Vicky Cristina Barcelona


Nota: ★★★★

Anotação em 2009: Fiquei sem saber qual seria o lead de um comentário sobre Vicky Cristina Barcelona. Poderia ser este: Vi Vicky Cristina Barcelona hoje com um sorriso permanente de alegria, de felicidade, por estar diante de uma beleza de filme.

Poderia ser esse aí, sim. Mas poderia também ter a ver com o tempo, a passagem do tempo – the secret o’ life is enjoying the passage of time, como disse o James Taylor, depois de se curar das drogas e do acidente que por um tempo pareceu que o impediria de voltar a tocar violão.

O tempo.

Faz quase 40 anos que Woody Allen me dá prazer. É muito tempo.

Quando Javier Bardem nasceu, em 1969, Woody Allen estava dirigindo seu primeiro filme. Quando Penélope Cruz nasceu, já fazia cinco anos que ele dirigia. Eram 15 anos de atividade quando nasceu Scarlett Johansson.

Woody Allen estava com 73 anos quando dirigiu Vicky Cristina Barcelona. Tudo bem: se há uma raça longeva, é a de bons cineastas. Sidney Lumet está com 84 e na ativa, Clint Eastwood, com 78. Sem falar em Manoel de Oliveira, que passou dos cem.

Tudo bem, ele não é o único. Mas que maravilha estar com 73 anos e ter esse nível de atividade, de força, de vigor, de frescor, de poder criativo. Que absoluta maravilha o bicho estar tão lépido e fagueiro.

avicky1Há algumas novidades, algumas primeiras vezes, neste quarto filme europeu de Woody Allen, o terceiro com a beleza jovem e impressionante de Scarlett Johanson. É seu primeiro filme (pelo menos que eu me lembre) em que dois dos protagonistas são atores de língua não inglesa – Javier Bardem e Penélope Cruz. É seu primeiro filme com diversos diálogos em língua diferente do inglês. Claro, é seu primeiro filme passado na Espanha. É seu primeiro filme com Rebecca Hall, a atriz inglesa nascida em 1982 que faz o papel de Vicky. (Rebecca está ótima aqui, e promete ter uma bela carreira; depois deste, fez outro filme importante, Frost/Nixon, e em 2009 está escalada em quatro produções.)  

De resto, é o velho e bom Woody Allen de sempre. Seus personagens são sempre ligados de alguma forma a artes; nunca têm preocupação com dinheiro; são angustiados, cheios de dúvidas, questionamentos, inquietações; todos sabem ou ficam sabendo, como no poema de Vinicius, que são demais os perigos desta vida, e a cada momento pode surgir uma nova paixão para pôr em risco o relacionamento anterior de cada um.

E, de novo, ele faz a elegia da cidade em que seus personagens passeiam suas angústias e seus amores. Como fez várias vezes com Nova York, como fez com Paris e Veneza em Todos Dizem Eu Te Amo, como fez com Londres nos outros filmes da fase européia, aqui ele mostra uma Barcelona linda, esplendorosa, encantada.

Aqui, temos um triângulo amoroso, que na verdade é um quadrado, que a rigor é um pentágono, a base do qual são as duas mulheres do título – Vicky (Rebecca Hall) e Cristina (Scarlett Johansson), duas amigas de Nova York que vão passar um verão em Barcelona. A voz em off do narrador nos apresenta as duas, mostrando seus temperamentos e personalidades díspares, quase opostos. Vicky, que está fazendo um estudo sobre a arte catalã, é mais certinha, mais caretinha, mais capricórnio, pé na terra; está noiva de Doug (Chris Messina), outro sujeito certinho. Cristina, que não tem uma vocação ou carreira definidas e acaba de produzir, dirigir e estrelar um filme de 12 minutos (que detestou), é atirada, aventureira, não se nega a novas experiências; não sabe o que quer da vida, mas sabe muito bem o que não quer.    

Essas duas belas jovens americanas vão conhecer um espanhol, um tipo bonitão, fascinante, Juan Antonio (Javier Bardem, o galã que tem encantado mulheres dos 8 aos 80 anos, está aqui bem mais magro do que aparece em outros filmes recentes, como Onde os Fracos Não Têm Vez/No Country for Old Men, dos irmãos Coen, e Sombras de Goya/Goya’s Ghosts, de Milos Forman). A amiga na casa de quem as duas estão hospedadas, Judy (Patricia Clarkson), descreve para elas quem é ele – que vêem numa exposição numa galeria de arte: um pintor admirado, um tipo romântico, passional, que viveu um casamento apaixonadíssimo e conturbadíssimo com uma bela mulher, Maria Elena (Penélope Cruz). Foi um caso tão conturbado que Maria Elena tentou matá-lo, conta Judy às duas garotas – ou teria sido o contrário?

avicky2Na mesma noite, depois da exposição na galeria de arte, Vicky e Cristina estão jantando num restaurante e vêem que Juan Antonio também está lá; na verdade, Cristina não desgruda os olhos dele, no que é repreendida por Vicky. Juan Antonio levanta-se da mesa em que está, aproxima-se delas, se apresenta e faz um convite: que os três saiam dali e vão de avião com ele a Oviedo, um lugar lindíssimo, onde os três vão passear, visitar uma escultura impressionante e fazer sexo.

Vicky, naturalmente, fica indignada com a proposta. Naturalmente, Cristina aceita de bom grado.

