Enquanto Houver Esperança / La Maison de Nina


Nota: ★★☆☆

Anotação em 2009: Um filme bem feito: boas atuações, ótima fotografia, ótimos figurinos, direção de arte (a reconstituição de época é brilhante), tudo corretíssimo. Menos que um filme, no entanto, isto aqui é um panfleto. Ou, mais exatamente, e pior ainda, um peça didática. É tudo tão feito em nome de uma causa que fica maçante, chato.

 A causa é justa. A lição que este filme didático quer ensinar é: não podemos nos esquecer do Holocausto. Tá certo, não podemos mesmo. Mas, de tão didático, fica chato.

 Logo nos créditos iniciais, o filme se entrega: “Avec le soutien de La Fondation pour la Mémoire de la Shoah” – com o apoio da Fundação pela Memória do Shoah, a palavra usada pelos judeus para o Holocausto.

 É a história de uma das casas que acolheram crianças judias que se perderam dos pais durante a Segunda Guerra. O filme não especifica o ano da ação, mas é finalzinho da guerra, final de 1944 ou já 1945; os americanos já estão na França, os russos estão entrando na Alemanha, quase chegando a Berlim. Essas casas existiram mesmo, e eram chamadas de “casas da esperança”. A focalizada na história fica no interior da França, numa área rural (o filme não identifica o local exato), e é dirigida por Nina, uma mulher perfeita – abnegada, séria, honestíssima, justa e sábia como Salomão.

anina2Nina é interpretada por Agnès Jaoui, essa esplêndida atriz, diretora, roteirista e até cantora; aqui, ela usou apenas o talento de atriz – e que talento. Argumento, roteiro e direção são de Richard Dembo, um cineasta parisiense nascido em 1948 que foi assistente de André Téchiné e George Stevens. Fez apenas três filmes na vida. O primeiro deles, de 1983, com Michel Piccoli, La Diagonale du Fou, que nos Estados Unidos teve o título de Dangerous Moves, ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. O segundo veio dez anos depois, em 1993 – O Instinto dos Anjos/L’Instinct de l’Ange, com Lambert Wilson e Jean-Louis Trintignant. Este aqui foi seu terceiro e último; foi lançado em 2005, depois da morte do diretor, ocorrida em 2004, durante a pós-produção. 

 Não vi os dois outros filmes de Richard Dembo, mas neste aqui sua mão estava pesada, bem pesada. Tudo é esquemático, certinho demais, didático.

 Para cuidar daquelas dezenas de crianças abandonadas – a imensa maioria órfãs de pais assassinados nos campos de concentração nazistas –, Nina, a salomônica Madre Teresa de Calcutá, conta com a ajuda de uns cinco ou seis outros seres abnegados, sérios, honestíssimos, justos e sábios. Alguns são religiosos, outros são ateus, uma é comunista desde criancinha. No meio de tanta tristeza, tanto sofrimento, volta e meia eles têm momentos de hesitação, de depressão – mas logo voltarão a ser firmes como rochas. Haverá sempre alguém para consolar o companheiro que fraquejou, com boas frases de estímulo, de ânimo.

 Os dramas de cada família vão sendo expostos ao longo da narrativa, como se fossem capítulos de um livro didático.

aninaCom uns dez, 15 minutos de filme, o oficial americano mais graduado do local chama Nina e mostra para ela filmes feitos nos campos de concentração que foram sendo tomados aos nazistas durante o avanço do exército soviético pela Polônia e a própria Alemanha – Auschwitz, Birkenau, Treblinka. O oficial diz a Nina que o comando das forças armadas não quer que os filmes sejam mostrados a todos os soldados, pois há medo de que, com a exibição de tanta barbárie, eles possam querer se vingar matando os prisioneiros alemães.

 É o momento em que Nina compreende que a imensa maioria dos pais das crianças de que ela cuida não voltarão jamais. Numa seqüência que vem logo depois, ela mostra as notícias dos jornais sobre os campos de concentração às crianças. Há diversas tomadas seguidas de rostos de grupos de três crianças – didático, didático a não mais poder.

Mais tarde chegarão de trem diversas outras pessoas libertadas dos campos, inclusive um grande grupo de crianças que irão superlotar a casa de Nina. A câmara vai em travelling passando pelas diversas janelas do longo trem. Em cada janela há três pessoas – gente magra, esquelética, com o sofrimento horrível estampado no rosto. A realidade é dura, duríssima, e tem que ser mostrada, sim, permanentemente, para que a humanidade não esqueça – mas a seqüência é didática, didática a não mais poder.

Tudo tão didático que fica chato. E perde a força, o impacto do que se quer mostrar.

         E as famílias árabes, palestinas, drusas?

Encontrei a seguinte frase numa crítica – bem elogiosa – do filme no site do Australian Jewish News:

“Como muitas outras histórias do Holocausto, é necessário considerar se a História de fato se repete. A memória recente é tristemente cheia de exemplos de homens e mulheres que são separados de seus filhos, muitas vezes para nunca mais vê-los, deixando esses jovens lutando para encontrar um caminho na vida.”

Verdade, verdade. O Estado de Israel, por exemplo, é o responsável por separar centenas, milhares de famílias de palestinos, de libaneses, de drusos – conforme bem mostra o filme Sob o Céu do Líbano/Le Cerf-Volant, que por coincidência vi poucos dias antes de ver este aqui.

  Que também se façam muitos filmes mostrando as barbáries cometidas pelo Estado de Israel. São crimes que a humanidade também não pode esquecer. De preferência, filmes, como Sob o Céu do Líbano, Lemon Tree, e não apenas panfletos como este aqui.

Enquanto Houver Esperança/La Maison de Nina

De Richard Dembo, França, 2005

Com Agnès Jaoui, Sarah Adler, Katia Lewkowicz, Gaspard Ulliel

Argumento e roteiro Richard Dembo

Música Teddy Lasry

Produção ADR, TF1 Films Production

Cor, 112 min

**

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