O Padre / Priest


Nota: ★★★★

Anotação em 1997: Um grande filme. Um filme corajoso, profundamente progressista, anti-establishment, antipreconceitos de todos os tipos. Não é um filme contra a Igreja Católica – embora seguramente 95% da hierarquia católica deva considerá-lo assim. Nem muito menos anticristão. É anti-hierarquia, anti o que a máquina da Igreja criou em torno dos preceitos básicos da religião.O que está em pauta, especificamente, é a exigência do celibato – e, mais especificamente ainda, mais ousadamente ainda, o tabu que é quebrar o celibato com uma ligação homossexual. Mas o filme na verdade vai além desse específico. Não é um filme contra a exigência do celibato, e contra o pavor que todos têm de um padre homossexual. É aquilo de que falei duas linhas acima: é anti-hierarquia, anti quase tudo o que a máquina da Santa Madre criou para defender a monarquia mais duradoura da história da humanidade. E anti-hipocrisia, anti os falsos cristãos. Os fariseus, talvez. Jesus Cristo seguramente seria a favor.

O lead é do mais puro brilho. Um velho padre olha enfezado, puto, profundamente puto, para as imagens de uma igreja, o Cristo, Nossa Senhora; na tomada seguinte, ele está carregando para fora da igreja uma grande cruz com o Cristo nela; crianças correm junto dele; ele pega um ônibus, seguido por um bando de crianças; corta; mostra-se um bispo, em uma casa rica, de grande janela de vidro, e, do ponto de vista do bispo, mostra-se a janela de vidro e, lá atrás, o padre vindo com a cruz como se fosse um ariete (como em O Pagador de Promessas); lá vem o padre, aproximando a cruz transformada em arma de guerra, para junto do vidro; quando o vidro explode, câmara de dentro da casa do bispo, surge o letreiro gigantesco: PRIEST.

O velho padre – veremos em seguida, assim que termina a bela apresentação – está tendo os seus trabalhos na paróquia dispensados. Veremos a história do velho padre contada ao longo do filme; é uma história amarga – ele não tem vocação, não concorda com o celibato, mas manteve-se na Igreja para não desagradar à mãe; e, depois que ela morre, ele já está velho, não poderia começar uma outra profissão, e então fica na Igreja; mas trata a Igreja como uma empresa da qual é empregado, pouco mais que isso; por isso a revolta quando, depois de décadas de bons serviços prestados, a empresa simplesmente o demite, o aposenta.

Mas não é o velho padre que importa tanto. Importam o novo padre, que o bispo chama para ficar no lugar do velho, na paróquia pobre, e o outro padre da mesma paróquia, maduro, vivido, quase em tudo o oposto do novo. O novo demonstra uma educação maior, mais certezas sobre o seu papel e o da Igreja, e um rigor muito maior no trato com algumas questões fundamentais: é mais ortodoxo, menos flexível, é contrário à politização dos sermões, é absolutamente contrário ao fato de o padre maduro ter uma relação marital quase totalmente às claras com a mulher que trabalha para eles. O maduro tem o discurso de um líder trabalhista radical; é vigorosamente contra a exigência do celibato, e vigorosamente contra a ditadura da hierarquia eclesiástica (ele fala, lá pelo fim do filme, uma frase brilhante; mais do que uma fase brilhante, um conceito brilhante: a Igreja exige o celibato para não ter que enfrentar na Justiça demandas de viúvas). O novo (Padre Greg, interpretado por Linus Roache, muito bom), é o que no Brasil seria um conservador; o maduro (Padre Matthew, interpretado por Tom Wilkinson, excelente) é um progressista aberto, claro, nítido; mais – é um libertário.

Se você não viu o filme, não leia a partir de agora

Padre Greg enfrenta um caso de abuso sexual contra Lisa, uma adolescente de 14 anos; ela revela o abuso, praticado pelo pai, na confissão. Esse é o grande fio condutor da história – além do fato de Padre Greg ser homossoxual.

O fato de ele ser homossexual só vai aparecer lá pela metade do filme, ou pouco antes da metade – e essa coisa de o que se coloca nas resenhas de filmes deveria ser repensada; a resenha da capa dá essa informação, e isso me parece um grande absurdo.

