Charada / Charade


Nota: ★★★★

Anotação em 2001, com complemento em 2008: Eis aí um daqueles belos e raros filmes que ficam melhores a cada nova revisão. Tudo se encaixa, tudo é perfeito, a começar pela química entre o veterano Cary Grant e a jovem Audrey Hepburn, passando pela música de Henry Mancini – o tema principal, com letra de Johnny Mercer, virou um standard, um clássico -, pela bela fotografia nas ruas de Paris.

Mary e eu tínhamos revisto não fazia muito tempo. Mas estava passando na TV, e simplesmente é impossível parar de rever mais uma vez.

Os diálogos são daquela inteligência afiada – há um jogo de palavras ou uma imagem inteligente a cada minuto. As citações ao próprio cinema são deliciosas – Cary Grant dizendo a Audrey, que acabava de filmar My Fair Lady, que estavam “On the street where you live”, nome de uma das músicas da peça e do filme. E depois ele pulando de janela em janela, citando a si próprio em Ladrão de Casaca. E Walter Matthau, com uma baita cara séria, nunca esteve tão hilariante. Brilho puro.

O filme é tão delicioso que fico achando que essa anotaçãozinha aí acima, despretensiosa demais, feita logo depois de revê-lo mais uma vez, é muito pouco para ele. Vou atrás de informações.

“Cary Grant e Audrey Hepburn foram reunidos pela primeira vez em Charada, um mistura de mistério e suspense com influências de Hitchcock e toques de comedie noir para dar mais condimento”, diz o livro The Universal Story, “Os dois personagens centrais e a química que eles engendraram ajudaram o filme a ser um sucesso de bilheteria. A direção de Stanley Donen foi um verdadeiro casamento de estilo e conteúdo. A fotografia em Technicolor de Charles Lang Jr. reluzia, e a trilha de Henry Mancini deu um acompanhamento musical de primeira à ação.”

Tudo corretinho; o livro até usa a expressão “química”, que eu usei na minha anotação original porque isso salta aos olhos.

Eis aí a resenha – cheia de estilo, como sempre – da Pauline Kael, que está na edição brasileira do livro dela, 1001 Noites no Cinema, em tradução de Sérgio Augusto:  

“Thriller macabro, jovial – romãntico, assustador, satisfatório. “Como você faz a barba aqui?”, pergunta Audrey Hepburn, pondo o dedo na fenda do queixo de Cary Grant. (Está tentando seduzir uma lenda.) Este exemplo de kitsch de alta classe, dirigido por Stanley Donen com um roteiro certinho e inteligente de Peter Stone e Marc Behm, é tão gostoso à sua maneira quanto À Beira do Abismo. (Apesar disso, foi largamente desencanado no lançamento; os tons contraditórios de comédia e sangueira pareceram ofender a imprensa.) O cenário é Paris. Hepburn faz uma jovem viúva acossada pelos que comparecem ao funeral do marido.”

Aí ela enumera os nomes do elenco, e, no final, informa – o que é fundamental sobre um filme de Audrey Hepburn – que os vestidos são de Givenchy.

Vejo no iMDB que a canção Charade, que citei lá em cima, de Henry Mancini e Johnny Mercer, foi indicada ao Oscar de 1963 mas perdeu. Fiquei curioso para saber para qual música ela perdeu, e chequei no livro Tudo Sobre o Oscar, de Fernando Albagli (Zit Editora, Rio de Janeiro, 2003 – aliás, um livro preciosíssimo). Pois bem: Charade perdeu para Call me Irresponsible, de James Van Heusen e Sammy Cahn, do filme O Estado Interessante de Papai.

Em defesa dos critérios da vetusta Academia, talvez fosse necessário lembrar que a dupla Mancini-Mercer havia levado o Oscar de melhor canção dois anos antes, em 1961, por outro clássico, Moon River – por coincidência, cantado por Audrey Hepburn em Bonequinha de Luxo/Breakfast at Tiffany’s, de Blake Edwards.

Charada/Charade

De Stanley Donen, EUA, 1963.

