Apasionados


Nota: ★☆☆☆

Anotação em 2006: Eis aí um filme argentino recente que impressiona – e não pela extrema qualidade, como O Filho da Noiva, Kamchatka ou Lugares Comuns, mas pela pobreza de idéias e, sobretudo, pelo artificialismo, pelo tom cor-de-rosa, pela recusa determinada em mostrar qualquer traço da realidade de um país do Terceiro Mundo e permanentemente em crise econômica.

É tão fake quanto a lourice das argentinas, o país que, como dizia o Paulo Totti, tem mais louras que a Dinamarca. A Argentina que o filme mostra é tão rica quanto a Suécia, ou os cantões mais ricos da Nova Inglaterra.

A trama é rala e absolutamente previsível. Uma jovem aeromoça quer ter um filho com inseminação artificial, mas de pai conhecido, inteligente, bonito e sensível, e por isso pede à maior amiga, Lucía, que a ajude a convencer o namorado desta, Nico, a doar o sêmen. Obviamente, em vez do método artificial, Uma e Nico trepam. Obviamente, ficarão juntos e felizes no fim.

O trio de atores principais é de uma inépcia de dar inveja aos manequins que vão trabalhar em novela na Rede Globo. Aliás, se é que a Argentina tem novela, esse povo seguramente vem de lá.

Mas o que importa mais não é a trama, nem a incompetência dos atores principais. É a ambientação, é a falta de contato com a realidade. Não se pediria que todo filme argentino (ou brasileiro, ou qualquer outro) mostrasse as chagas, a crise – mas é absurdo que não haja um resquício de pé na terra durante o filme inteiro. Assim, por exemplo, Uma, embora mera aeromoça, mora com um amigo homo, igualmente aeromoço, em uma casa espetacular. Lucía, dona de uma agência de viagens, mora numa casa hollywoodiana, e tem um escritório hollywoodiano. Uma pára de trabalhar e nada se altera em sua vida; ao contrário, ela tem dinheiro para passar alguns dias em Ibiza e depois voltar. A festa de casamento que Lucía prepara é mais milionária do que as de qualquer filminho besta de Hollywood, tipo O Casamento do Meu Melhor Amigo. O hospital em que Uma vai ter o filho é suíço.

Impressionante. 

De novo, parta tentar explicar meu ponto de vista: não se pediria neo-realismo; eu sou o primeiro a dizer e repetir que os filmes que passam ao largo da dura realidade da vida real são bem-vindos. Há toda uma linhagem nobre desse tipo de filme, desde Os Guarda-Chuvas do Amor/Les Parapluies de Cherbourg e Todas as Mulheres do Mundo, e até As Duas Faces da Felicidade/Le Bonheur até Frankie & Johnny. Mas este aqui exagera demais na dose do artificialismo.

E esse artificialismo, essa coisa edulcorada de novela global salta ainda mais aos olhos exatamente porque vem da Argentina, de onde têm saído vários, diversos belos filmes que tratam da vida cotidiana das pessoas comuns com graça, leveza e delicadeza, mas sempre com o pé na terra, aqui e ali montrando que aquelas pequenas histórias estão dentro da História maior, que o país sai de uma crise e vai para outra. Eles são os maiores especialistas, hoje, em fazer filmes agradáveis sobre a vida o amor a morte de gente como a gente, ao mesmo tempo em que mostram, em pinceladas, a vida real do país.  

E no entanto este filme falso como uma nota de 3 pesos tem uma coisa boa: a música. A música é quase contínua, acompanha a ação quase o tempo todo do filme. É leve, brincalhona, engraçadinha – como se pretendia, acho que fosse o filme como um todo. 

Apasionados

De Juan José Jusid, Argentina-Espanha, 2002.

Com Pablo Echarri, Nancy Dupláa, Natalia Verbeke, Hector Alterio, Pablo Rago

Música Federico Jusid

Cor, 96 min

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