MR73 – A Última Missão / MR73


Nota: ★★★☆

Anotação em 2009: Perturbador. Um filme extremamente perturbador. É também doido, violento, exagerado, cheio de fogos de artifício e de talento; às vezes parece muito mais americano do que francês. Mas, sobretudo, este é um filme perturbador.

Se houvesse um prêmio para as aberturas, as seqüências iniciais, os leads dos filmes, este aqui seria um sério candidato. Preto-e-branco, close-up de um homem, depois close-up de uma mulher. O diálogo entre eles é o seguinte:

– “A culpa não é sua, sr. Schneider. Só estava no lugar errado.”

– “Eu nunca devia ter ido lá.

– “Como assim?”

– “Não quero falar sobre isso.”

– “Sobre o que quer falar?”

– “Acredita em Deus, doutora?”

– “Sim. Senão não estaria aqui.”

– “Deus é um filho da puta. Um dia eu vou matá-lo.”

Corte, e começam os créditos iniciais; bem alto, entra Avalanche, de Leonard Cohen, na gravação original de 1970, aqueles violinos doloridos, machucados, fortíssimos, aquela letra doída como um parto. Close-up em cores do mesmo homem do diálogo inicial – Daniel Auteil, de barba por fazer, dentro de um ônibus. Ele está bêbado feito um gambá, feito um louco, feito um homem prestes a morrer. Acende um cigarro, levanta-se, vai até o motorista, diz a ele para virar, fazer a volta, que a casa dele fica do outro lado; o motorista manda ele apagar o cigarro e se sentar, ele saca uma arma. O motorista obedece, faz uma curva de 180 graus, enquanto vê pelo retrovisor – assim como o espectador – que um passageiro do ônibus está ligando pelo celular. Cenas em preto-e-branco de um acidente de trânsito se intrometem entre as tomadas dentro do ônibus. O ônibus é cercado por diversas viaturas policiais, parece um filme americano, parece aquelas cenas todas que já vimos de Swat e FBI, os policiais furam os pneus do ônibus, ordenam que o seqüestrador desça e se entregue em 30 segundos. O homem bêbado como um gambá deixa a arma no ônibus, desce tentando dizer que é um policial, é dominado pelos 200 policiais. Terminam os créditos iniciais – ufa, cacildabecker, temos menos de cinco minutos de filme.

amr75A partir desse começo ofegante, exaustivo, tour-de-force, chocante, brilhante, o diretor Olivier Marchal vai começar a espalhar peças de um quebra-cabeças que o espectador, durante um bom tempo, vai pensar que não serão reunidas – tantas são elas, e tão distantes umas das outras. Eu, pelo menos, com uns 15, 20 minutos de filme, comentei com Mary: será que ele vai conseguir juntar todas essas pontas?

Ele consegue. Ao fim de tensos, loucos, malucos, embrulhados, embaralhados 125 minutos de filme, esse Olivier Marchal consegue juntar todas as peças. É um chute no estômago do espectador, é doido, é doído, e é extremamente contraditória a sua conclusão – mas ele consegue.

As peças do quebra-cabeças vão sendo apresentadas sem qualquer tentativa de facilitar a vida do espectador. A narrativa vai colocando as peças diante dele, e ele que se vire para compreender o que está acontecendo.

Vamos lá. Louis Schneider, o policial interpretado por Daniel Auteil (o cara trabalha feito um louco, faz mais de três filmes por ano, mas esta aqui é uma das melhores interpretações dele, entre tantas ótimas que já teve), é muito bom de serviço. Depois que, bêbado feito um gambá, seqüestra um ônibus, é afastado do serviço ativo de detetive de homicídios. No entanto, ali, em Marselha, está agindo um assassino em série…

Mas péra lá: serial killer não é coisa de filme americano? Quantos filmes franceses sobre serial killer a gente já viu? (Na verdade, veremos, neste filme francês até a gema, cenas de grande violência, nas quais os americanos se especializaram, como se eles, no Império, na sociedade mais avançada que existe, se orgulhassem de ter e de mostrar a maior violência do mundo.)

… está agindo um assassino em série, e Louis Schneider, embora tenha sido afastado do serviço ativo, vai participar das investigações, contra a vontade de todos. Sabemos que ele teve uma experiência traumática, e sabemos que a mulher dele está em vida vegetativa, e a filhinha morreu – mas vamos demorar a saber por que ele se sente culpado pelo acidente com elas. Sabemos também que uma capitã da policia, Marie (Catherine Marchal), faz todo o possível para protegê-lo, mas de início não sabemos bem por quê.

amr75-aParalelamente, temos um outro serial killer, que foi preso há uns 25 anos, e foi condenado à prisão perpétua (a França aboliu a pena de morte faz décadas), mas agora está para ser solto. E temos também uma jovem mulher de uns 30 anos, Justine (Olivia Bonamy, uma atriz fascinante, fantástica, que eu não conhecia; na foto, Justine e o policial Louis Schneider), que teme que o serial killer seja solto – ele matou da maneira mais cruel possível seus pais, e ela, criança, foi testemunha do crime horroroso, hediondo.

Temos também que há corrupção na polícia. Schneider tem ódio profundo do colega Kovalski (Francis Renaud), não se diz bem por que, mas entendemos que provavelmente é porque Kovalski é corrupto. A corrupção é mostrada logo, com uns 20 minutos de filme. Ao final do filme, saberemos que aquela corrupçãozinha que aparece no começo é fichinha, café pequeno, coisa boba, diante do imenso quadro de corrupção total, geral, imensa da polícia.

O diretor Olivier Marchal sabe do que está falando: ele foi policial. Estudou arte dramática quando ainda era policial, e começou a carreira em papéis secundários e escrevendo roteiros para séries policiais na TV.

Não é um sujeito feliz, Olivier Marchal. Talvez devesse fazer análise, cinco vezes por semana. Ou talvez não – se fizesse análise, provavelmente não teria feito este filme, em que vomita sua perplexidade e sua indignação diante do mundo que criamos.

Bem no final do filme que ele abriu dizendo que Deus é um filho da puta, e durante o qual ele faz tudo para demonstrar que a humanidade é uma invenção que deu errado, ele esparge sangue sobre um crucifixo. Mas, paradoxalmente, ao mesmo tempo, em ação paralela, ele saúda o nascimento de mais um ser humano neste vale de lágrimas.

Coisa de louco. Chose de lóki.

Um belo filme. Doido, doído. E perturbador, extremamente perturbador.

MR73 – A Última Missão/MR73

De Olivier Marchal, França, 2008

Com Daniel Auteil, Olivia Bonamy, Catherine Marchal, Francis Renaud, Gérald Laroche, Guy Lecluyse

Argumento e roteiro Olivier Marchal

Produção LGM, Gaumont, Medusa, Studio Canal

Cor, 125 min.

***

5 Comentários para “MR73 – A Última Missão / MR73”

  1. to atrás desse filme, uma vez soh vi a introdução quando ele diz que deus é um filho da puta, só por essa parte ja achei o filme genial!

  2. Já quero assistir. E digo mais, depois de tantos sofrimentos neste planetinha quem aliás não desejaria matar ” deus ” se ele aparecesse??? Garanto que a grande maioria. manipula todos e ainda temos que ama-lo? Como assim? Vide eterna os cambau ele quer nossa vida pra ser mais eterno do que já é!!!!

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