Com Cary Grant, Audrey Hepburn, Walther Matthau, James Coburn, George Kennedy, Ned Glass

Roteiro Peter Stone

Baseado em história The Unspected Wife, de Peter Stone e Marc Behm

Música Henri Mancini

Fotografia Charles Lang

Produção Universal

Cor, 113 min.

13 Comentários para “Charada / Charade”

  1. Não sei se você recebe os comentários nos posts antigos, mas acabei de rever Charada no Telecine e oh! que felicidade fazer parte de um mundo que tem (teve) filmes assim. O que eu rio quando eles estão passeando e ela para pra tomar sorvete e faz perguntas a ele totalmente fora do assunto, relacionadas a Gene kelly ou o corcunda de notre dame…e termina derrubando o sorvete na roupa dele! Uma delícia de filme, deliciosos diálogos. E, claro, deliciosa síntese esta daqui.

  2. De fato a química entre o Grant e a Audrey é perfeitíssima.Quando dizes lá no começo do texto,”o veterano Grant e a jóvem Audrey”,eu li que Grant sentia-se incomodado por fazer par romântico com a Audrey sendo ela jóvem o bastante para ser sua filha e que só aceitou quando o roteiro foi mudado deixando claro que era ela quem o seduzía.
    Tu tens tôda razão,o tempo não vai conseguir envelhecer este filme.Tudo nele é lindo a fotografia,o roteiro,a trilha sonora a elegância de Grant e a beleza e simpatia da Audrey.
    Um filme que ainda tem o magnífico Walther Matthau e os não menos,J.Coburn e G.Kennedy que se foram coadjuvantes,foram de luxo.
    Em tempo,na cena quando eles estão no navio todo iluminado (era noite)ali,eu descobri quem era o bandido da história.Eu vinha juntando pedaços e ali,concluí.O que ficou confirmado no final.
    NÃO VOU FALAR É CLARO,SERÍA UM SPOILER TERRÍVEL.
    Humor,aventura,mistério,suspense,um filme maravilhoso para sempre e sempre.
    Um abraço,Sergio ! !

  3. De link em link vim cair novamente nesse post, e desta vez consegui encontrar o filme para baixar, graças aos relançamentos em Blu-ray e mesmo em DVD.

    Tenho uma birra tremenda do Stanley Dolen, por causa do desentendimento e rompimento dele com o Gene Kelly (sou #teamgenekellyforever) e porque o acho de uma antipatia sem fim: parece que está sempre mal-humorado, de mal com a vida, de cara fechada, na defensiva, e ainda por cima nunca perdeu a chance de falar mal do ex-amigo, ou seja: o oposto do maravilhoso Gene Kelly, que apesar da fama ruim quando dirigia alguma coisa, no trato social e com jornalistas é sempre muito elogiado, já li vários textos sobre ele (quem já viu vídeos de entrevistas com os dois, sabe que a diferença é gritante). Mr Kelly era um gentleman de coração terno, com o sorriso mais ofuscante que o cinema já viu, enquanto Donen parece que não sabe sorrir; não sei como podem ter sido amigos.
    Ok, vou esquecer que o filme foi dirigido por esse mala e vou assisti-lo, afinal, tem o Cary Grant (e uma Audrey Hepburn já puxando o carro das anoréxicas).

  4. Já faz um tempinho que comentei aqui que ia ver o filme, e acabei vendo logo em seguida. Achei o roteiro muito bom, cheio de reviravoltas, mas não consegui esquecer o fato de que tinha sido dirigido pelo Donen, de quem tenho tenho birra, como já disse. Como diria a impagável Lina Lamont “And I caayyn’t stan”im”!! Talvez isso tenha influenciado minha opinião, então não achei o filme tuudo isso. Dava para adivinhar pelo movimento da câmera as cenas em que era pra haver suspense, então ele acabava sendo pouco ou nulo, com algumas exceções.
    Os atores ajudam a manter o foco na história (foi nessa época que descobri que Cary Grant meio que não gostava da fruta, o que me deixou de queixo caído, porque ele foi um dos primeiros galãs da minha vida, mas okay, vida que segue). O filme é longo, e chegou uma hora em que eu queria que acabasse logo, mas talvez eu estivesse cansada. A direção é um pouco lenta, acho que isso colaborou para o cansaço. Quem sabe um dia eu o reveja sem espírito de prevenção, e goste mais (ou não).

    Pergunta que não quer calar: será que o Donen quis se enforcar num pé de cebolinha, ou editar a parte em que a personagem da Audrey menciona Gene Kelly em An American in Paris?

  5. Vixe, não lembro dessa coisa de a personagem da Audrey mencionar Gene
    Kelly…
    Gozada essa sua implicação com o Stanley Donen, Jussara. Eu adoro os filmes dele.
    Sérgio

  6. Ela fala dele quando eles estão passeando à beira do rio Sena, tomando sorvete.

    Eu comecei a implicar com Donen à medida em que fui lendo e sabendo mais da vida profissional do Gene Kelly, e fui vendo o quanto ele, Donen, é uma criatura antipática e mal agradecida (vi algumas entrevistas, ele nunca sorri, coisa mais estranha). Foi Gene Kelly quem o levou para o cinema (não sei se muita gente sabe, mas Stanley Donen também dançava, devia dançar muito mal), numa época em que Gene tinha carta branca na MGM. Mas Donen disse que pagou tudo o que devia a ele, e muito mais. E se recusou a dar entrevista num documentário que fizeram sobre Kelly, disse que não tinha nada de bom para falar. WTF? Eu o acho intragável. No fundo acho que rolava inveja e ciúme (inclusive houve uma quadrilha drummondiana entre eles e seus pares, que acho que Donen nunca superou). A própria ex-mulher de Gene, a primeira, disse que Donen era “apaixonado” por Kelly, pelo seu sucesso e talento, pois embora ele participasse na criação e colaborasse nos filmes, era Gene quem aparecia nas telas, e que pra ele isso deve ter sido demais (ela usou a palavra “impossible”). Como ele não conseguiu ser Gene Kelly, resolveu abraçar o rancor e ser uma pessoa desagradável.
    Ao menos quando ele recebeu o Oscar honorário, aquele que eles dão como prêmio de consolação, demonstrou um mínimo de alma e tocou no nome de Gene; talvez porque fazia apenas um ano da morte dele (e fez um agradecimento muito bonitinho, confesso, cantando a música Cheek to Cheek).

    Mas também só implico e não gosto da figura, mas vejo os filmes dele. Até acho que já tinha assistido ao Charada, quando o vi este ano; teve uma época em que passavam filmes antigos e bons na TV, isso bem antes dos canais fechados, e eu via sempre que podia e conseguia ficar acordada.

  7. É engraçado o que esta senhora – Jussara – fala a respeito do Donen. E mais engraçado ainda, é que foi justamente com ele, que a grande Hepburn desempenhou dois dos seus melhores papeis no meu julgamento. O primeiro foi “Funny face” (1957) e o outro foi este “Charade” (1963). Em ambos Audrey Hepburn consegue uma química maravilhosa com seus parceiros, Fred Astaire e Cary Grant, respectivamente. E mais: Donen começou sua carreira codirigindo filmes com Gene Kelly. Dirigiram três filmes juntos ao todo. O primeiro foi “On the town” (1949), que foi também o filme de estreia de Donen, depois vieram “Singin’ in the rain” (1952), um dos melhores filmes da história do cinema, e finalmente, “It’s always fair weather” (1955).
    Nunca me interessei em saber detalhes sobre a vida de diretores de cinema, embora sempre tenha sido um cinéfilo. Procurava saber sobre a filmografia de cada um, para tentar ver os outros filmes de algum diretor que gostasse. Mas vida pessoal? Nunca me interessou. O fato é que Stanley Donen sempre foi para mim um excelente diretor, principalmente depois de ver Cantando na Chuva e Charada. Ele virou uma espécie de Deus pra mim.
    Deve ter havido alguma coisa nessas filmagens dos três filmes citados em que eles dividiram a direção para ele falar tão mal do Kelly. Mas isso não me importa.
    É como Hitchcock, por exemplo. Era meio louco nas suas obsessões pelas loiras de seus filmes. Mas e daí? Era um gênio! Eu vou deixar de ver ou de gostar dos filmes dele porque ele tinha algum desvio sexual com algumas mulheres?

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