Amelia

Nota: ★★★☆

Anotação em 2010: Amelia, a cinebiografia de Amelia Earhart, uma pioneira americana da aviação, uma Charles Lindbergh mulher (e feminista), é um filme muito bom. E é também mais uma prova de que a bilheteria de cinema é, assim como futebol, uma caixinha de surpresas.

Apesar de suas qualidades, e são muitas, o filme vem sendo um grande fracasso na bilheteria.

As qualidades começam na vida retratada no filme. Já anotei diversas vezes que nem sempre o fato de uma pessoa ter tido importância resulta em que o filme baseado na sua vida seja interessante. Há diversos casos de artistas importantes cujas vidas não têm drama e trama suficiente para render um bom filme.

Não é o caso de Amelia Earhart. Sua vida é riquíssima. Nascida no interior do Kansas, em 1897, foi a primeira mulher a fazer a travessia do Atlântico de avião, na segunda metade dos anos 20, e depois a primeira mulher a fazer essa viagem sozinha, entre vários outros recordes. Os livros que escreveu descrevendo suas aventuras foram grandes best-sellers. Foi membro do Partido Nacional das Mulheres e uma batalhadora pela Emenda dos Direitos Iguais; incentivou as mulheres a aprender a pilotar, foi uma das fundadoras da As Noventa e Nove, uma organização para mulheres pilotas. Ajudou a difundir a então nascente aviação comercial nos Estados Unidos e a criar as primeiras pontes-aéreas, entre Nova York e Washington e Nova York e Boston.

Teve ainda um rico e intenso casamento com um editor de livros – e ainda um caso com Gene Vidal, outro pioneiro da aviação americana e pai do grande escritor Gore Vidal.

Amelia Earhart era simplesmente – como define um personagem do filme – a mulher mais famosa dos Estados Unidos, nos anos 20 e 30.

         Uma boa trama, um bom roteiro, uma diretora de sucesso

Com base em duas biografias sobre ela, Ronald Bass e Anna Hamilton Phelan escreveram um roteiro bem feito, interessante, bem à moda de muitos filmes do cinemão comercial recente, indo e voltando no tempo. A ação começa quando, em 1937, Amelia está saindo para sua mais ambiciosa aventura, a volta ao mundo num avião que levaria apenas a ela e um navegador. E depois volta atrás, para 1928, quando Amelia conhece George Putnam, sujeito rico, com boas conexões na alta sociedade nova-iorquina, dono da editora que havia publicado o relato do próprio Charles Lindbergh, o homem mais adorado da América, assim uma espécie de cruzamento de Pelé e Roberto Carlos numa pessoa só.

Através desses seus contatos, Putnam – marqueteiro inteligente, esperto, antes que a humanidade soubesse o que é marketing – vai financiar a primeira viagem transatlântica de Amelia. Em seguida, vai publicar seu primeiro livro, e ajudá-la a atrair todas as atenções da mídia.

Para dirigir o filme, os produtores chamaram a experiente e consagrada cineasta indiana Mira Nair, autora de filmes feitos na Índia (Salaam Bombay, de 1988), na Índia e nos Estados Unidos (Nome de Família/The Namesake, de 2006), e na Europa (Feira das Vaidades/Vanity Fair, de 2004), boa no drama familiar e na superprodução.

         Nomes respeitados no elenco, produção suntuosa, boa trilha

Para o papel de Amelia, foi escolhida Hilary Swank – que tem uma fantástica semelhança física com a biografada, e é uma atriz respeitada, conhecida, dois Oscars na lareira da casa, por Meninos não Choram/Boys don’t Cry, de 1999, e Menina de Ouro/Million Dollar Baby, de 2004. O papel de George Putnan foi para o grande astro Richard Gere, e o de Gene Vidal, para o incansável inglês Ewan McGregor.

A produção é suntuosa, com fantástica reconstituição de época e fotografia impecável de cenários deslumbrantes – vários dos muitos países sobrevoados por Amelia. Na trilha sonora, o sempre ótimo Gabriel Yared, cem trilhas no currículo, um Oscar (por O Paciente Inglês) e mais 12 prêmios e 22 indicações.

Mira Nair usou trechos de cinejornais da época e os incrustrou ao longo da sua narrativa. Por diversas vezes, ela funde as imagens em preto-e-branco dos filmes documentários da época com as coloridas de sua reconstituição. Integra seu relato com a realidade de maneira suave, sutil, branda. É um filme sem fogos de artifício, simples, interessante, sério, bom.

Uma vida rica, aventureira, interessante, um bom roteiro, bom elenco, boa diretora, produção bem cuidadíssima – um belo filme.

E, no entanto, tem sido um imenso fracasso comercial. Feito com um orçamento de US$ 40 milhões, lançado nos Estados Unidos em 23 de outubro de 2009, não obteve, até agosto de 2010, nem metade disso. O site Box Office Mojo contabilizou US$ 19,642 milhões de renda nas bilheterias.

É absolutamente incompreensível – e é absurdo, quando se vê que uma porcaria horrorosa como Presságio/Knowing, um filme-catástrofe que é uma catástrofe de filme, que vi um dia antes de Amelia, custou US$ 50 milhões e rendeu, até agosto de 2010 (foi lançado nos EUA em 20 de março de 2009), US$ 183,593 milhões.

         Não dá para entender.

Amelia

De Mira Nair, EUA-Canadá, 2009

Com Hilary Swank (Amelia Earhart), Richard Gere (George Putnam), Ewan McGregor (Gene Vidal), Christopher Eccleston (Fred Noonan), Joe Anderson (Bill), Cherry Jones (Eleanor Roosevelt), Mia Wasikowska (Elinor Smith)

Roteiro Ronald Bass e Anna Hamilton Phelan

Baseado nos livros East to the Dawn: The Life of Amelia Earhart, de Susan Butler , e The Sound of Wings: The Life of Amelia Earhart, de Mary S. Lovell

Fotografia Stuart Dryburgh

Música Gabriel Yared

Produção Fox Searlight Pictures, Avalon Pictures. DVD Fox

Cor, 111 min

***

8 Comentários para “Amelia”

  1. Não entendo mesmo. Assisti duas vezes. A primeira, despretensiosamente, em um avião. Gostei muito, mas suspeitei de mim mesma. Assisti depois em casa e foi novamente um prazer. Não é daqueles que me deixa noites acordada pensando: porque, my god, me tocou tanto? as é daqueles que cumprem o check-list: bom roteiro, bons atores, boa direção. E uma história daquelas que a gente fica se perguntando se pode ter acontecido mesmo com alguém. Mas aí vem um tal Beber, cair, levantar – ops – comer, rezar e amar (que nem é tão ruim, mas estou azeda hoje) e vai fazer milhões, pode ter certeza. Enfim, beijos em vocês dois, viu?

  2. Obrigado, Luciana! Outro para você.
    Que legal saber que você também gostou do filme. Senti exatamente o que você disse – não é dos que tocam demais, mas cumpre o check-list perfeitamente.
    Sérgio

Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *