Aconteceu na Primavera / Fiorile


Nota: ★★★☆

Anotação em 1996: Um filme impressionante. Até mesmo pelo fato de que não parte de um texto literário, mas é uma criação dos irmãos Taviani diretamente para o cinema, com uma complexidade que seria de se esperar de um grande escritor. Um painel com a história de uma família da Toscana ao longo de 200 anos. A família, os Benedetti, é marcada por um estigma, uma maldição, que começou no final do século XVIII, quando as tropas de Napoleão chegaram à Toscana. A família, então, era de camponeses pobres: pai, mãe, filho e filha. A filha, Elisabetta, se apaixona por um jovem tenente francês, Jean; enquanto eles estão juntos no bosque, o irmão dela, Corrado, rouba uma mula que carrega um baú cheio de moedas de ouro, de que Jean deveria cuidar. Os franceses invasores dizem no povoado que, se o ouro não for devolvido até a manhã seguinte, Jean terá que ser executado. Pai, mãe e filho não devolvem o ouro, o que significa que na verdade assassinam o homem que a filha ama e de quem ela carrega um filho. (Jean a chama de Fiorile, motivo do nome original do filme.)

 A ação começa nos dias de hoje. O Benedetti atual, Luigi, está indo para a terra natal, com sua mulher francesa e os dois filhos, uma menina e um menino, porque seu pai teve um problema cardíaco. Será o primeiro encontro entre os dois depois de dez anos; Luigi vive em Paris, longe da terra em que as pessoas chamam sua família de Maledetti. A família pára em um hotel antes de ir ver o pai de Luigi, e, saindo do banho, as duas crianças ouvem as criadas falando que seu pai é o último dos Maledetti. Na viagem de carro em seguida o pai conta a história da família, e ação volta no tempo para a época da invasão napoleônica.

Depois que roubou o ouro, a família Benedetti comprou toda a terra da região. A narrativa de Luigi para os filhos (e portanto a do filme também) pula do final do século XVIII para o comecinho do século XX, quando os Benedetti são três irmãos, Alessandro (interpretado pelo mesmo ator que havia feito Corrado), Elisa (a mesma atriz que havia feito Elisabetta) e um mais jovem, inseguro, temeroso da maldição da família, meio abobalhado. Elisa, como sua antepassada, Elisabetta, tem um amor proibido, por um camponês que trabalha em suas terras. Alessandro, como seu antepassado Corrado, é ambicioso, quer ser eleito para o Parlamento em Roma, e paga para que toda a família do namorado da irmã viaje para a América do Sul. Elisa, como sua antepassada, fica grávida. E, ao saber pelo irmão mais jovem que a fuga do namorado não foi fuga, e sim uma armadilha de Alessandro, envenena os dois e fica louca.

O filho dela, também de uma gravidez de uma única trepada, tem um filho sensível, atormentado – que é o pai do Benedetti atual, Massimo, avô das duas crianças atuais. A história de Massimo é extremamente cruel. Estudante em Florença, defende tese sobre a invasão napoleônica da Toscana, durante a Segunda Guerra. Os resistentes antifascistas o incumbem de uma missão, mas ele é preso, ao mesmo tempo em que é presa sua namorada, que igualmente ficou grávida de uma única trepada. No pelotão de fuzilamento, ele é retirado e poupado por causa do dinheiro que possui. Não revê a namorada, que morre em um bombardeio pouco depois de dar à luz Luigi, o Benedetti atual. Vive atormentado pela culpa centenária, enquanto administradores incapazes ou mal intencionados dilapidam sua fortuna. Nos dias de hoje, vive na velha casa em que os antepassados viviam antes de roubar o ouro. Para evitar que a maldição da família perseguisse seu filho, Massimo havia feito com que Luigi fosse para longe, para Paris.

 Se você não viu o filme, não leia a partir de agora

Ao encontrar pela primeira vez os netos, Massimo diz que já os conhece. Chama o garoto de Corrado e a garota de Elisabetta. E, como se verá nos momentos finais do filme, de fato a maldição continuou: o garoto é mesmo ambicioso, ganancioso e insensível, enquanto a garota ao contrário é suave, doce, sensível.

Mary percebeu isso bem, ao contrário do que aconteceu comigo. E percebeu mais: que a maldição toda que se abate sobre a família foi na verdade determinada pelo primeiro Benedetti da história, o pai de Elisabetta, que, na praça central do vilarejo, discursa pedindo para o ladrão devolver o ouro e poupar a vida do tenente francês; e diz que quem ficar com o ouro será amaldiçoado.

Eu me impressionei com a força desse tema tão recorrente no cinema italiano, a volta à terra natal que se abandonou em algum momento da vida, e o reencontro com a geração anterior. Cinema Paradiso, por exemplo, passa por isso. I Viteloni é o contrário, é a ansiedade por sair da província. Não me lembro agora de outros, mas com certeza todos os grandes passaram por esse tema.

Aconteceu na Primavera/Fiorile

De Paolo e Vittorio Taviani, Itália-França-Alemanha, 1993

Com Claudio Bigagli (Corrado/Alessandro), Galatea Ranzi (Elisabetta/Elisa), Michael Vartan (Jean/Massimo jovem), Lino Capolicchio (Luigi, o Benedetti atual), Constanze Engelbrecht (a mulher de Luigi, Juliette), Athina Cenci (Gina), Giovanni Guidelli (Elio), Norma Martelli ( Livia)

Argumento Paolo e Vittorio Taviani

Roteiro Sandro Petraglia, Paolo e Vittorio Taviani.

Fotografia Giuseppe Lanci

Cor, 118 min.

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