O Mistério de Lulu / Lulu on the Bridge


Nota: ★★★☆

Anotação em 1999: Um filme estranhíssimo, estranhíssimo, como os próprios textos de Paul Auster – um pouco de Kafka em Nova York, um pouco de um certo surrealismo, um jeito de parábola, de alegoria. É a versão do escritor – no primeiro filme dirigido só por ele (Sem Fôlego/Blue in the Face é dele e de Wayne Wang) – para o mito da caixa de Pandora. A história vai toda sendo contada com uma lógica que não é a lógica normal, é uma lógica de sonho.

Mira Sorvino nunca esteve tão absolutamente linda, deslumbrante.

E o filme é também, de uma certa forma, uma declaração de amor às mulheres. Tortuosa, complicada, mas é. É uma espécie assim de O Homem que Amava as Mulheres versão Paul Auster.

O filme abre com diversas fotos de mulheres bonitas – inclusive uma, famosíssima, da jovem Vanessa Redgrave nos anos 60. Uma voz suave (saberemos, nos créditos finais, que é de Mira Sorvino) canta uma canção igualmente suave. E as imagens são de diversas fotos de belas mulheres – Vanessa Redgrave, Louise Brooks. Harvey Keitel está diante delas. Só depois de alguns minutos veremos que ele está mijando, e as fotos estão pregadas na parede. Uma pessoa vem chamá-lo – está na hora de entrar no palco. Ele entra; é o saxofonista de uma banda. Está lá tocando quando de repente entra um louco no bar, atira no saxofonista e em seguida se mata.

Veremos em seguida que o saxofonista, Izzy Maurer, sobrevive, embora sem um pulmão e com a mão quebrada, o que significa que ele não poderá mais tocar. E a música era o sentido de sua vida. Um belo dia, andando à noite pelas ruas de Nova York, Izzy vê um homem morto, com um buraco na testa. Resolve pegar a pasta dele. Na pasta há apenas duas coisas, conforme ele examina de volta à sua casa: um guardanapo com um número de telefone e uma caixa. Sim, a caixa, a caixa de Pandora. Dentro da caixa, outra caixa menor. Dentro da outra caixa menor, uma pedra. Uma pedra absolutamente incomum: no escuro, ela brilha, levita, emite uma forte luz azul. Izzy liga para o número anotado no guardanapo. É de Celia Burns, a quem o espectador já havia sido apresentado em ação paralela.

Izzy vai visitá-la, para checar se ela sabe algo sobre a pedra. Ela não sabe – mas a pedra os faz se apaixonarem total e perdidamente. Não querem mais se largar. Celia trabalha num restaurante, um fake French, como ela diz, de um fake Pierre do Bronx; mas é atriz, já fez alguns pequenos papéis. Vai fazer um teste para ver se obtém o papel de Lulu em uma nova versão de A Caixa de Pandora – o papel que já foi de Louise Brooks, em 1929, dirigida por G.W.Pabst na Alemanha entre as duas grandes guerras. A nova versão será dirigida por uma ex-atriz famosa, Catherine Moore (interpretada por Vanessa Redgrave). Izzy a conheceu poucos dias antes – é amiga de um produtor que agora está está casado com a ex-mulher de Izzy (Gina Gershon).

Celia consegue o papel. O filme será rodado na Irlanda. Pela primeira vez desde que se conheceram, Celia e Izzy se separam; ele pretende ir encontrá-la na Irlanda dias depois; quer passar alguns dias em Nova York para vender o apartamento. Ao voltar para o apartamento pela primeira vez desde que conhecera Celia, é preso por desconhecidos que querem saber da pedra.

E por aí vai.

De resto, há diversas coincidências, um carrossel, uma imensa valsa de rodopios em torno de personagens e pessoas. Harvey Keitel, claro, é o ator principal de Cortina de Fumaça e Sem Fôlego, dois filmes com texto de Paul Auster. Mira Sorvino participou de Sem Fôlego. Keitel e Willem Dafoe já haviam trabalhado juntos em A Última Tentação de Cristo, de Martin Scorsese. Graeme Revell, o autor da música, trabalhou com Wim Wenders pelo menos em Até o Fim do Mundo/Until the End of the World. Quem faz a música tocada pelo conjunto do personagem Izzy é o John Lurie, ator do Down by Law do Jim Jarmusch; ele e Jarmusch também participaram de Sem Fôlego; e Lurie também trabalhou em A Última Tentação de Cristo, junto com Keitel e Dafoe. Lou Reed faz uma pontinha aqui, depois de ter trabalhado em Cortina de Fumaça/Smoke. Em Sem Fôlego toca Marisa Monte; aqui toca Amália Rodrigues.

O filme estreou em São Paulo em 22/1/1999, na França em 7/10/1998. Exibido em mostra paralela em Cannes 1998, até janeiro de 1999 não tinha sido lançado nos Estados Unidos por falta de distribuidor, depois de críticas pesadas.

O Mistério de Lulu/Lulu on the Bridge

De Paul Auster, EUA, 1998.

Com Harvey Keitel, Mira Sorvino, Vanessa Redgrave, Gina Gershon, Willem Dafoe; e, em participações especiais, Lou Reed, David Byrne

Argumento e roteiro Paul Auster

Música Graeme Revell; participação de John Lurie

Produção Redeemable

Cor, 103 min.

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