Um Jogo de Vida ou Morte / Sleuth


Nota: ★★★½

Anotação em 2008: Este Um Jogo de Vida ou Morte/Sleuth, de 2007, a refilmagem de Jogo Mortal/Sleuth, de 1972, abre espaço para uma infinidade de jogos comparativos e jogos com números. O filme reúne dois atores ingleses de gerações diferentes, Michael Caine, aos 74 anos, e Jude Law, aos 35 anos. Por uma fantástica coincidência, ou não, os dois já haviam interpretado o mesmo personagem, Alfie, o sedutor – Michael Caine em 1966, aos 33 anos, Jude Law em 2004, quando estava com 32.

Milo, o personagem que Jude Law faz neste filme aqui, aos 35 anos de idade, foi interpretado na primeira versão para o cinema exatamente por Michael Caine, aos 39 anos – em 1972, o ano em que Jude Law nasceu.

Sleuth, tanto o original quanto a refilmagem, é sobre jogo de poder. Idade e posição social são os elementos básicos nesse jogo: Andrew, o mais velho, tem muito, mas muito dinheiro; Milo é pobre. Porém, é jovem, e por isso come Maggie, a mulher de Andrew.

Maggie é o objeto da disputa entre os dois; é a Helena de Tróia, o motivo da guerra. Ela é citada diversas vezes, dezenas e dezenas de vezes, mas nunca aparece na tela. A peça de teatro na qual os dois filmes se baseiam, escrita por Anthony Shaffer, foi feita para dois atores, apenas, o velho rico e o jovem pobre. Foi feita para ser um tour-de-force de só dois atores – perfeito, portanto, para o teatro e o cinema ingleses, esses celeiros de grandes atores.  

Um perfeito retrato, também, da sociedade inglesa, essa coisa absolutamente democrática, e ao mesmo tempo tão absolutamente classista, em que o status social se define no exato momento em que a pessoa abre a boca e fala uma frase qualquer – a pronúncia já indica de forma clara e segura a classe social, a casta do indivíduo.

Não é à toa que logo nos primeiros diálogos entre Andrew e Milo o rico já aponta para o pobre sua condição de não-inglês, de descendente de estrangeiros, de profissão humilde, baixa, um cabeleireiro. “Isso o torna uma espécie de mestiço”, diz Andrew quando Milo diz o que Andrew já sabe, que seu pai é italiano e sua mãe, inglesa. O peso do conceito de mestiço é ainda maior na expressão inglesa – half-breed. Parece coisa de gado, de cachorro. Coisa sem pedigree. Vira-lata. 

 Jogo Mortal/Sleuth de 1972 é um grande, extraordinário filme. Foi o último dirigido por Joseph L. Mankiewicz, um diretor e roteirista refinado, inteligente, especial, um dos maiores. Grande diretor de atores, ele contou com Michael Caine no papel de Milo e, no papel de Andrew, nada menos que Laurence Olivier, um dos maiores atores de teatro e cinema do século XX. O roteiro era do próprio autor da peça, Anthony Shaffer.

Por que, então, refilmar uma história que já tinha sido contada em um filme perfeito?

Em geral acho refilmagens desnecessárias. Mas há refilmagens e refilmagens. Esta aqui já valeria a pena só por podermos ver Michael Caine, que fez Milo em 1972, fazer agora Andrew, o papel que foi de Sir Laurence Olivier. Mas não é só; tem muito mais. Ver Jude Law, aos 35 anos, encarar de frente a frente, de igual para igual, o monstro Michael Caine no esplendor dos seus 74 anos é uma maravilha.

Jude Law é um dos produtores do filme. Ele foi um dos que tiveram a idéia de refilmar a peça, e de chamar para fazer o roteiro um outro reconhecido e aclamado dramaturgo inglês, Harold Pinter (1930-2008) – que, nos anos 60, assim como Michael Caine, trouxe sangue e talentos novos ao teatro e ao cinema ingleses. Pinter manteve-se fiel à história original, mas mudou muitos diálogos, atualizou-os, botou ainda mais crus os componentes sexuais do embate entre os dois personagens, o marido rico e traído e o amante pobre de Maggie. 

E, numa somatória de talentos que parece não ter fim, o diretor da nova versão é Kenneth Branagh, ator excepcional, de formação shakespereana como Laurence Olivier, diretor excepcional tanto de clássicos de Shakespeare (Henrique V, de 1989, Muito Barulho por Nada, de 1993, Hamlet, de 1996), quanto de thrillers (Voltar a Morrer/Dead Again, de 1991, Frankenstein, de 1994).

Talento sobre talento: Branagh trouxe para a refilmagem de Sleuth seu costumeiro colaborador Patrick Doyle, um compositor extraordinário. A trilha sonora do filme é uma das mais impressionantes dos últimos muitos anos.

Para contar a mesma história 35 anos depois, o roteirista Pinter e o diretor Branagh cederam à tentação de modernizar muito o ambiente, e exagerar um pouco nos efeitos. A luxuosa casa de campo de Andrew, onde se passa toda a ação, agora é absolutamente hi-tech; há um sofisticadíssimo sistema de câmaras de vigilância; as luzes, as paredes, os objetos mudam a um toque de um controle remoto. A primeira seqüência, a chegada de Milo à mansão de Andrew, é filmada em plongée, a câmara bem no alto, os personagens lá embaixo; quando Milo e Andrew discutem sobre o plano de Andrew para que Milo forje um assalto e roube as jóias, a câmara está dentro do cofre, quando a gramática básica ensina que a câmara deve funcionar como os olhos do espectador, e o espectador não vê as cenas encarapitado no telhado da mansão, ou escondido dentro do cofre. Quando Andrew vai servir a primeira das muitas doses de bebida a Milo, o espectador vê Milo através de um copo colocado no primeiro plano. Truques e mais truques visuais.

 Mas eles podem usar truques. Têm o direito. Até porque essas brincadeiras formais, esses efeitos visuais, não afetam em nada a força da história que está sendo contada.

Um Jogo de Vida ou Morte/Sleuth

De Kenneth Branagh, Inglaterra, 2007

Com Michael Caine, Jude Law

Roteiro Harold Pinter

Baseado na peça de Anthony Schaffer

Música Patrick Doyle

Produção Sony Pictures Classics

Cor, 86 min.

***1/2

Título em Portugal: Autópsia de um Crime

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