, feita em 1994. Os Leningrad Cowboys são uma banda finlandesa muito, mas muito doidona, uma coisa meio surrealista, meio gozativa, punk a não mais poder. A versão deles de “Knockin’ on Heaven’s Door” é (pretensamente) solene, vigorosa, quase marcial, um hino, a coisa mais iconoclasta que se pode imaginar – e maravilhosa de se ouvir. (Acho no YouTube uma apresentação ao vivo maluquíssima, com os loucos finlandeses secundados por uma gigantesco coral apresentado como sendo O Coral do Exército Vermelho Russo. Algumas das encarnações de Dylan devem ter se deliciado com isso.) 

         Bob & Kris & Rita & Alias & Sam

Ainda seria necessário, a rigor, falar do Bob Dylan ator, e de seu personagem, Alias, e mais de Kris Kristofferson, o autor de “Me and Bobby McGee” e ator em filmes de Dennis Hopper e Martin Scorsese, e de sua então mulher, a maravilhosa Rita Coolidge… Mas se eu já cansei, imagine-se um eventual leitor. Então vou resumir.

A melhor definição sobre Alias, o personagem que Peckinpah deu para Dylan interpretar, foi da Mary: Alias é o próprio Alien, ser de outro mundo, andando no Velho Oeste sem saber direito o que estava fazendo ali.

O nome Alias é uma grande sacada. Alias, claro, significa alcunha, vulgo, nome suposto. Robert Zimermann, alias Bob Dylan. Bob Dylan, alias Alien.

Foi também Mary que reparou primeiro um detalhe saborosíssimo: a cada vez que Alias aparece em cena, está com um tipo de chapéu. Um E.T. no Oeste moribundo.

Rita Coolidge aparece pouco, no filme – bem menos do que eu gostaria. Imagino que ela estivesse lá em Durango, no México, onde o filme foi rodado, para fazer companhia ao então maridão. Aí  Peckinpah deve ter bolado na hora: pô, que mulher bonita, vamos botar ela no filme.

Imagino que deve ter sido uma imensa zorra, aquela filmagem. Eles todos devem ter se divertido muito – e consumido boa parte da maconha existente então no México.  

Rita Coolidge não é apenas uma mulher linda, aquela beleza maravilhosa com a marca da miscigenação (ela descende de brancos e índios cherokees). Foi uma excelente backing vocal para Eric Clapton, Stephen Stills, Graham Nasch, Leon Russell, Joe Cocker; e foi no terceiro disco solo dela, The Lady’s Not For Sale, de 1972 (a foto acima é a da capa do disco), que pela primeira vez ouvi uma canção de Leonard Cohen, “Bird on a Wire”. Continua boa até hoje, mais pop, mais perto da Grande Música Americana. Grande, bela Rita.

 Belo western. Trilha melhor ainda

Não sei se consegui me fazer entender. A anotação está de fato confusa. Vou tentar dizer de forma clara minha opinião sobre tudo isso, o filme e o disco: Pat Garrett & Billy the Kid é, sim, um belo western, triste, melancólico, um belo retrato de um mundo que está sendo abandonado em troca de alguma coisa muito diferente – e não melhor.

É interessante, é fascinante ver que seu valor esteja sendo reconhecido depois de tantos anos em que ele foi arrasado por público e crítica.

Agora, para mim, na minha opinião pessoal, a melhor coisa do filme continua sendo a música que Dylan criou para ele.

Pat Garrett & Billy the Kid

De Sam Peckinpah, EUA, 1973

Com James Coburn (Pat Garrett), Kris Kristofferson (Billy the Kid), Bob Dylan (Alias), Jack Elam (Alamosa Bill), Emilio Fernández (Paco), Richard Jaeckel (xerife Kip McKinney), L.Q. Jones (Black Harris), Katy Jurado (Mrs. Baker), Rita Coolidge (Maria)   

Roteiro Rudolph Wurlitzer

Fotografia John Coquillon

Música Bob Dylan 

Produção Metro Goldwyn Mayer.

Cor, 106 min

R, ***

10 Comentários para “Pat Garrett & Billy the Kid”

  1. Do caralho, Sérgio. Vale lembrar, no contexto,
    que Sam Pckinpah, nascido em 1925,era descendente de índios…

  2. Revi “Pat Garret…” no final de semana. É uma mistura estranha de beleza e melancolia que mais parece um tratado assinado. O tempo fez juz ao que Peckinpah criou aqui – a cena da morte à beira do lago com Dylan cantando ao filme ainda é uma das cenas que mais me emocionam no cinema

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