Angel


Nota: ★☆☆☆

Anotação em 2008: Para qualquer espectador que já tenha visto um filme de François Ozon – o esplêndido 8 Mulheres, o pesadíssimo, duríssimo Sob a Areia -, ver este Angel, o primeiro do diretor em língua inglesa, é um choque de mil volts. Mas o que houve?, eu me perguntava. O Ozon ficou doido?

Como ele pode ter perdido a mão tão completamente de um dia para o outro? Será que é por estar filmando em uma outra língua? Mas isso não é possível…

É tudo, absolutamente tudo, exageradamente esquisito, estranho, tudo falso, os diálogos, as atuações; todos os atores estão uma oitava acima do tom. Olha, é tudo tão estranhamente ruim, ou pessimamente estranho, que não é fácil descrever, mas vou tentar.

A ação se passa numa cidadezinha do interior da Inglaterra, início do século XX; Angel, a personagem central, nome do filme, é interpretada por Romola Garai, que esteve recentemente em Desejo e Reparação/Atonement – ela é a segunda atriz a fazer o personagem de Briony, quando ela está com 17, 18 anos. E ela está uma oitava acima, está over, exagerada, fala alto, frases sem propósito, como se fossem de literatura barata, sua expressão não é nada natural – como é possível?

Bem, vou tentar descrever o que se passa na tela.

Então temos que Angel é uma adolescente pobre – não miserável, mas pobre; o pai morto deixou para a mãe uma vendinha, uma quitanda, na pequena cidade, e as duas vivem no andar em cima da loja. A tia de Angel trabalha como empregada na mansão mais imponente do lugar, chamada Paradise; tá bom, todos sabemos que as grandes propriedades inglesas têm nome, mas Paradise…

Angel sonha em morar em Paradise. Sonha em ser uma grande escritora, famosíssima, respeitadíssima, riquíssima. Escreve sem parar em caderninhos que envia para uma editora em Londres – escreve fantásticas histórias de grandes amores, com um texto da mais deslavada subliteratura. Não lê ninguém para se inspirar; tira tudo da própria imaginação.

Com uns 15 minutos de filme, chega uma carta de Londres: um editor quer vê-la. Ela pega um trem, vai a Londres e se encontra com o editor, interpretado por um Sam Neill que, estranhamente, também está atuando de forma um tanto estranha, afetada, falsa, para um ator tão experiente. O editor diz que gostou muito do livro que Angel escreveu. Como pode ter gostado daquele amontoado de asneiras? Mas tudo bem, vamos em frente. Ele sugere a Angel que faça uma ou outra alteração no texto. Com ar de um Picasso que foi contestado, Angel empina o nariz, afirma que não mexe em uma vírgula do que escreveu, e sai da sala, vai para a estação de trem – e o editor vai atrás dela! E diz que publicará o livro tal como ele está.

Com uns 30 minutos de filme, Angel é o mais extraordinário sucesso literário da história da humanidade.

Ao longo dos primeiros 30 minutos deste filme, pensei diversas vezes em parar, desligar o DVD, esquecer aquilo rapidinho. Teria certamente feito isso se o diretor fosse desconhecido; como era Ozon, não consegui desligar.

Até que de repente, por aí, lá com 30 minutos de filme já vistos, caiu a ficha: meu Deus do céu e também da terra, Ozon está fazendo um exercício de estilo! Ele está filmando no tom, no estilo, no jeito, no compasso de um livrinho de literatura ruim para moças, como se fazia muito no século XIX, como se fazia muito no século XX, como se faz até hoje, e as bancas de revista estão cheias de historinhas nesse tom, as Sabrinas da vida. M. Delly se chamava a autora que as jovens da geração da minha mãe adoravam. Ozon está filmando no estilo em que escrevem M.Delly e as centenas de outras histórias baratas de subliteratura para moças!

Esse mistério desfeito, fomos em frente. E o filme segue todo nesse tom, por intermináveis não sei quantos minutos. Quando finalmente acabou, Mary sentenciou mais uma vez: “Que coisa chata”. Eu concordei, é claro, mas com a ressalva: “É um puta exercício de estilo”. Ao que Mary, amarga e realisticamente, respondeu: “Não quero saber se é exercício de estilo. É chato pra cacete”.

E quem poderá dizer que ela não tem razão?

Fico pensando: mas e o pobre espectador normal, comum, que entra no cinema ou pega o DVD na locadora para ver sem ter lido que aquilo é um exercício de estilo?

Angel

De François Ozon, Inglaterra-França-Bélgica, 2007

Com Romola Garai, Michael Fassbender, Sam Neill, Charlotte Rampling

Roteiro François Ozon

Diálogos Martin Crimp

Música Philippe Rombi

Produção Fidélité. Estreou em São Paulo 7/3/2008

Cor, 119 min. (iMDB diz que há uma versão com 134 min)

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5 Comentários para “Angel”

  1. Olá galera do 50 anos de filmes, tudo bem? Adorei o blog de vocês!

    Sou colaborador do site cinedica.com.br e gostaríamos de comentar que no dia 17 de janeiro, as 22 horas, iremos agitar um bate papo em nosso site em função da cerimônia do globo de ouro e gostaríamos muito de contar com a presença de vocês e de seus usuários.
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    Gostaríamos de saber se você pode nos ajudar com a divulgação desta nossa iniciativa.
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    Você pode conhecer um pouco desta idéia pelo link: http://www.cinedica.com.br/filmes/cinefest.php
    Desde já agradecemos e aguardamos uma resposta.

    Atenciosamente, equipe CineDica.

    rp@cinedica.com.br
    raphaelcamacho@gmail.com

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