Ruth em Questão / Citizen Ruth


Nota: ★☆☆☆

Anotação em 1997, com complemento em 2008: Um filme estranhíssimo, esquistíssimo, até mesmo meio injustificável. É chato de se ver, é aborrecido, é desagradável como a personagem principal. O tema é o aborto – justamente esse tema tão fundamental mas que tão poucas vezes é abordado pelo cinema. Só lá pelo final é que o espectador, mesmo o mais mais inteligente, ou mais bem informado, percebe qual é a dele, o que ele pretende, a que ele veio, afinal.

É a história de uma jovem desajustada chamada Ruth (Laura Dern, em papel feito sob medida para ela). Desajustada, drogada, dropout, white trash a não mais poder, absolutamente inconsciente de tudo, oportunista, sem qualquer noção de ética, sem qualquer tipo de escala de valores. Teve quatro filhos, mas não os vê; perdeu o direito de guarda de todos eles. Se droga com o que aparecer pela frente. É presa pela centésima vez, drogadíssima de fluido de isqueiro ou óleo de freio; na prisão, descobrem que ela está grávida. E o promotor insinua que ela poderá ter uma pena reduzida caso resolva abortar.

Uma família de BS paga a fiança dela e a recolhe. (Aprendi essa com o filme; BS são baby savers, aquele bando de malucos, direitistas, reacionários, fanáticos religiosos, que dedicam a vida a fazer campanhas contra o direito ao aborto legal.) Querem usar o caso dela para faturar pela causa. Tentam convencê-la com seus argumentos moralistas e religiosos a ter o filho. A mídia vai em cima.

Mas ela ainda quer o aborto. Não por nenhum motivo lógico ou racional ou mesmo emocional; apenas para tirar disso o benefício de ter a pena reduzida. E por isso em seguida ela é cooptada por um grupo que se diz Pro Choice, a favor do direito de escolha.

O filme ridiculariza os dois lados, os BS e os Pro Choice – embora a caricatura dos BS, é preciso admitir, seja mais violenta do que a dos Pro Choice. Os BS são mostrados como interesseiros, loucos, fanáticos, e seu moralismo é mostrado como falso; o chefe da família de BS que a acolhe tem vontade de comê-la, por exemplo. O líder nacional dos BS é uma figura caricatural (Burt Reynolds, que ultimamente só faz caricaturas; é só lembrar da figura patética do senador tarado de Striptease), que come um garotinho de 18 anos.

As duas mulheres do Pro Choice que a acolhem em seguida são lésbicas; na verdade, são militantes a favor do aborto. A líder nacional deles (Tippi Hedren, em participação muito especial, ela mesma, a loura que Hitchock descobriu e tentou transformar em estrela em Os Pássaros) é absolutamente fascinada pela mídia.

Pois muito bem. Lá pelas tantas a chata da Ruth descobre que os BS querem fazer uma doação de US$ 20 mil para que ela crie o filho – e ela, é claro, gananciosa, egoista, ameaça se bandear para o lado deles. Um dos Pro Choice oferece para ela US$ 15 mil para que ela faça o aborto. Como ela continua se drogando, e cai de escada drogada, tem um aborto natural, que esconde dos Pro Choice pra poder ficar com a grana. Vai finalmente à clínica de aborto; do lado de fora, berrando seus slogans, os dois lados em guerra; ela pega a grana e se manda.

E só já bem no final, como eu disse antes, é que se percebe a que veio o filme. O filme, me pareceu, veio criticar os dois lados da guerra, os Pro Choice tanto quanto os BS, que fazem do tema um estrondo para atrair mídia, mas na verdade – segundo o entendimento do filme – pouco se importando para o que de fato acontece na cabeça e no coração da mulher que está grávida.

Bem. No caso específico, não há absolutamente nada na cabeça e no coração da mulher, só muita merda e muita droga.

Então é por isso que eu disse que o filme é, além de tudo, injustificável. Porque a questão do aborto já é complicada demais; porque aquela sociedade louca do maior Império do mundo já está absolutamente dividida ao meio diante dessa questão. Então, na minha opinião, esse filme não adianta nada, ele só joga mais merda no ventilador. Veio para confundir, em vez de esclarecer.

Posso e devo mesmo estar tendo uma visual de torcedor, ou seja, de alguém nada isento. Diante desse tema, não há como ficar em cima do muro, e eu sou absolutamente radical de um dos dois lados dessa guerra. Mas é isso o que eu acho do filme. Chato e intragável que nem a personagem central.

Depois de ver O Preço de uma Escolha, aliás feito no mesmo ano, aí então é que o filme fica insuportável.

Para checar se eu não estava doido quando vi o filme, e fiz uma avaliação completamente equivocada, fui agora, 2008, checar o que diz o AllMovie, um site que considero inteligente e lúcido. A forma como eles falam do filme mostra que não, eu não estava doido: “The divisive issue of abortion is at the center of  Citizen Ruth, a political satire that attempts to subject both pro-choice and pro-life forces to equal ridicule. (…) What results is a frantic, comedic session of wheeling-dealing which argues that activists on both sides have become more concerned with waging political warfare than helping women.”

Ruth em Questão/Citizen Ruth

De Alexander Payne, EUA, 1996.

Com Laura Dern, Kelly Preston, Burt Reynolds, Tippi Hedren, Mary Kay Place, Swoosie Kurtz

Roteiro Alexander Payne e Jim Taylor

Música Rolfe Kent

Mont Kevin Tent

Direção de arte Jane Ann Stewart

Fotografia James Glennon

Cor, 106 min

2 Comentários para “Ruth em Questão / Citizen Ruth”

  1. Boa noite! Apesar das críticas negativas , desejo assistir Ruth em questão. Sou interessada em pensar a questão do aborto e tal obra me foi indicada. Todavia, não a encontro em lugar algum.
    Vocês saberiam como posso fazer para encontrar o filme???
    Desde já grata,
    Renata.

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