Maria Elena, a ex-mulher (e, como a gente brincava sempre na redação, os casamentos acabam, mas ex-mulher é para sempre), vai aparecer bem mais tarde, lá pela metade do filme. Doug, o noivo de Vicky, também virá a Barcelona. Temos o pentágono amoroso formado.

Uma das coisas mais deliciosas deste filme delicioso são os diálogos entre Juan Antonio e Maria Elena na presença de Cristina. Maria Elena, é claro, fala com o ex-marido em espanhol – ao que Juan Antonio está sempre pedindo para que ela fale em inglês, por respeito a Cristina, que não fala espanhol. Maria Elena, é claro, continua a falar em espanhol, e Juan Antonio insiste em que ela fale em inglês. Mais tarde, num momento de grande aflição, será o inverso: Juan Antonio não conseguirá evitar o espanhol nas discussões acaloradas com a ex-mulher.

Aliás, há alguns momentos de paixão latina em que parece que estamos vendo um Almodóvar, em vez de um Woody Allen. Não sei se foi proposital, mas a sensação que se tem às vezes é que o nova-iorquino que já homenageou Bergman e Fellini está fazendo uma homenagem ao cineasta da colorida Espanha pós-Franco.

Outra das muitas delícias é a trilha sonora, que, como geralmente acontece nos filmes de Allen, é uma colcha de retalhos, um apanhado de canções ou músicas marcantes. Aqui, todas, naturalmente, são espanholas. E os responsáveis pela escolha das faixas foram bons no garimpo. Há duas faixas cantadas, de um conjunto chamado Giulia y Los Tellarini, uma delas chamada Barcelona, que é tocada nos créditos iniciais – gostosinha, rápida, saltitante. Há uma faixa com o veterano brilhante Paco de Lucia, mas a maior parte é formada por algo que o AllMusic definiu como neo flamenco – belas músicas com belos instrumentistas, que, não por coincidência, fazem lembrar o som um tanto cigano de Django Reihnardt, uma das paixões de Allen, tema de seu filme Poucas e Boas/Sweet and Lowdown, de 1999.

Ao contrário da maioria dos filmes de Woody Allen, esta não é uma comédia de se gargalhar. Mas se ri muito, se ri quase o tempo todo. Há sempre, sem parar, uma boa piada, um diálogo inteligente, uma fala engraçada, uma reação gozada ou inesperada de um personagem.

Depois de 96 minutos de pura fascinação, a gente sai do cinema caminhando uns dois centímetros acima do chão.

Vicky Cristina Barcelona

De Woody Allen, Espanha-EUA, 2008

Com Scarlett Johansson, Rebecca Hall, Javier Bardem, Penélope Cruz, Patricia Clarkson, Chris Messina, e a voz de Christopher Evan Welch (narrador)

Argumento e roteiro Woody Allen

Fotografia Javier Aguirresarobe

Produção Mediapro. Estreou em SP 14/11/2008

Cor, 96 min

****

19 Comentários para “Vicky Cristina Barcelona”

  1. Eu gostei desse filme, mas não achei nenhuma obra-prima, talvez pq eu não seja fã do Woody Allen, que sei que é adorado- idolatrado por muitos.
    Confesso que não ri em nenhum momento (tá vendo? acho que eu não entendo o WA, por isso não gosto dos filmes dele). Sei que a Scarlet Johansson é a mais nova queridinha dele, mas achei a Rebecca Hall muito mais bonita e me identifiquei com algumas características da personagem dela…
    Por fim, Javier Bardem vale o filme, rsrs, e Penélope Cruz não mereceu o Oscar (na minha modesta opinião, rs). Achei a personagem dela tão chata quanto a do noivo da Vicky.
    É verdade, em alguns momentos parece um filme do Almodóvar. Tb gostei da trilha sonora.

  2. Obra prima. Penélope, a limda Penelope, mostra que é a talentosa Penelope. Está sensacional. O Oscar não iria lhe escapar. Está hilária! A ligação com Almodovar, e seus espanhóis, está lá.

  3. É, Woody Allen está ganhando mais um admirador. Este é o terceiro filme dele que eu assisto no espaço de quase um mes.”Meia-noite em Paris”-“Voce vai encontar o homem dos seus Sonhos”e,agora este.Estou cumprindo
    o que prometi a mim mesmo. Também gostei muito deste filme.Confesso que sou VIDRADO,FISSURADO,AMARRADO na Penélope Cruz.
    Mas, a presença marcante neste filme para mim, foi a de Rebecca Hall.Linda atuação. Isso, não é uma comédia escrachada mas tem muitas cenas engraçadas, sim. Uma coisa que observei,é que os Espanhóis têm uma mania, tática(sería?)igual a nossa, de comércio.Na cena da quitanda ou sacolão ou hortifruti, muitos preços são de 0,99/1,99/2,99,aquela coisa de parecer mais barato.
    Achei também, assim como tu, que Woody quis fazer uma homenagem ao grande Almodóvar.
    Não tem o que falar da química entre Bardem e Penélope. E, para mim, ficou a certeza de que a Cristina, com aquela de não saber o que quer mas saber muito bem o que não quer,ficou tudo na mesma para ela. E, desde o primeiro encontro deles no restaurante, quando Juan Antonio as convida para Oviedo,tive a certeza tbm que a Vicky sería a primeira a sucumbir e não a Cristina, que já se oferecía.
    Também não achei uma obra prima mas é, com certeza, um ótimo filme.
    É opinião minha, dos tres filmes de Wood que assisti, coloco em primeiro,VOCE VAI CONHECER… depois MEIA-NOITE EM PARIS e depois, VICKY,CRISTINA,BARCELONA.

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