Caro Sr. Horten / O’Horten

Nota: ★★½☆

Anotação em 2010: Este filme norueguês de 2007 é daqueles que chamo de pequenas obras, em tom menor. Música de câmara, para poucos instrumentos – não uma sinfonia. Pequeno retrato – não um grande afresco. Narra, com economia de palavras e sem qualquer fogo de artifício, alguns poucos dias na vida de um homem de 67 anos que está se aposentando.

Conta-se que nos países escandinavos, nos poucos dias de verão, quando a temperatura chega a amenos 15, 16 graus, as pessoas vão para as ruas de short e camiseta, para aproveitar o calor. O filme se passa no inverno; a neve cobre tudo. Quando a ação começa, Odd Horten (Baard Owe) está preparando uma pequena marmita e uma garrafa térmica de café, em seu apartamento simples. Em seguida vamos vê-lo se instalando na cabine de um moderno trem; acende cuidadosamente o grande cachimbo, e faz o trem andar. O diretor Bent Hammer faz então belos planos gerais, a câmara no alto de uma altíssima grua, ou então em um helicóptero: o trem dirigido por Odd Horten é uma pequena cobrinha no meio da paisagem inteiramente coberta pela neve.

É um homem extremamente solitário, o sr. Horten. Veremos que não se casou, não teve filhos, não tem irmãos; de vez em quando visita a mãe, Vera (Kari Lolland), que sorri suavemente para ele e não diz uma palavra sequer – não se explicita se ela sofre de Alzheimer, por que ela está absolutamente alheia ao que acontece a seu redor.

         Um homem solitário, tímido, pouco expansivo

Durante quase 40 anos, o sr. Horten foi maquinista de trem; é agora um dos mais experientes e competentes da empresa, que prepara para ele, na véspera do dia em que fará sua última viagem, antes de aposentar, uma pequena festa. Todos sabem que o sr. Horten não gosta de ser o centro das atenções: além de solitário, é tímido, recatado, pouco expansivo, introspectivo. Por isso, os colegas não se alongam muito nos elogios a ele, na festa de despedida; são breves, para não incomodá-lo muito. E em seguida passam todos a se divertir – brincam de fazer perguntas uns aos outros sobre trens, sobre a malha ferroviária da Noruega.

Nessa mesma noite, ao final da festa, quando o grupo de velhos ferroviários sai para prosseguir a noitada na casa de um deles, o sr. Horten vai fazer a primeira ação um tanto estranha, inesperada. Mais tarde terá outros comportamentos assim esquisitos, insólitos.

É uma realidade fria, gelada, essa que o diretor e roteirista Hammer nos mostra de seu país natal. Seus personagens são todos idosos e profundamente solitários. Mas o tom do filme não é de grande drama, muito menos de tragédia – o tom é suave, levissimamente bem humorado.

É como se, depois de 40 anos de vida absolutamente regrada, dentro dos trilhos, aquele homem passasse a ter um novo tipo de contato com a vida – um novo comportamento que passa por algumas pequenas, mínimas, transgressões.

Na longa e boa crítica sobre o filme, assinada por Nathan Southern, o AllMovie traz uma definição justa, corretíssima: “Esta saga sobre uma fatia de vida se diverte com a mágica do banal. Tudo é tão aparentemente sério, tão nas entrelinhas, tão minimalista, que audiências mais míopes podem sequer conseguir detectar a comédia. Mas é essa qualidade de aparência de falta de expressão que faz o filme imensamente admirável.”

Em 2005, o diretor Bent Hamer tinha feito Factotum, com Matt Dillon, uma comédia bastante soturna baseada num livro autobiográfico de Charles Bukowski, o autor de histórias e personagens depressivos, bêbados, porcos, sujos e profundamente contra todo tipo de convenção social. Ou seja: é um cineasta ligado ao anticonformismo. Talvez ele tenha querido dizer, com este filme amargo mas bem humorado, aquela velha lição da sabedoria popular: homem que anda demais na linha, o trem pega.

Caro Sr. Horten/O’Horten

De Bent Hamer, Noruega-Dinamarca-França-Alemanha, 2007

Com Baard Owe (Odd Horten), Espen Skjønberg (Trygve Sissener), Ghita Nørby (sra. Thoegersen), Kai Remlov (Steiner Sissener), Kari Lolland (Vera Horten) 

Argumento e roteiro Bent Hamer

Fotografia John Christian Rosenlund

Música John Erik Kaada

Produção Bulbul Films, Pandora Filmproduktion

Cor, 89 min

**1/2

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