sexo, mentiras e videotape / sex, lies and videotape


Nota: ★★★½

Anotação em 2008: É muito impressionante como Steven Soderbergh já começou bem – e, além disso, ainda contou com a sorte grande, incrível, de ganhar a Palma de Ouro em Cannes com seu primeiro filme, este sexo, mentiras e videotape. Isso é que é começo de carreira.

O filme é de 1989. De lá para cá, em menos de 20 anos, dirigiu 17 filmes, produziu 30 obras (entre longas e episódios para TV), escreveu roteiros, trabalhou como ator, fotógrafo e montador, teve três indicações ao Oscar, venceu uma vez (em 2001, como melhor diretor por Traffic), colecionou 22 prêmios mundo afora e teve outras 40 indicações. Fez filmes difíceis (Kafka, de 1991), fez estouros de bilheteria (a refilmagem de Onze Homens e um Segredo/Ocean’s Eleven e suas duas continuações), fez bons filmes de sucesso comercial (Erin Brockovich, Uma Mulher de Coragem, de 2000), fez um filme exatamente, integralmente como se tivesse sido produzido nos anos 1940 (O Segredo de Berlim/The Good German, de 2006), fez filme experimental chato que nem a fome (Full Frontal, de 2002), fez uma biografia de Che Guevara tão absurdamente longa que teve que ser dividida em dois filmes, ou ninguém aguentaria (Che: The Argentine e Che: Guerrilla, de 2008). Passou por todos os gêneros possíveis e imagináveis. O bicho é absolutamente incansável; o dia dele deve ter 48 horas. 

Era um rapazote de 26 anos quando escreveu e dirigiu este sexo, mentiras e videotape – mas, ao contrário da imensa maioria dos jovens estreantes, não quis inventar muito, experimentar, abusar do criativol,

Uma das poucas dessas marcas bobas de juventude que o filme tem é exatamente o título, que o autor fazia questão que fosse grafado apenas em minúsculas, sabe-se lá por quê. (Nos anos 60 um monte de neguinho gostava dessa bossa de evitar maiúsculas. Alguma influência de e.e.cummings, o poeta, talvez – sabe-se lá. Mas isso não importa.)

Fora essa bossinha no nome, só há duas ousadias formais em sexo, mentiras e videotape. Por umas quatro ou cinco vezes ele brinca com o som na hora da montagem de seqüências – o som da seqüência anterior entra na seguinte, ou antecipa-se numa seqüência um diálogo que aparecerá na próxima. É coisa pouca, bem dosada, quase imperceptível.

A outra nem chega propriamente a ser ousadia, porque em 1989 já se tinha feito de quase tudo na linguagem de cinema: é uma sacada esperta, inteligente, de adiar para o espectador só ver depois o que os personagens estão vendo nos videotapes gravados por Graham, o personagem de James Spader. Ele usa duas vezes esse recurso de narrativa – brilhantemente. 

O estreante Soderbergh evitou ousadias formais, estilísticas, maneirísticas no seu primeiro longa-metragem para ousar no conteúdo. Até hoje, quase 20 anos e tanta cena de sexo, tanta trepada, tanto Instinto Selvagem depois, o filme de estréia do cara ainda permanece inquietante, perturbador. E sem ter uma única cena de sexo propriamente explícito.  

 Ann (Andie MacDowell) é uma mulher que leva uma vida vazia, numa pequena cidade do Sul dos Estados Unidos. (Não se menciona o nome da cidade; sabe-se que é Sul por causa do calor; só nos créditos finais estará dito que o filme foi feito em Baton Rouge, na Louisiana). É casada com John (Peter Gallagher), um advogado bem sucedido, que a fez parar de trabalhar; cuida da casa, faz terapia e conta para o terapêuta que não tem mais feito sexo, mas não vê grande problema nisso. John, o marido, é um garanhão, que trepa com Cynthia (Laura San Giacomo), irmã de Ann e em tudo sua antípoda – sensual, liberta, extrovertida, passional.

A vidinha modorrenta de Ann é sacudida com a chegada à cidade de Graham, que tinha sido colega de John no colégio; Graham tem um jeitão meio hippie, meio boêmio, usa cabelo comprido, só usa roupas esportivas, não tem profissão definida. Uma tarde saem juntos, Ann e Graham, para procurar uma casa para ele alugar – enquanto John aproveita a ausência da mulher para satisfazer uma fantasia de Cynthia, que é trepar na cama da irmã. Ann e Graham conversam; embora seja um tanto tímida e recatada, Ann sente confiança em Graham, a ponto de dizer a ele que não tem feito sexo (ela jamais havia usado a expressão trepar) com o marido, e que acha que as pessoas supervalorizam a importância do sexo. Graham conta para ela que é impotente – só consegue ter ereção quando está sozinho, nunca junto de uma mulher, o que o torna, na prática, como ele mesmo diz, impotente.

Estamos neste momento com uns 20 minutos de filme, apenas. As situações estão colocadas para que comece a haver uma série de conflitos.

Soderbergh conta sua história de maneira sóbria, simples, direta. É muito impressionante como, aos 26 anos, conseguiu belíssimas atuações dos quatro atores que fazem os papéis centrais – além deles, apenas aparecem no filme outras cinco pessoas, mas sem qualquer destaque; tudo é centrado no quadrado amoroso.

Andie MacDowell, especialmente, está brilhante, perfeita, numa atuação digna de atriz com muito estudo e preparo sério em boas escolas de teatro. O que torna a direção de atores de Soderbergh ainda mais soberba, porque ela não tinha nada de experiência dramática: depois de uma carreira como modelo, estava começando na profissão; tinha participado antes apenas de dois filmes e alguns episódios de séries de TV. Por sua interpretação de Ann, recebeu três indicações para prêmios, inclusive o Globo de Ouro.   

Um brilho de filme.

sexo, mentiras e videotape/sex, lies, and videotape

De Steven Soderbergh, EUA, 1989.

Com Andie MacDowell, James Spader, Peter Gallagher, Laura San Giacomo

Argumento e roteiro Steve Soderbergh

Cor, 100 min

***1/2