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Nota: ★★½☆

Anotação em 2010: Um filme gostosinho, suavemente encantador – como deve ser encantador o interiorzão de Portugal, como certamente deve ser a pequena aldeia em que ele foi rodado, uma pequena aldeiazinha mínima, nas montanhas, junto de um lago belíssimo cercado por florestas densas.

A aldeia onde o filme foi feito é Dornes; na história, chama-se Águas Altas. Águas Altas é assim uma espécie de Innisfree, que John Ford retratou no maravilhoso Depois do Vendaval/The Quiet Man, de 1952 – e Dornes então é como Cong, a vilazinha do interior da Irlanda onde o mestre Ford rodou sua saga sobre a vida de pessoas simples longe das insensatas metrópoles.

Águas Altas é um lugarejo – como dirá, em bom português, o protagonista do filme, o engenheiro Pedro (João Tempera), no que será repetido em seguida por um engravatado funcionário do governo – “perdido no cu do mundo”. Tem menos de 50 habitantes. Menos gente do que no prédio em que moro, e que não é um prédio grande; menos gente que há sempre dentro da padaria onde vou quase todos os dias.

O maior sonho dos habitantes de Águas Altas é que seja construída uma estrada para ligar a aldeia ao mundo. Sim, existe uma estradinha por onde se chega até lá, mas é uma estradinha das mais vagabundas, de terra, num traçado irregular, ruim. O jovem engenheiro Pedro é funcionário do governo, chefia um pequeno escritório numa das casas da aldeia – um escritório que, além dele, só tem outra pessoa, Fernando (André Nunes). Pedro, que deixou Lisboa e a namorada Ana (Isabel Abreu, na foto acima) para se instalar ali e trabalhar no projeto da nova estrada, é uma figura respeitada e querida por todos – é a personificação da esperança do povo de Águas Altas de se ligar ao mundo.

         Um site para enaltecer o vilarejo – e aí começam os problemas

Como arma de propaganda, de lobby para convencer o governo português a de fato investir na construção da estrada, Pedro criou o site www.aguasaltas.com, em que enaltece a beleza do lugar e a exibe em fotos e filmetes.

É aí que começam os problemas na trama criada por Suzane Nagle, a autora do argumento e do roteiro.

Logo que começa a ação, surgem duas notícias muito ruins para Águas Altas. Primeiro, anuncia-se que o governo desistiu do projeto de construir a estrada até lá. Logo em seguida, Pedro recebe uma carta da Drinan, uma multinacional com sede em Madri, proprietária da marca Águas Altas, o nome de uma água mineral que a empresa está relançando. A multinacional exige que o site seja retirado do ar – ou então cobrará na Justiça uma multa de 500 mil euros. 

Há uma divisão na cúpula da multinacional Drinan. Uma das diretoras, se não me engano Rita (Rosa Mariscal), quer o confronto direto – foi a autora da idéia de mandar a carta ameaçadora para os administradores do site. Outra diretora, Elena (Maria Adánez, na foto abaixo), prefere a negociação com os habitantes da pequena aldeia, e empreende de carro a viagem de Madri até lá, onde ficará conhecendo Victor (Marco Delgado), o maior amigo do engenheiro Pedro, e o próprio Pedro.

Há uma divisão, também, entre a população de Águas Altas. Pedro acha que devem fechar o site, pois, evidentemente, não haveria como pagar a absurda multa na Justiça – e vários moradores concordam com ele. Mas outros querem enfrentar a multinacional – onde já se viu, receber ordens de estrangeiros? Um velhinho diz: “Os espanhóis nos invadiram em 1580, vocês não se lembram?” A turma do confronto tem argumentos assim, de patriotada, que se juntam ao ódio às grandes empresas, à globalização.

         E o vilarejo vira notícia nacional, internacional

Naturalmente, a história vai parar na imprensa, primeiro a regional, depois na TV nacional, exatamente no momento em que Ana, a namorada do engenheiro Pedro, está entrevistando o primeiro-ministro português. E logo vira notícia internacional – a luta da pequenina aldeia contra a poderosa multinacional, a aldeia de Asterix e Obelix contra Roma, Davi contra Golias.

No meio dessa trama gostosa, vamos conhecendo diversos dos 40 e tantos habitantes de Águas Altas – o padre, o dono do café onde fica o único computador aberto ao distinto público, o vagabundo indeciso, o casal de velhos que se divide na hora de votar pelo fechamento ou pela manutenção do site e parte daí para o divórcio…

Uma delícia.

É uma pena, mas há pequenas falhas no roteiro, pequenos buracos, pequenas incongruências, que não permitem que o filme seja excelente. Não há muita lógica na presença do engenheiro Pedro ali, como funcionário do governo, se o governo ainda não havia se decidido a construir ou não a estrada; e há menos lógica ainda no fato de Pedro continuar lá mesmo depois que se toma a decisão, no início da ação, de não construir a estrada. O próprio personagem de Pedro não me pareceu muito bem construído, é cheio de contradições, assim como o de Elena, a diretora da multinacional – não ficam claras suas intenções.

São pequenos furinhos, que, se não tiram todo o encanto do filme, acabam comprometendo um pouco o resultado final. Alguns atores são bastante fracos, com atuações bem pouco convincentes.

         Um diretor de quem já vi um filme ótimo e outro péssimo

O diretor Luís Galvão Teles me parece bem irregular. Seu Mulheres – Amizades Simples, Vidas Complicadas/Elles, de 1997, é um filme muito bom, muito interessante, um belo retrato de cinco mulheres na faixa dos 40 e tantos anos. Já Tudo Isto é Fado, de 2004, uma co-produção Portugal-Brasil, também com roteiro de Suzanne Nagle, me pareceu ruim demais, com atuações péssimas de todos os atores.

Não consegui, em uma rápida pesquisa na internet, saber sequer a nacionalidade de Suzanne Nagle. Os créditos do filme indicam que os diálogos foram escritos por ela, mas traduzidos para o português por Gonçalo Galvão Teles.

O próprio título do filme é um tanto estranho. Dot, afinal de contas, significa ponto. Não me parece ter sentido a expressão ponto ponto com. Mas a gente sabe que a lógica lusitana tem sua própria lógica, um tanto diferente da nossa.

E o fato é que este filme merece ser visto. Deve ser visto. Vale muito a pena, apesar dos defeitinhos que enxerguei nele. Tem o frescor de água pura de nascente; é de fato encantador. E Luís Galvão Teles, que escreveu num texto de apresentação do filme que quis fazer uma “comédia humanista”, pode se orgulhar: conseguiu exatamente o que pretendia.

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De Luís Galvão Teles, Portugal-Espanha-Irlanda, 2006

Com João Tempera (Pedro), María Adánez (Elena), Marco Delgado (Victor), Isabel Abreu (Ana), Margarida Carpinteiro (Luisa), Lia Gama (Clara), José Eduardo (Mário), Adriano Luz (Padre Felicidade)

Argumento e roteiro Suzanne Nagle

Diálogos em português Gonçalo Galvão Teles

Fotografia Miguel Sales Lopes

Música Guy Farley

Produção Fado Filmes, ISP Facto Films, Alta Producción, Zanzibar Films e Videofilms.

Cor, 103 min

**1/2

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