Sob Controle / Surveillance


Nota: ★★☆☆

Anotação em 2009: Tal pai, tal filha. Ou: filha de Lynch, Lynchinha é. Em seu segundo longa-metragem, Jennifer Lynch, a filha de David, demonstra, da maneira mais cabal possível, que é talentosa, sabe fazer cinema – e seu cinema é apavorantemente violento, sanguinolento, nauseante, e insano, insano até a medula.

O cinema reflete a sociedade, é claro – ao mesmo tempo em que exerce influência sobre ela. Em cento e tantos anos de existência do cinema, a sociedade foi ficando cada vez mais violenta – e o cinema também. Não quero discutir quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha, nem filosofar sobre a influência da violência do cinema sobre a violência da sociedade, até porque milhares de pessoas já fizeram isso de todas as maneiras possíveis. Só queria fazer esta constatação do óbvio: é tudo uma gigantesca bola de neve montanha abaixo. A sociedade vai ficando mais violenta, o cinema idem, e lá vai a bola de neve aumentando, virando avalanche.

Em Fargo, o brilhante filme em que os irmãos Coen espelham aquela sociedade ensandecida, em que, por um pouco de dinheiro, se matam pessoas com a mesma facilidade com que se matam baratas, contei sete mortes.

Fargo é de 1996 – bons tempos, aqueles.

Neste seu filme de 2008, Jennifer Lynch mostra 15 assassinatos brutais (se minha conta estiver certa; posso ter esquecido um ou dois). São 97 minutos de filme, dá uma média de um assassinato a cada seis minutos. E ela os mostra com aquela explicitude que o cinema passou a desenvolver especialmente depois dos anos 70, 80 – uma explicitude que beira o prazer, como nos filmes em que Sam Peckinpah gostava de filmar a violência em câmara lenta.

Em Fargo, matavam-se as pessoas, como se fossem baratas, por um pouco de dinheiro. Neste Sob Controle, é ainda pior: mata-se por prazer.

Jennifer Lynch dirigiu seu primeiro filme em 1993, quando tinha apenas 25 anos: em Encaixotando Helena/Boxing Helena, um cirurgião plástico aprisiona a mulher por quem está loucamente apaixonado; tudo bem, o personagem do livro O Colecionador, de John Fowles, filmado por William Wyler nos anos 60, também fazia isso; nos anos 90, era preciso fazer algo mais, e então o cirurgião amputava os membros da amada, para que ela não fugisse.

Um cinema louco, insano, ensandecido, para refletir uma sociedade idem ibidem. E vice-versa.

Não tenho a mínima idéia de por que Jennifer Lynch passou 15 anos sem filmar, entre Encaixotando Helena e este Sob Controle. Mas posso calcular que durante este tempo uns cem personagens – por baixo – deixaram de ser cruelmente assassinados nas telas de cinema.

Tá bom – tergiversei, filosofei, mas não falei quase nada do filme. O filme? Ah, é tremendamente bem feito, com um talento de babar. Todo o elenco está excelente, magnífico – talvez com a única exceção de Bill Pulman, que exagera um pouquinho mais que a nota já exagerada em que a diretora sintonizou as atuações que deseja. É um grande prazer rever Julia Ormond (de Sabrina, Paixão de Alto Risco, Mistério na Neve), essa atriz linda e extraordinária que andava sumida, e fez muito menos filmes do que deveria nos últimos anos. Até a garotinha Ryan Simpkins, que faz Stephanie, uma das duas únicas testemunhas dos acontecimentos violentos na estrada perdida no meio de uma área deserta, é estupenda.

Fotografia, montagem, direção de arte, é tudo perfeito. E que domínio da narrativa tem a filha de David Lynch. É realmente de babar – antes que o espectador um pouco mais sensível comece a vomitar de nojo, de horror.

O filme abre com uma seqüência de assassinatos brutais – esses, o espectador nem vê direito. Em seguida temos um distrito policial de cidade bem pequena, não se fala qual é, nem onde fica. O distrito está incumbido de investigar aqueles crimes, e nele estão duas testemunhas – Bobbi (Pell James), uma jovem mulher de uns 25 anos, talvez 30 anos, que chegou ali inteiramente chapada de muita droga, e a garotinha Stephanie, de uns nove anos. Chega um casal que se apresenta como Elizabeth Anderson (Julia Ormond) e Sam Hallaway (Bill Pullman), agentes do FBI. Vão começar os interrogatórios – e Jennifer Lynch mostra porções imensas de talento aqui. As duas testemunhas, e mais um policial daquele mesmo distrito, ferido no braço, Jack (Kent Harper), vão apresentar suas versões – e o que a drogada Bobbi e o policial Jack dizem absolutamente não confere com o que a diretora mostra na tela. Bobbi diz, candidamente, que saiu cedo no dia anterior para fazer uma entrevista para um emprego – e o que vemos é que Bobbi saiu com o namorado já se chapando no caminho até o “escritório” de seu fornecedor de droga, que, aliás, morre de overdose ali mesmo na frente do casal de fregueses e do espectador.

E por aí vai – e estamos só começando uma história de horror, brutalidade, nojo e muita, muita loucura. 

Sob Controle/Surveillance

De Jennifer Lynch, EUA-Alemanha, 2008

Com Bill Pullman, Julia Ormond, Kent Harper, Pell James, Ryan Simpkins, French Stewart

Roteiro Kent Harper e Jennifer Lynch

Produção Lago Film

Cor, 97 min

**

Título em Portugal: Vigilância

2 Comentários para “Sob Controle / Surveillance”

  1. Detestei este filme, achei por de mais nauseante, insano, como aliás acontece com os filmes do pai.

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