Do Outro Lado / Auf der Anderen Seite


Nota: ★★★★

Anotação em 2009: Com este filme, o cineasta alemão de origem turca Fatih Akin, nascido em Hamburgo em 1973, prova que é um grande talento. É um ótimo filme, maduro, sério, denso, e com um roteiro brilhante.

O roteiro é o maior dos muitos méritos deste Do Outro Lado. Ele constrói uma narrativa que não é linear – ao contrário, é circular, quase em espiral – e ao mesmo tempo é simples, fácil, tranqüila de se acompanhar. É inventiva, criativa, sem ser pedante, chata, pretensiosa. Já escrevi isto aqui muitas vezes, mas insisto: juntar essas duas coisas, criatividade e simplicidade, é difícil, é raro, é grande. Com menos de 35 anos, Fatih Akin conseguiu a proeza.

São seis personagens principais, três duplas de pais e filhos, em dois países, Alemanha e Turquia, e que vivem várias histórias entrelaçadas. O filme trata de diferenças culturais, de choque de civilizações, mas, sobretudo, das relações pais e filhos.

Uma das formas de ver Do Outro Lado é que ele é a história de não-encontros. O filme abre com Nejat (Baki Davrak), um jovem que na primeira seqüência do filme viaja de carro pela Turquia; a seqüência será mostrada de novo bem perto do fim da narrativa. Veremos depois que ele é um professor de alemão na Alemanha.

O segundo personagem a ser apresentado ao espectador é o pai de Nejat, Ali (Tuncel Kurtiz), um turco que emigrou para a Alemanha e agora está viúvo e aposentado. Bem no início da ação ele conhecerá Yeter (Nursel Köse), outra imigrante turca, que vive na Alemanha como prostituta. Ali propõe a Yeter um acordo: ela deixa a vida que leva e vai morar com ele, em troca do pagamento da mesma quantia que ela consegue ganhar mensalmente. Ela aceita a proposta.

Yeter tem uma filha que não vê faz muito tempo, Ayten (Nurgül Yesilçay), que ficou na Turquia e crê na mentira que a mãe lhe conta, que trabalha numa fábrica de sapatos.

Uma tragédia levará o jovem Nejat a viajar da Alemanha em que vive para a Turquia de seus pais em busca de Ayten, a quem ele pretende ajudar, pagando seus estudos.

A jovem Ayten milita num grupo extremista que contesta o governo turco; com a prisão de vários amigos, ela deixará a Turquia e irá para a Alemanha tentar reencontrar a mãe. Em Hamburgo, o destino faz Ayten conhecer Lotte (Patrycia Ziolkowska), uma jovem estudante mais ou menos da sua idade; as duas se apaixonam perdidamente. O caso não tem a aprovação da mãe de Lotte, Susanne (a musa Hanna Schygulla, que eu não via desde Voltar a Morrer/Dead Again, de 1991; é preciso agradecer ao jovem Fatih Akin por trazê-la de volta).     

A narrativa vai circular em torno dessas seis pessoas, dos dois lados das civilizações que coexistem na Europa, a ocidental, cristã, e a oriental, muçulmana, indo e vindo da Alemanha para a Turquia, da Turquia para a Alemanha.

Tarde demais, Susanne tentará entender as motivações, as vontades de sua filha Lotte. Yeter e sua filha Ayten não terão essa chance. Esperando que ainda haja tempo e oportunidade, que não seja muito tarde, Nejat tentará se comunicar com o pai Ali.

Como acontece com a seqüência inicial, que volta a aparecer bem no final do filme, uma outra seqüência aparece em dois momentos diferentes do filme – numa sala de aula numa universidade, Nejat fala a seus alunos sobre Goethe e revolução, enquanto Ayten, sem teto no país estrangeiro, dorme no fundo da sala.

Bem no meio do filme, há uma belíssima tomada em que Ayten e Lotte passam de carro perto de um trem em que estão Nejat e Yeter. É a única tomada em que se encontram (embora não se encontrem) a filha que procura a mãe e o jovem professor que buscará ajudar a filha da amante do pai.

Nisso, nessa ênfase nas peripécias do destino, os encontros e desencontros, os encontros e os não-encontros, o filme de Fatih Akin segue uma ilustre linhagem de grandes filmes, de grandes diretores. Jacques Demy usou e abusou disso em Lola, e também em Os Guarda-Chuvas do Amor/Les Parapluies de Cherbourg. O Lelouch dos anos 60  e 70 escancarou esse jogo em diversos filmes, em especial em Toda uma Vida/Toute une Vie, Se Tivesse que Refazer tudo/Si c’était a Refaire e Retratos da Vida/Les Uns et les Autres. E Kieslowski construiu seu canto do cisne, A Fraternidade é Vermelha/Trois Couleurs: Rouge todo em cima disso.

Fatih Akin impressionou os críticos com Contra a Parede/Gegen die Wand, de 2004. Mary e eu tentamos vê-lo em 2005, mas não agüentamos, por achar que era depressivo demais. Em 2005 o diretor fez Cruzando a Ponte: o Som de Istambul, um belo documentário sobre a música turca. A música turca exerce um importante papel neste Do Outro Lado – e a trilha sonora é extraordinária.

Desta vez, tenho que tirar o chapéu, e aplaudir. O cara é bom mesmo. 

Do Outro Lado/Auf der Anderen Seite

De Fatih Akin, Alemanha-Turquia-Itália, 2007

Com Baki Davrak (Nejat), Nurgül Yesilçay (Ayten), Tuncel Kurtiz (Ali), Patrycia Ziolkowska (Lotte), Hanna Schygulla (Susanne), Nursel Köse (Yeter)

Roteiro Fatih Akin

Produção Anka, Dorje. Estreou em SP 4/7/2008.

Cor, 122 min.

***

5 Comentários para “Do Outro Lado / Auf der Anderen Seite”

  1. Excelente filme.Elenco muito bom.Trilha sonora maravihosa.É mais um daqueles filmes que começam pelo fim.Muito bom o roteiro.
    Interessante a forma como as vidas se cruzam.
    A fotografia tbm muito bonita.E,por falar em roteiro,não foi por acaso que Fatih Akin ganhou o prêmio em Canes.
    O filme nos leva a pensar e repensar sôbre perda,compreensão,dor e perdão.
    Aquela cena do encontro/desencontro realmente
    bonita e “angustiante”,porque deu vontade de gritar; “ei,está aí do seu lado”.
    Pode até não ter ligação com o filme mas me lembrou o Poetinha (Vinicius).
    “A vida é a arte do encontro embora haja tantos desencontros pela vida”
    Maravilhoso filme ! ! ! !

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