Eventualmente, lá pela segunda metade do filme, o Padre Greg é flagrado pela polícia com o namorado (interpretado por Robert Carlyle, de Uma Canção para Carla/Carla’s Song) no que eles chamam de ato obsceno em um carro; o caso vai para os jornais e para a Justiça. O suporte que recebe de Padre Matthew é tão imenso quanto o que não recebe do resto da Igreja.

O final do filme é tão brilhante quanto o começo. O Padre Matthew insiste em que os dois celebrem juntos uma missa de domingo. A pregação libertária que ele faz nessa missa é um manual de resistência ao atraso, ao conformismo. Ao final da missa e do filme, os dois se colocam para dar a comunhão; forma-se uma grande fila diante do Padre Matthew, mas ninguém se posta para receber o sacramento do “padre gay”, como alguém da congregação define; só Lisa, a adolescente que ele de alguma maneira salvou do abuso do pai, vai até ele. É tristíssimo, é emocionante, é lindo.

O Padre/Priest

De Antonia Bird, Inglaterra, 1995.

Com Linus Roache, Tom Wilkinson, Robert Carlyle, Cathy Tyson

Roteiro Jimmy McGovern

Mont Susan Spivey

Fotografia Fred Tammes

Música Andy Roberts

Cor, 105 min

****

9 Comentários para “O Padre / Priest”

  1. vejamos .. temos um padre progressista (dito “maduro”)e um conservador que enfrenta um caso de abuso sexual, fico extremamente aliviado pois não se trata de um filme anti-católico !

    sendo mto bem representada pelo mesmo …
    estava sendo ironico em meu comentário !

    filme covarde, e tão covarde foi que disse “Não é um filme contra a Igreja Católica”

  2. faça me um favor, os progressistas querem a igreja do conveniente, se vc ou outra pessoal que não concorde com a igreja tradicional quer uma religião conveniente sinta-se a vontade para escolher !

    agora me diga se é nescessaria fazer um filme sobre isso, isso é atacar covardemente a igreja, uma falta de respeito !

    como falei quem quer uma religião que lhe convem sinta-se a vontade para escolher qualquer outra !

  3. O filme é maravilhoso, e de alguma forma nos liberta o pensamento, proporcionado pela Igreja Católica, como foi dito na resenha não é um filme contra a Igreja, mas um filme anti-hierárquico!

  4. É um filme muito interessante, que demonstra de forma clara as limitações que a Igreja Católica à liberdade do ser humano, álias, este é o mal da sociedade: a forma prejudicial como as religiões interferem na vida das pessoas.

    Só não entendo por que o Sandro, que comentou ali acima, ficou tão indignado com o filme, ele queria o que? Um filme que falasse sobre padres pedófilos ou algum que falasse sobre a “santa” inquisição?

  5. O filme mostra como a igreja católica quer manter o controle sobre o comportamento das pessoas e aborda de maneira clara a hierarquia da igreja. É um filme lindo e muito bem conduzido.

  6. Sobre a postura do padre Greg (Linus Roache), não difere muito do que boa parte do clero é, homossexual. “O clero é amplamente homossexual e também, infelizmente porque está paralisado pela falta de aceitação de sua própria orientação sexual” Charamsa, padre polonês e ex oficial da congregação para a Doutrina da fé, ex secretário da Comissão Teológica Internacional do Vaticano e ex professor de Teologia da Universidade Pontíficia Gregoriana e da Universidade Pontifícia Regina Apostolorum à imprensa. O que consigo perceber é que as pessoas, motivadas por valores religiosos, não querem homossexuais, e muito menos suportar a ideia de que um padre possa ser. Concordo com a afirmação, ”não é um filme contra a igreja católica”. Vejo como um filme que retrata a realidade. Um padre que não vive o celibato, o outro que está descubrindo sua sexualidade, e a dificuldade que o padre enfrenta ao saber que uma criança está sendo molestada e não poder fazer nada. Não estou dizendo que a confissão não deva ter sigilo, mas o que o filme questiona é se em casos como esse se não teria uma brecha. O pior é que mesmo sabendo que a maioria dos padres não vivem o celibato e boa parte é homossexual (aqui, gostaria de lembrar que somos humanos, seres sexuais, e que o sexo faz parte da natureza)os próprios, mal resolvidos, usam o púlpito para condenar e dizer quão errado é ser assim. E aos tradicionalistas conservadores, por que defender tanto essa instituição, e não o evangelho que fala de amor, compaixão e misericordia.

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